A Viagem – Semana #5

Uma lição de teledramaturgia, que talvez Walcyr Carrasco seja o autor que melhor assimilou: para manter o interesse do público na novela (uma obra que se estende por meses a fio), há de se promover, de tempos em tempos (semanalmente de preferência), pequenas catarses na trama. Não é fácil e muitas vezes, para alcançar o intento, faz-se necessário mandar a verossimilhança às favas. “É preciso voar“, diria Glória Perez.

Ivani Ribeiro não faz por menos. Na semana que passou, vimos catarses que o público já esperava, como a nova tentativa de fuga de Alexandre e o primeiro barraco de Diná e Lisa (com direito a tapa na cara). E duas situações forçadíssimas que fogem de qualquer lógica, criadas para justificar outras situações ou entrechos: a farsa de Téo para esconder de Diná uma amante, em que ele envolveu Otávio e Queiroz; e o porre injustificável de Téo na fazenda de Guiomar.

• A tentativa de fuga dos presos serviu para endurecer ainda mais as restrições de Alexandre e o seu espírito vingativo. Ajuda a cristalizar no público a ideia do suicídio e fazê-lo assimilar melhor essa situação. Alexandre não tem mais escapatória e sabe que vai mofar na prisão.

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• O barraco de Diná e Lisa (virão outros) foi “um cenão” de lavar a alma, porque já conhecemos o destempero de Diná (que já deu inúmeras provas de que é totalmente descompensada) e porque Lisa, apesar de sua boa índole, não é a mocinha passiva que recebe o tapa calada. Eu ri quando ela começou a jogar as fitas de vídeo da prateleira.

• Já toda a sequência em que Téo tenta se esconder e esconder a amante dentro do escritório de Otávio, e a história estapafúrdia que ele inventa para Diná envolvendo Otávio e Queiroz, que nada têm a ver com aquilo, é por demais absurda. Walcyr Carrasco sorriu satisfeito.

• Téo, do nada, toma um porre homérico na fazenda de Guiomar, em que todos, impassíveis, o assistem beber pelo gargalo da garrafa, cuspir bebida na sala, jogar garrafa aberta no sofá e fazer um escândalo envolvendo a pobre da empregada. Além da proporção exagerada da situação, há a relativização da bebida, porque sabemos que Téo não é alcoólatra e a novela sequer aborda esta temática. Hoje, essa sequência seria tratada com mais cuidado (pelo menos por um autor consciente).

Entretanto, A Viagem é uma novela da década de 1970, em que o alcoolismo nem era visto como doença. E para quê esse quiproquó todo? Apenas para gerar uma catarse momentânea, porém, que em nada enriquece a história. Não passa de mais uma sequência em que Diná e Téo brigam por causa do ciúme dela e eles voltam a fazer as pazes. E assim a autora vai enrolando essa trama.

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• Ivani Ribeiro criava situações extremamente pueris, o que talvez explique seu forte apelo junto ao público. A cena em que Otávio descobre que seu melhor amigo Alberto é também apaixonado por Diná (em que cada um imagina cenas românticas com a amada) só não é tosca porque são dois grandes atores em cena, imprimindo credibilidade a seus personagens. A propósito, eu gosto muito de Alberto, o acho um tipo bem crível. Mas Otávio me soa um tanto fantasioso e idealizado.

PS1: Em contrapartida, adoro a maneira delicada como a autora conduz a paixão platônica de Estela por Alberto, mérito também da direção e da interpretação de Lucinha Lins. Considero Estela uma das melhores personagens da atriz.

PS2: Gosto muito de Tibério e a maneira como Ary Fontoura interpreta o personagem, com os gestos, o olhar, a fala, as pausas, as bocas entreabertas. Que ator! E vê-lo em cena com Lucinha Lins e Cláudio Cavalcanti me remete a Roque Santeiro.

PS3: A invasão das crianças ao casarão do Mascarado poderia ser um episódio do Clube dos Curumins (A Gata Comeu, lembra?). Achei bacana! Recheios assim dão leveza e tornam a novela agradável.

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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