Sucesso da faixa das oito da Globo, O Outro estreava há exatamente 35 anos, em 23 de março de 1987. Confira inúmeras curiosidades dos bastidores da produção da Globo:
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– O Outro marcou o regresso de Francisco Cuoco às novelas. Ausente das produções do gênero desde Eu Prometo (1983), o ator havia recusado, dois anos antes, reviver Roque Santeiro. O papel-título da trama de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que coube a Cuoco na versão censurada de 1975, ficou com José Wilker.
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– Diante de uma eventual recusa de Chico, a produção cogitava Antonio Fagundes e Lima Duarte para os sósias protagonistas, Paulo Della Santa e Denizard de Mattos.
– De compromisso com o cinema, Betty Faria declinou do convite para a suburbana Índia do Brasil, entregue a Yoná Magalhães. Glória Menezes, primeira opção para Laura – que na sinopse original atendia por Edith –, foi remanejada para Brega & Chique, às 19h. Foi quando surgiu a expectativa de contar com Cássia Kis, também deslocada para ‘Brega’, ou Vera Fischer, em negociações com a Manchete para protagonizar Corpo Santo. Por fim, a opção por Natália do Vale, que vinha da exitosa vilã Andréia Souza e Silva, de Cambalacho (1986).
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– Bia Seidl, Raymundo de Souza e Tânia Alves também integraram o elenco provisório. Gloria Pires, requisitada para Direito de Amar, folhetim das seis, abriu mão de Glorinha da Abolição, tipo popular que consagrou a trajetória de Malu Mader.
– Os 12 primeiros capítulos de O Outro compreendiam os dilemas de Paulo Della Santa. Atormentado pelos problemas financeiros de sua imobiliária, em crise conjugal com Laura e enfrentando a hostilidade dos filhos Marília (Beth Goulart) e Pedro Ernesto (Marcos Frota), Della Santa passa a ter pesadelos com um homem, idêntico a ele, que tenta sufoca-lo. Também estranhas visões, como se alguém de fisionomia similar a dele, perambulasse pelas ruas de Copacabana. Eis que, em determinado momento, uma cigana (Zilka Salaberry) o previne: “o outro” tomará seu lugar.
Copacabana
– A ação transcorria na ensolarada e marginalizada Copacabana. Durante o dia, gatinhas tomavam a areia da praia; à noite, o ambiente pertencia a pivetes e puxadores de carros, amigos da batalhadora Glorinha da Abolição. Em destaque, o condomínio Sobre as Ondas, onde as confusões se atrelavam ao síndico repressor Demerval (Lutero Luiz), à vizinha bisbilhoteira Liúba (Eva Todor), ao assanhamento de Dedé (Luma de Oliveira), ao “tiozão” Cordeiro de Deus (Jonas Mello) e ao casal em pé de guerra Edwiges (Claudia Raia) e Genésio (José de Abreu).
– A Globo reproduziu ruas de Copacabana na sua cidade cenográfica em Guaratiba, Rio de Janeiro, tendo por inspiração a única casa da Avenida Atlântica. No enredo, Agostinho (José Lewgoy), pai de Paulo, recusava-se a vender seu casarão – numa crítica à especulação imobiliária –, prejudicando os negócios do filho. Este, aliás, era o “start” da primeira sinopse de O Outro, que, a princípio, substituiria Selva de Pedra, em agosto de 1986.
– Eis que, após a explosão de um posto de gasolina, a profecia da cigana se cumpre! Paulo encontra Denizard de Mattos no banheiro do local. Antes que possa esboçar qualquer palavra, tudo voa pelos ares… A existência dos sósias não é segredo para Vidigal (Ewerton de Castro), marginal ligado aos negócios escusos do ferro-velho Possante, de propriedade de Denizard e Nininho Americano (Tonico Pereira).
– Durante o resgate das vítimas, Denizard é confundido com Paulo. Enquanto a namorada Índia e a filha Zezinha (Claudia Abreu) enterram o suposto dono do ferro-velho, Laura e seu irmão João Silvério (Miguel Falabella, colhendo os louros de seu personagem em Selva de Pedra) tramam para que Paulo, desmemoriado, confie todo seu dinheiro a eles. Paulo, neste momento, é Denizard. Sua personalidade, influenciada pelo novo meio em que vive, acaba por “fomentar” um terceiro homem.
Acidentes
– Nos primeiros 15 dias de gravações, Francisco Cuoco dedicou-se apenas às cenas de Paulo Della Santa, com barba por fazer, terno, gravata e a aliança de casado. Depois, surgiu Denizard, de bigode e sobrancelhas grossas, chapéu de feltro e muitos anéis e colares. Ainda, o auxílio de dois dublês – Victor Lopes e Fernando Bessa Juliano, ex-motorista da Globo – nas cenas em que Paulo via Denizard em meio à multidão que circulava por Copacabana.
– A produção achou conveniente produzir uma cabeça de acrílico com as feições de Cuoco para facilitar algumas tomadas. Uma equipe especializada em máscaras mortuárias, contratada para tal tarefa, besuntou o rosto do ator com gesso. Quando o material secou, tudo estava preso aos fios da barba do ator. Foi necessário usar de martelo e talhadeira para “libertar” Francisco.
– Já em estúdio, o protagonista quase se enforcou com uma corda, durante a gravação de um pesadelo de Paulo, em que ele se via sufocado por Denizard.
– A caracterização de Genésio também foi um caso à parte! O gaúcho usava botas e bombachas, mesmo sob o sol escaldante do Rio de Janeiro. Já Isis de Oliveira escureceu o cabelo para viver Dodô, mãe de Dedé (Luma de Oliveira, sua irmã na “vida real”). Arlete Salles também escureceu os fios para interpretar a governanta Wilma, que marcou seu retorno à Globo após uma breve passagem pela Manchete.
Brigas internas
– Graves problemas de produção adiaram a estreia de O Outro de fevereiro para 16 de março; posteriormente, para a segunda-feira seguinte, 23. O Jornal do Brasil, gracejando ou não, chegou a publicar que Daniel Filho – então diretor da Central Globo de Produção – estudava reprisar Cavalo de Aço, folhetim em preto-e-branco de 1973, caso os trabalhos de O Outro não avançassem.
– Marcos Paulo, primeiro diretor-geral escalado para O Outro, saiu do circuito alegando cansaço. Os capítulos iniciais foram rechaçados pelo diretor do núcleo de novelas, Paulo Afonso Grisolli, por “falta de qualidade técnica e inadequação de figurinos”. Por determinação do executivo, Gonzaga Blota assumiu os trabalhos.
– Os comentários na imprensa apontavam para uma desavença entre Marcos Paulo e a equipe de produção, que estaria boicotando o diretor. Como exemplo, equipamentos de iluminação para externas noturnas que não chegavam ao local de gravações – o iluminador Carlos Rosemberg acabou substituído por Antônio Penido. Técnicos de cinema auxiliaram a regravação de todas as cenas feitas até então.
– O desencontro afetou o personagem de Lutero Luiz. O síndico do Sobre as Ondas chegou a atender por três nomes diferentes, em diversas frentes de gravações, até que se optasse pelo definitivo (Demerval).
– Gonzaga Blota, contudo, não foi até o final. Ricardo Waddington o substituiu, deixando a novela nas mãos de Del Rangel para cuidar da produção posterior do horário, Mandala. Pela direção, passaram também Fred Confalonieri, Ignácio Coqueiro e o ator José de Abreu.
– Houve ainda uma tentativa de encaixar Marcos Paulo no elenco. O personagem, Gabriel, acabou nas mãos de Herson Capri; Marcos, por sua vez, migrou para Brega & Chique.
Sucesso
– O departamento comercial apostou alto na grife Aguinaldo Silva, queridinho da audiência após o êxito de Roque Santeiro. A novela estreou com quatro cotas de merchandising já vendidas: carros da Fiat, tecidos Rakan, cerveja Antártica e cachaça Velho Barreiro.
– E O Outro, de fato, estreou lá em cima: o primeiro capítulo registrou 75% de audiência, na pesquisa flagrante, contra 64% de Selva de Pedra e 70% de Roda de Fogo (em fevereiro e agosto de 1986). Para manter o público ligado, a edição compactou sequências do primeiro capítulo, conferindo mais ritmo à ação.
– Na segunda semana de exibição, o folhetim se equiparou a Roque Santeiro, registrando 80 pontos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em maio, os índices estacionaram na casa dos 70 pontos. Nos cinco últimos capítulos, os números superaram novamente a casa dos 80, performance aquém, apenas, de ‘Roque’.
– Com Pedro Ernesto, personagem de Marcos Frota, Aguinaldo Silva abriu o debate sobre a política de saúde no Brasil. O herdeiro da família Della Santa atuava como médico sanitarista, alertando personagens – e, consequentemente, o público de casa – sobre prevenção e cuidados com enfermidades como a dengue e esquistossomose.
– Também uma citação à doutrina espírita: Denizard era o nome verdadeiro de um dos expoentes do espiritismo, Allan Kardec. E Índia do Brasil era médium, embora sua espiritualidade transcendesse os limites da doutrina; a personagem era muito devota de São Judas Tadeu e citava constantemente Escrava Anastácia.
– Ainda, o preconceito racial, abordado através do romance de Monalisa (Rosane Gofman), enfermeira de “Paulo”, e Batista (Antônio Pompeo), motorista da família Della Santa.
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Incesto
– Por fim, a polêmica do incesto. Filha de Paulo Della Santa e Wilma, Glorinha da Abolição se apaixona por Denizard, enquanto este está vivendo sob a identidade de Paulo. O relacionamento faz Wilma, que desconhece a história dos sósias, entrar em depressão.
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– O romance de “Paulo” e Glorinha explodiu após o capítulo 90. A produção pretendia ir até estações de inverno na Argentina, em Bariloche e Las Leñas, mas, por conta dos custos e do tempo gasto com locomoção, acabou recorrendo a um hotel-fazenda entre Teresópolis e Friburgo para gravar sequências do casal “in love”. O diretor Ricardo Waddington participou das cenas, como um esquiador que flertava com a moça, enciumando “o outro”.
– As gravações do concurso Garota do Pepino 87 mobilizaram o conjunto Heróis da Resistência – presentes na trilha sonora com ‘Doublé de Corpo’ -, o atleta Paulo Cintura e as então modelos Paula Burlamaqui, Nani Venâncio e Gisele Fraga.
– Claudia Abreu, que formava par romântico com Marcos Frota, gravou cenas de O Outro e Hipertensão, no ar às 19h, ao mesmo tempo. A atriz precisou voltar aos estúdios da trama de Ivani Ribeiro para a sequência que solucionava o mistério acerca da identidade do assassino de Luzia, sua personagem.
– Já Claudia Raia precisou declinar do convite para o Globo de Ouro por conta da trama. Isabela Garcia assumiu a apresentação do musical, ao lado de César Filho.
– A censura da Nova República, embora mais “flexível”, determinou cortes nas cenas de Zezinha (Claudia) e Pedro (Marcos). Também retalhou a cena em que Índia relembrava sua primeira noite com Denizard – sequências na cama só eram permitidas para personagens casados. O verbo “transar” foi proibido em toda e qualquer fala.
– Então casados na “vida real”, Elaine Cristina e Flávio Galvão também viveram um casal, Ivete e Benjamim – ele a traía com a “novinha” Dedé.
Outro
– Ao longo da narrativa, todos os personagens revelavam “o outro” que existia dentro deles: Laura chorava diante do espelho ao constatar que havia se apaixonado por “Paulo”; Glorinha da Abolição imaginava vestir peças de gala, alimentando seus sonhos românticos; Dona Liúba assumia o passado de atriz da Atlântida, quando atendia pelo pseudônimo de Fada Gabor; o pacato Gato (Milton Rodrigues), dono da lanchonete Gauchinha, atacava moçoilas indefesas deixando um inebriante perfume no ar – o que lhe conferiu a alcunha de “Perfumado”.
– Já João Silvério tomou o posto de grande vilão da trama: assassinou Cordeiro de Deus, marcando a virada do capítulo 100, e Vidigal, crime que levou Denizard, inocente e já livre da identidade de Paulo, para a prisão.
– Acometido por uma hemorragia digestiva, Lutero Luiz desfalcou as gravações temporariamente. Já José Lewgoy saiu de vez: Agostinho morreu em meio aos protestos do ator, que se queixava da qualidade da novela, e da produção, alegando que Lewgoy desunia a equipe.
– Sem seu par romântico, Dona Liúba teve de se contentar com Caio Graco (Sérgio Brito) – irmão de Agostinho, criado às pressas para suprir a ausência do personagem eliminado.
– O grande clímax: no capítulo 176 – a trama chegou ao fim no 179 – Paulo Della Santa reapareceu! No dia seguinte, Aguinaldo Silva reverenciou Janete Clair e as cenas finais de Selva de Pedra, que Francisco Cuoco protagonizou em 1972, ao lado de Regina Duarte. Cuoco se sentava outra vez nos bancos dos réus, enquanto Regina, testemunha de defesa no folhetim de Janete, encarnava a juíza.
– A última cena foi sugerida por Chico Cuoco: Denizard sai pelas ruas de Copacabana e é surpreendido ao avistar, em meio ao bando da cigana, um outro sósia.
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Plágio
– Na reta final, O Outro se viu em meio à polêmica que só chegou ao fim quase 15 anos após o último capítulo – o que talvez tenha inviabilizado a reapresentação da trama em Vale a Pena Ver de Novo. A autora Tânia Lamarca acionou a Globo judicialmente por crime de lesão de direito autoral. Ela havia desenvolvido para a Casa de Criação Janete Clair, coordenada por Dias Gomes, a sinopse de Enquanto Seu Lobo Não Vem, contando com a colaboração de Marilu Saldanha, casada com Walter Borja Lopes, o Borjalo, diretor-adjunto nacional da vice-presidência de operações da emissora.
– Borjalo (foto abaixo), então responsável pelas apreciações de sinopses dentro do canal, teria lido o roteiro a pedido de Marilu e redigido de próprio punho um atestado confirmando que O Outro constituía plágio de Enquanto Seu Lobo Não Vem. No manuscrito, o diretor afirmava que Aguinaldo Silva poderia não ter conhecimento da trama de Tânia Lamarca, já que “história de duplos é muito comum na literatura universal”. Porém, responsabilizava a Casa de Criação por “má fé, omissão, preguiça de ler ou má memória”.
– Aguinaldo falou em “armação” ao Jornal do Brasil de 11 de setembro de 1987. Disse achar estranho que Ferreira Gullar, enquanto lia os capítulos de sua novela (ainda em junho de 1986), orientasse Tânia, segundo a própria, a retirar o contexto político de sua obra, a diferença mais gritante entre as sinopses de ‘Outro’ e ‘Lobo’. O processo acabou implodindo a Casa de Criação, acusada de recolher ideias de autores, consagrados ou inexperientes, para “avaliação” e entrega-las a outros roteiristas – suspeitas rechaçadas por Dias Gomes.
– A Globo expôs em sua defesa, dois anos após o início do processo, uma cláusula do contrato de Aguinaldo Silva na qual ele se responsabilizava pela originalidade de seu folhetim. O autor assegurou que sua única fonte de inspiração foi o filme O Terceiro Homem, produzido em 1949, com base na obra de Graham Greene.
– A perícia judicial constatou a existência de plágio: as duas tramas possuíam desdobramentos semelhantes e circularam, na mesma época, pela Casa de Criação, nas mãos de Dias Gomes e Ferreira Gullar. Por fim, Tânia Lamarca (foto acima) assinou um acordo com a Globo, pelo qual recebeu uma polpuda indenização.
– A estreia de O Outro abriu a programação 1987 da Globo. No mesmo dia 23, o canal lançou a Sessão Comédia, às 17h, e o Globo Economia, após o Jornal da Globo. O penúltimo capítulo, exibido em 8 de outubro, antecedeu o Globo Repórter sobre Xuxa Meneghel – edição especial em homenagem ao Dia das Crianças.