Uma das novelas mais cultuadas da TV brasileira está completando 46 anos de estreia: Saramandaia, escrita por Dias Gomes e dirigida por Walter Avancini, exibida entre 3 de maio e 31 de dezembro de 1976.

Para celebrar a efeméride, listo 10 curiosidades sobre este marcante trabalho que inspirou gerações de roteiristas de televisão.

Confira:

1 – Realismo fantástico

Saramandaia

Tranquila, agitada, festiva, absurda: Saramandaia! Realidade fantástica de Dias Gomes“. Este era o slogan de lançamento da novela, anunciado nas chamadas de estreia. Sua maior contribuição foi ter incorporado o realismo fantástico às novelas brasileiras. Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares usaram e abusaram da fórmula em suas novelas, posteriormente.

Muitos encontraram aproximações da novela com o romance Cem Anos de Solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, e com o filme Amarcord (1973), do italiano Federico Fellini.

Entretanto o próprio Dias Gomes rejeitava o rótulo de fantástico para seus estranhos personagens. Em entrevista ao Jornal do Brasil, declarou:

“Não vejo nada de fantástico nisso. Há gente que não dorme há muito mais tempo. Outros nunca acordaram. O meu chamado realismo fantástico não tem nada de sofisticado. O próprio ponto de partida popular elimina essa hipótese, pois me baseei na literatura de cordel nordestina”.

2 – Personagens esquisitos

Saramandaia ficou famosa por sua galeria de personagens bizarros em situações inusitadas: João Gibão (Juca de Oliveira) escondia um par de asas em seu gibão (uma espécie de colete); Zico Rosado (Castro Gonzaga) soltava formigas pelo nariz quando ficava nervoso; Dona Redonda (Wilza Carla) explodiu de tanto comer; Seu Cazuza (Rafael de Carvalho) soltava o coração pela boca toda vez que se emocionava; Marcina (Sônia Braga), quando excitada, ficava em brasa, queimando tudo ao redor; e o Professor Aristóbulo (Ary Fontoura), além de virar lobisomem, há anos que não dormia.

Dias já usara personagens pitorescos anteriormente: tal qual João Gibão, o Zelão das Asas, vivido por Milton Gonçalves em O Bem Amado (1973), também voou no último capítulo da novela. Mais tarde, em Roque Santeiro (1985-1986), também houve um lobisomem: Professor Astromar Junqueira, interpretado por Rui Rezende.

3 – Crítica social

Dias Gomes era um mestre na crítica social – que, naqueles anos de ditadura do regime militar, era velada. A intenção do autor era fazer uma metáfora do cerceamento de liberdade no Brasil em tempos de Ditadura Militar por meio de uma fictícia cidadezinha no Nordeste brasileiro representando um microcosmo do país.

A cena final, em que o protagonista João Gibão (Juca de Oliveira) sobrevoa a cidade aos olhos do povo simbolizava a libertação das amarras e da opressão e a liberdade conquistada ao vencer dificuldades e limitações.

4 – Afronta à Censura

Apesar da crítica ficar escondida nas entrelinhas, Saramandaia sofreu com a patrulha do regime militar, que impôs cortes em quase todos os capítulos da novela.

O autor driblou como pôde e afrontou os censores por meio de um estratagema: como os critérios eram extremamente variáveis, e os censores eram trocados frequentemente, Dias repetia uma cena vetada 20 capítulos adiante e, se novamente cortada, voltava a repeti-la, e voltava de novo, até ela ser finalmente aprovada.

5 – Explosão de Dona Redonda

Uma das sequências mais icônicas da história de nossa televisão é a explosão de Dona Redonda (Wilza Carla), que comeu demais. Aos olhos de hoje, a cena parece tosca, mas fez sucesso na época.

A direção providenciou um balão debaixo do vestido da personagem, que era inflado à medida que a atriz caminhava. Para a explosão propriamente dita, Wilza foi substituída por um balão do seu tamanho, vestido com suas roupas.

6 – O Lobisomem

Ary Fontoura viveu aqui um de seus melhores personagens: o Professor Aristóbulo, um homem culto, mas sinistro, que não dormia há anos e que, em noites de lua cheia, virava lobisomem.

A caracterização do ator era feita pelo maquiador Eric Rzepecki. Os pelos eram colados em seu corpo com uma cola de borracha, seguindo uma gradação de intensidade, para que fossem gravados diferentes quadros que, editados em sequência, mostrassem o passo a passo da transformação.

[anuncio_5]

7 – Elenco de primeira

Além de Juca de Oliveira, Castro Gonzaga, Wilza Carla, Rafael de Carvalho, Sônia Braga e Ary Fontoura (citados acima): Antônio Fagundes (em sua estreia na Globo, como Lua Viana), Dina Sfat (Risoleta), Yoná Magalhães (Zélia), Milton Moraes (Carlito Prata), Sebastião Vasconcelos (Tenório Tavares), Elza Gomes (Dona Pupu), Eloísa Mafalda (Maria Aparadeira), José Augusto Branco (Dr. Rochinha), Wellington Botelho (Seu Encolheu), e outros.

Também as participações especiais dos dois maiores galãs de novelas da época, Tarcísio Meira e Francisco Cuoco – que viveram D. Pedro I e Tiradentes, vultos históricos que se encontraram com o Professor Aristóbulo em suas andanças noturnas.

[anuncio_6]

8 – Disputa por Paulo Gracindo

Dias Gomes e o diretor Wálter Avancini queriam o ator Paulo Gracindo para viver os coronéis Zico Rosado ou Tenório Tavares. Porém, tiveram de disputá-lo com Daniel Filho, que, à época, o queria para protagonizar a nova novela das oito, O Casarão. Ficou a cargo de Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então superintendente da Globo) decidir em qual novela Gracindo entraria. Ele decidiu por O Casarão e Dias Gomes ficou chateado com Daniel, tendo-o acusado de usar sua influência.

Para Saramandaia foram então escalados Castro Gonzaga, que assumiu Zico Rosado, e Sebastião Vasconcelos, que ficou com Tenório Tavares. Foi melhor assim. Gracindo vinha de uma sequência de novelas do horário das dez. Em O Casarão, o ator acabou vivendo um tipo diferente, mais humano.

Assim, também evitou-se a repetição de elenco, já que Saramandaia tinha muitas características de Gabriela, sucesso do ano anterior na qual Gracindo havia participado.

[anuncio_7]

9 – Trilha sonora

Impossível não associar a novela à música “Pavão Mysteriozo”. O cantor cearense Ednardo gravou a canção em 1974, para seu primeiro disco, e o sucesso foi apenas regional. Dois anos depois, a música foi escolhida para a abertura de Saramandaia, tornando-se um grande sucesso popular e fazendo Ednardo conhecido de norte a sul do país.

“Pavão Mysteriozo” caía como uma luva para o protagonista João Gibão e, como a novela, fazia uma metáfora com a liberdade e a opressão da Ditadura Militar:

“Me poupa do vexame de morrer tão moço, muita coisa ainda quero olhar / (…) Não temas, minha donzela, nossa sorte nessa guerra / Eles são muitos, mas não podem voar”.

Além desta, a trilha teve outros sucessos inesquecíveis: “Capim Novo”, com Luís Gonzaga, “Canção da Meia-Noite”, com o grupo Almôndegas, “Caso Você Case”, com Marília Barbosa, e “Xamego”, com Fafá de Belém (também usada na trilha da minissérie “Rabo de Saia”, em 1984).

[anuncio_8]

10 – Remake

Em 2013, a Globo produziu uma nova versão de Saramandaia, com adaptação de Ricardo Linhares, que atualizou a história e criou novos entrechos e personagens.

No novo elenco: Sérgio Guizé (João Gibão), José Mayer (Zico Rosado), Gabriel Braga Nunes (Professor Aristóbulo), Débora Bloch (Risoleta), Vera Holtz (Dona Redonda), Matheus Nachtergaele (Seu Encolheu), Leandra Leal (Zélia), Renata Sorrah (Leocádia), Aracy Balabanaian (Dona Pupu), Marcos Palmeira (Cazuza), Ana Beatriz Nogueira (Maria Aparadeira), Chandelly Braz (Marcina), Marcos Pasquim (Carlito Prata), Lília Cabral (Vitória), Tarcísio Meira (Tibério), Fernanda Montenegro (Dona Candinha) e outros.

AQUI tem tudo sobre Saramandaia: elenco completo, a trama, personagens, trilha sonora e mais curiosidades de bastidores.

Compartilhar.
Avatar photo

Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor