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A nova novela das nove está há menos de um mês no ar. E já era esperado uma certa dificuldade na audiência inicial de Travessia. Após uma novela de sucesso, como o remake de Pantanal, há um natural luto do público, ainda mais diante de um folhetim que apresenta temáticas totalmente opostas da produção recém-terminada. A história de Glória Perez fala de tecnologia e metaverso, enquanto a anterior parecia um enredo de época diante de tantos personagens avessos até ao uso de celular. Mas é preciso pontuar: não é somente por conta de saudades da trama passada que a atual enfrenta certa resistência do público.
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Gloria Perez resolveu iniciar seu enredo de forma confusa. O primeiro capítulo teve um amontoado de acontecimentos que poderiam ter sido divididos em três ou quatro capítulos sem deixar o ritmo arrastado. Houve uma correria desnecessária a ponto da protagonista mal aparecer. Brisa apareceu brevemente na infância ao lado de Ari e logo houve uma passagem de tempo, mas utilizando a vida da Chiara (Jade Picon) como ‘medidor’ dos anos. Chiara parecia a protagonista. Tanto que Grazi Massafera dominou a estreia e Débora morreu em um trágico acidente de carro pouco depois de parir a filha.
Oportunista
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A impressão não mudou com o passar dos capítulos. O foco continua sendo Chiara e agora o deslumbramento de Ari (Chay Suede) com uma vida de luxos. Nada contra os personagens, até porque é cedo demais para maiores análises, mas o envolvimento do casal não desperta interesse até porque o rapaz está se mostrando um oportunista sem caráter. E ela é uma patricinha fútil e e com comentários xenofóbicos. As cenas estão ficando repetitivas.
No entanto, a novela ficou muito mais atrativa quando focou na saga de Brisa, vítima de uma fake news e que quase foi linchada por populares por ter sido confundida com uma sequestradora de crianças. A autora se inspirou em um caso real, onde a vítima acabou morta no Guarujá, litoral paulista, em 2014. A sequência do quase linchamento foi forte e o encontro da mocinha com Otto (Romulo Estrela) se mostrou um acerto. Nada pior para um casal na ficção do que o amor à primeira vista, mas o ódio à primeira vista sempre rende boas situações. A troca de ofensas e provocações despertou interesse pelo par. Há um futuro promissor pela frente com o romance. Química há, assim como um bom enredo.
Só que a prisão de Brisa prejudicou a verossimilhança do roteiro, o que enfraquece a trajetória da protagonista. Ela acabou presa porque tinha uma arma não registrada no casaco que Otto lhe deu durante a viagem e um policial flagrou. Tudo bem, mas como Brisa conseguiu dar um nome falso para o delegado e parar em um presídio sem ninguém descobrir? A mocinha teve medo da polícia ver a notícia falsa sobre ser uma sequestradora e isso é plausível. Mas como a polícia não soube da notícia que viralizou? A fake news só se espalhou no Maranhão? No Rio de Janeiro não? E se acabou proliferada no Maranhão, como Núbia (Drica Moraes) não soube? A sogra acha até hoje que ela fugiu com um amante.
E como Brisa não tentou entrar em contato com o filho assim que foi libertada com a ajuda de Otto? Otto ofereceu dinheiro, mas ela não quis porque acha que o sujeito é traficante. Mas ela tem rede social. Foi mostrado. Como não a utilizou para tentar ao menos algum contato? Começou a trabalhar em um bar em Vila Isabel para arrumar dinheiro e assim voltar para o Maranhão. E enquanto isso fica sem se preocupar com a criança? E nem com Ari? Não tem sentido. Nesta semana, a mocinha resolveu viajar para ir atrás de seu filho porque ganhou uma recompensa por ter devolvido uma carteira achada na rua. Mas ela está sem documentos. Como conseguiu viajar?
Fake news
Outro ponto importante é a forma como as fake news vêm sendo abordadas. O único responsável por elas é um adolescente problemático. Rudá (Guilherme Cabral) resolveu fazer a montagem com o rosto da Brisa de uma forma totalmente gratuita. E recentemente fez outra para prejudicar Moretti (Rodrigo Lombardi) com um vídeo modificado dando a impressão que ele odeia cachorros. Aliás, a cena ficou constrangedora de tão artificial. Todo mundo sabe que a questão das fake news se trata de uma indústria poderosa, onde há método, objetivo e uma fortuna envolvida para destruir reputações e criar narrativas.
Não se trata de uma brincadeira boba de criança. É até irresponsável a forma como um assunto tão sério vem sendo tratado. O que Brisa fará quando descobrir que foi vítima de um adolescente infeliz? Vai se vingar dele? Vai deixar para lá? Esse tipo de dúvida reforça a o quanto a intenção da autora parece confusa. É difícil entender que história está sendo contada. Qual é o mote central do roteiro? O que move o enredo? Não dá para identificar.
A dúvida sobre a intenção da narrativa envolve até outros núcleos como, por exemplo, o de Guida e Leonor. Alessandra Negrini e Vanessa Giácomo estão muito bem, mas não houve uma preocupação de Gloria em apresentar para o público a trajetória dessas irmãs. Logo na primeira semana foi jogado que Guida nunca aprovou o romance de Leonor com Moretti, mas com o passar dos anos se envolveu com ele e se casou. Leonor só descobriu no dia do casório e tacou fogo no vestido de noiva da irmã.
A cena foi ótima, mas era para ter sido exibida lá pela metade da novela, depois de toda a construção da relação dessas personagens. Não deu tempo para o telespectador sentir raiva pela traição e empatia por Leonor. E o que foi Moretti rindo feito um psicopata diante do constrangimento da situação? Não deu para entender nada daquilo tudo. E agora as duas estão em uma espécie de disputa infantil pela atenção do empresário. E novamente a pergunta se torna necessária: qual o objetivo do enredo? O ápice, que foi o fogo no vestido, já foi exibido. Então o que sobra agora para o trio?
Mais equívocos
A temática em torno do metaverso também soa deslocada da narrativa. São discussões que nada acrescentam ao folhetim e fica difícil ter algum interesse em cima do entusiasmo de Talita (Dandara Mariana) e Guerra (Humberto Martins) com o projeto de um shopping em uma realidade alternativa. Tanto que o contexto acaba deixando a antipática Cidália (Cássia Kiss) como uma representante de quem está assistindo ao núcleo. Para culminar, a novela trata de tecnologia, mas a protagonista não utiliza de rede social ou qualquer outro meio de modernidade para uma simples comunicação? Um pouco contraditório.
Travessia ainda está em seu início e a produção terá por volta de 191 capítulos. Uma novela bem longa. Gloria Perez tem experiência e pode reverter a situação nos próximos meses. Vale lembrar que a autora passou pela mesma situação com Salve Jorge, em 2013, que substituiu o fenômeno Avenida Brasil e acabou massacrada por público e crítica. Na época, não conseguiu mudar o fiasco que a trama foi, mas soube fazer algumas alterações que estancaram a queda de audiência.
Resta aguardar e torcer para que a produção, dirigida por Mauro Mendonça Filho (que também vem deixando a desejar), não se perca por completo.