Numa decisão bastante louvável, a Globo resolveu disponibilizar ao público os poucos capítulos que restaram de novelas dos anos 1970 e 1980 – algumas delas clássicas. Trata-se do projeto Fragmentos, do Globoplay, que vai trazer de volta 28 tramas para que o público possa ter, pelo menos, um gostinho de quero mais.

Françoise Forton em Estúpido Cupido
Françoise Forton em Estúpido Cupido

Nesta segunda (22), entraram na plataforma cenas de O Rebu (1974), Estúpido Cupido (1976), Chega Mais (1980) e Coração Alado (1980). Nos próximos meses, outras produções passarão pelo mesmo processo, e aí se espera o resgate de muitas outras novelas que sumiram para sempre.

O Rebu tem apenas dois capítulos – o primeiro e o último; Estúpido Cupido conta com seis, incluindo os dois primeiros, gravados em preto e branco, e os dois últimos, gravados a cores (1, 2, 80, 81, 159 e 160); a esquecida Chega Mais também tem seis (1, 2, 79, 80, 157 e 158), e Coração Alado, envolta numa polêmica cena de masturbação da personagem Catucha, vivida por Débora Duarte, igualmente contou com seis episódios disponibilizados (1, 2, 92, 93, 184 e 185).

Nota-se aí, inclusive, um padrão: para algumas tramas, a Globo guardava apenas os dois primeiros, dois do meio e os dois últimos capítulos.

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Críticas nas redes sociais

Bete Mendes e Buza Ferraz em O Rebu
Bete Mendes e Buza Ferraz em O Rebu

Ao mesmo tempo em que muitos celebraram a decisão da emissora, outros tantos fizeram críticas nas redes sociais. Mas antes de acusar a Globo de descaso, é preciso entender as questionáveis condições da época.

Algumas novelas dos primeiros anos da Globo até foram reprisadas em seguida, mas não sobreviveram aos dois graves incêndios ocorridos na década de 1970 – muitos deles, criminosos. Programas e jornalísticos também sofreram com isso.

O fato mais comum para a perda de novelas é a simples reutilização das fitas onde elas eram gravadas, por mais absurdo que isso possa parecer.

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“Brincadeira” cara

 

O videotape foi utilizado nos EUA, pela primeira vez, em 1951 – mesmo assim, muitos programas ainda continuaram sendo gravados usando uma técnica rudimentar, chamada cinescópio, onde, basicamente, se filmava o que estava passando na tela da televisão. Somente na metade dessa década é que deslanchou.

Por aqui, demorou mais ainda. O primeiro programa a utilizar o videotape teria sido o Chico Anysio Show, da TV Rio, em 1960, o que possibilitou que o humorista contracenasse consigo mesmo e outras possibilidades de cenas que caíram no gosto do público.

Mas essa “brincadeira” custava caro. A Globo, por exemplo, ainda não nadava em dinheiro nos primeiros anos dos anos 1970 (vide a história de que Silvio Santos emprestava dinheiro para que Roberto Marinho fechasse as contas do mês). Outros canais, como Tupi e Record, enfrentavam o mesmo problema.

Então, comprar e armazenar centenas de fitas de videotape importadas e caríssimas não era viável, infelizmente.

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Que tal apenas curtir?

Cassino do Chacrinha
Abelardo Barbosa à frente do Cassino do Chacrinha (Divulgação / Globo)

Nesse processo, nem se pode usar como desculpa que novelas que não obtiveram grande sucesso foram descartadas, visto que Estúpido Cupido fez muito sucesso.

Podia-se fazer um compacto, podia-se dar um jeito de conseguir mais fitas, podia-se pensar em mil alternativas. Mas o mais fácil era, simplesmente, passar por cima quando se fazia uma nova novela. O mesmo acontecia com programas, como o Cassino do Chacrinha (1982-1988), que tem poucas edições preservadas.

Uma novela malsucedida, então, ia para o ralo sem dó, como a famigerada O Amor é Nosso (1981), um dos maiores desastres da história da emissora, da qual restam apenas chamadas.

Felizmente, essa cultura começou a mudar no final dos anos 1970 – mesmo assim, a Globo ainda perdeu algumas novelas. Podemos afirmar, seguramente, que somente na metade dos anos 1980 que a emissora percebeu (ou tinha recursos suficientes) para guardar tudo que fizesse.

Dessa forma, é melhor pensar duas vezes antes de criticar as novelas trazidas de volta no projeto Fragmentos, do Globoplay. Ao invés disso, celebre que é possível curtir o pouco que está disponível.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor