Não entendeu o título? Vou explicar. Estreia da autora Cláudia Souto, Pega Pega, a atual novela das sete, conseguiu conquistar a melhor audiência do horário desde o fenômeno Cheias de Charme (2012). Ou seja, “pegou”. Porém, a despeito dos ótimos números, a trama teve baixíssima repercussão e seu enredo raso não conseguiu sustentar tantos meses. Por isso, também “não pegou”. E não faltam motivos para isto.

Seu mote central trouxe a história de um roubo milionário a um hotel de luxo em estado de falência, cometido por quatro ex-funcionários, ladrões de primeira viagem. O concierge Vitor “Malagueta” (Marcelo Serrado) convenceu os amigos Sandra Helena (Nanda Costa), camareira; Agnaldo (João Baldasserini), recepcionista; e Júlio (Thiago Martins), garçom; a furtarem 40 milhões de dólares pagos pelo novo dono do hotel, o empresário Eric Ribeiro (Mateus Solano) ao playboy Pedrinho Guimarães (Marcos Caruso).

Em meio ao roubo, Eric se apaixona por Luiza (Camila Queiroz), neta de Pedrinho, que pretendia administrar o hotel e fazê-lo voltar aos bons tempos. Enquanto isso, Júlio se encantou por Antônia (Vanessa Giácomo), inspetora da Polícia Federal encarregada de investigar o caso. Movido pelo que sentia pela policial, Júlio se arrependeu do crime e se dispôs a devolver sua parte, para desespero dos outros.

Havia dúvidas se esse mote conseguiria se sustentar por tanto tempo. Não conseguiu. A investigação dos quatro ladrões se arrastou e perdeu força ao longo da trajetória. Para piorar, Júlio agia como se fosse um paladino da moral e da justiça, evidenciando sua hipocrisia, como se o fato de ter se arrependido atenuasse o crime que cometeu.

O desenvolvimento dos perfis dos mocinhos foi outra grave falha. Pedantes e igualmente hipócritas, Eric e Luiza formaram o casal mais insosso da teledramaturgia ao longo do ano de 2017. Se apaixonaram rápido demais, sem que ao menos uma história fosse construída, permitindo um maior envolvimento com o púbico.

O treinamento realizado pelos dois atores para trabalhar a química também não surtiu efeito: a sintonia entre Mateus Solano e Camila Queiroz simplesmente inexistiu, o que fez o par naufragar. E os dois intérpretes, desta vez, não viveram um momento muito inspirado na composição de seus perfis – o que é uma pena, já que são bons atores e mostraram isso em outras produções. Outro triângulo que cansou foi o enrosco amoroso entre Júlio, Antônia e Domênico (Marcos Veras), colega de Antônia, que não foi com a cara do ex-garçom logo de início.

As tramas paralelas foram ainda mais cansativas que a principal. O drama de Bebeth, filha de Eric e sua ex-mulher Mirella, também não foi desenvolvido de forma convincente, fazendo a garota parecer uma rebelde sem causa. O canguru imaginário com quem a garota conversava foi outra saída falha, sendo retirado logo em seguida.

A história de Sabine (Irene Ravache), sócia de Eric, com a família de seu filho Dom (David Jr.) rendeu bons momentos pontuais, mas foi outro núcleo que perdeu o fôlego. Irene Ravache e Milton Gonçalves (que viveu Cristóvão, pai de Dom), emocionaram sempre que contracenaram juntos. Pena que isso aconteceu poucas vezes.

Outro núcleo que não rendeu o que devia e ficou totalmente avulso foi o de Márcio (Jaffar Bambirra), jovem apaixonado por Bebeth, cuja família integra um grupo de teatro de bonecos – do qual saiu o canguru com quem a filha de Eric falava. A história parecia totalmente deslocada do núcleo principal e Dani Barros e Danton Mello tiveram seu talento desperdiçado.

Apesar disso, a novela teve qualidades. E duas delas são relacionadas a casais: os pares Sandra Helena/Agnaldo e Malagueta/Maria Pia. Os pares formados, respectivamente, por Nanda Costa e João Baldasserini e por Marcelo Serrado e Mariana Santos, ofuscaram Eric e Luiza e caíram no gosto do público fiel da história de Cláudia Souto.

Aliás, Nanda Costa virou o jogo totalmente. Após as fortes críticas por seu desempenho em Salve Jorge e uma sequência de papeis apagados, ela brilhou absoluta como Sandra Helena, a deslumbrada, ambiciosa e maluquinha ex-camareira. Com ares de periguete, a nova-rica foi abrilhantada por uma composição que dosou humor, sensualidade e carisma. E sua química com João Baldasserini saltou aos olhos, mesmo com o par perdendo força ao longo do tempo – e prejudicado por um envolvimento desnecessário com Eric.

Já Malagueta e Maria Pia ganharam destaque mais recentemente, com a caçada ao mentor do roubo. A ex-assessora de Eric, que era apaixonada pelo empresário, ganhou contornos mais humanos ao lado do ex-concierge e fez questão de declarar seu amor por Vitor quando ele foi finalmente preso, na reta final da história. A acertada parceria entre Marcelo Serrado e Mariana Santos tornou o par ainda melhor – ressaltando também o talento dramático de Mariana após suas divertidas participações no Zorra e no Amor e Sexo.

Apesar do grande número de talentos desperdiçados, vários deles conseguiram defender com dignidade seus personagens. São os casos de Cristina Pereira, Nicette Bruno, Reginaldo Faria, Rodrigo Fagundes, Guilherme Weber, Ângela Vieira, Bruna Spínola, Júlia Lund, Elizabeth Savalla (vivendo um tipo diferente das personagens cômicas de Walcyr Carrasco), Milton Gonçalves, Irene Ravache e Vanessa Giácomo (cujo último grande papel foi a perversa Aline de “Amor à Vida”).

Em compensação, Thiago Martins mostrou um desempenho inexpressivo, sempre no mesmo tom de personagem arrependido. Rômulo Neto (Lourenço, ex-namorado de Luzia) foi outro destaque negativo, até mais que Martins. Marcos Caruso, grande ator, em muitos momentos repetiu o tom de Feliciano, seu personagem em A Regra do Jogo, também um playboy falido.

Com tantos defeitos e poucas qualidades, seria natural que Pega Pega fosse um fracasso. No entanto, a novela conseguiu elevar a audiência do horário a uma média geral em torno de 29 pontos, a melhor desde Cheias de Charme. E o mais incrível: sem ter 10% da repercussão da trama das empreguetes ou de outras do horário que foram bem mais elogiadas, como Sangue Bom (2013), Totalmente Demais (2015-16) e Rock Story (2016-17).

Dois fatores ajudam a explicar este sucesso. O primeiro, o próprio universo da novela. Despretensiosa, a trama nunca quis “reinventar a roda”, como fizeram Geração Brasil (2014) e Além do Horizonte (2013), os dois maiores fracassos das sete. Com elementos típicos da faixa, como a comédia fácil e romances, esta aposta deu certo e atendeu a um público que curte estes elementos.

O outro é o bom momento de audiência da Globo. Com sucessos em todos os horários, além da falta de concorrência (agravada pela saída de Record, SBT e RedeTV das TVs a cabo), a novela se beneficiou com o quadro geral, em termos numéricos.

Ainda assim, Pega Pega não foi uma trama memorável. Se não foi um desastre completo, esteve bem longe de ser uma boa história. O enredo de Cláudia Souto não se sustentou, a barriga esteve presente em vários momentos, os núcleos paralelos não conseguiram atrair a atenção e o casal principal não empolgou. Por isso, não mereceu o imenso sucesso que fez – e a falta de repercussão, em contraponto a isso, foi um bom retrato do que foi a trama, que não deixará saudades. Daí, a razão do título deste artigo: “pegou” porque fez sucesso de audiência, mas “não pegou” porque não caiu na boca do povo. Que venha Deus Salve o Rei!


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