Zamenza

Lícia Manzo é uma autora detalhista. Seus personagens costumam ter várias características que os tornam humanos e nada maniqueístas. Mesmo um perfil que aparenta ser um vilão analisando superficialmente suas atitudes, na verdade não é. Um dos maiores exemplos é a Bárbara, de Um Lugar ao Sol, interpretada com brilhantismo por Alinne Moraes.

Bárbara é uma típica patricinha da elite carioca. Mimada e vivendo em uma bolha, a personagem não sabe nada da realidade da vida. As únicas pessoas com quem se importa são Renato (Cauã Reymond), o marido por quem nutre uma assustadora dependência emocional, e Nicole (Ana Baird), a irmã que sempre cuidou dela.

Outra pessoa que recebe seu carinho é a sogra, Elenice (Ana Beatriz Nogueira), por se tratar da idealização de uma mãe que ela nunca teve. Isso porque sua mãe sofria de bipolaridade e faleceu por conta da doença – ainda não ficou claro, mas tudo indica que se tratou de suicídio.

Embora seja arrogante e se ache acima dos outros, a personagem já sofreu muito em sua vida. Problemas de uma branca, jovem, rica e cis? Ok, mas ainda assim questões bem sérias. Os surtos constantes sofridos pela mãe deixaram um trauma em Bárbara e Nicole. Apenas um flashback até o momento retratou a vida das irmãs na adolescência, mas foi o suficiente para observar como nasceu a cumplicidade delas e seus respectivos traumas.

José de Abreu

Vale ainda mencionar a paternidade de Santiago (José de Abreu), que sempre foi um sujeito omisso e focado apenas no trabalho. Na atual fase da trama, o patriarca é um homem íntegro e bondoso. Mas o passado de pai ausente sempre é mencionado pelas filhas, incluindo sua predileção pela herdeira mais velha, Rebeca (Andréa Beltrão), fruto de seu primeiro casamento com outra mulher.

Bárbara nunca teve um suporte emocional. A ponto de colocar sua vida nas mãos de um homem, como se o resto de seus dias dependesse daquela relação. Seu relacionamento com Renato era nocivo e repleto de traições e inconsequências da parte dele, a ponto de matar um homem e colocar a culpa em um inocente, mas a filha de Santiago sempre perdoava e ia atrás.

Com Christian, ainda que pense ser Renato, não é muito diferente, mesmo que o protagonista goste de esbanjar uma ética e uma moral que não teve ao tomar o lugar do irmão. Isso porque o gêmeo nunca esqueceu Lara (Andréia Horta) e não conseguiu se entregar, de fato, ao casamento. E quando Bárbara percebe a indiferença é rotineiro ouvir de seu companheiro que se trata apenas de uma impressão errada. Mas não é.

E ainda é preciso citar o momento mais traumático da relação: quando a personagem perdeu o filho no parto, após quase nove meses de gestação. O choque foi tanto que tentou se matar dias depois.

Um Lugar ao Sol

Recentemente, Bárbara tentou suicídio pela segunda vez quando se jogou no carro dirigido por Júlia (Denise Fraga), bêbada. Mas o público descobriu que foi a terceira tentativa de suicídio. Isso porque Nicole confessou ao pai que a irmã já tinha tentado quando as duas eram mais jovens.

Após mais um momento traumático, a personagem acabou aceitando a imposição de fazer terapia. No entanto, virou rotineiro Bárbara destratar Ana Virgínia (Regina Braga) durante as consultas. Ela não consegue ouvir. Já a cena em que Bárbara se humilhou para Lara com o intuito de não perder seu marido provocou pena.

Ou seja, Lícia Manzo faz questão de explicar cada atitude de Bárbara através da bagagem dramática do papel. Todo o contexto não justifica suas ações, pois muitas são injustificáveis, mas explica. E não há nada melhor para um folhetim do que um perfil denso, que consegue despertar no público ódio, desprezo, pena e empatia.

Um Lugar ao Sol

A irmã de Nicole é uma avalanche de emoções e a principal responsável pela movimentação do roteiro porque costuma guardar todas as informações que consegue para usá-las na hora das discussões com o intuito de ferir o outro e deixar uma mágoa tão grande quanto a que deixam nela.

Bárbara não admite perder uma briga. Quer sempre ter a última palavra. Nem que para isso seja necessário contar algum segredo ou remexer em alguma ferida não cicatrizada. Os momentos que mais evidenciam seu lado destrutivo são as discussões entre as três irmãs. O trio acaba ferido e abalado todas as vezes que se desentende.

Um Lugar ao Sol

E Alinne Moraes está entregue ao papel desde a primeira cena. A atriz costuma se destacar em todo trabalho e engrandece qualquer produção que conta com seu talento.

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Ainda mais em tipos com intensa carga dramática. Virou quase uma especialista em interpretá-los. Não é diferente agora. Dá gosto vê-la e a novela perde quando o capítulo tem menos cenas da personagem.

É um privilégio o público poder assistir uma profissional como Alinne em pleno horário nobre pronunciando o texto bem escrito de Lícia Manzo.

Uma parceria que funcionou muito. Que seja a primeira de várias. Bárbara é o perfil mais atrativo e complexo de Um Lugar ao Sol.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor