Parte final evidenciou erros que sempre estiveram presentes em Amor de Mãe

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A primeira novela de Manuela Dias estreou logo no horário nobre. Uma responsabilidade e tanto. Normalmente, todos os escritores da emissora estreiam na faixa das seis ou sete e somente depois migram para a cobiçada faixa das 21h. Mas os ótimos trabalhos da autora nas minisséries Ligações Perigosas e Justiça (ambas em 2016) a credenciaram ao posto. No entanto, não teve sorte. A produção estreou em 25 de novembro de 2019 repleta de louvores da crítica especializada, mas parte do público não comprou a história, que apresentava problemas em vários núcleos. E quando o enredo central parecia engrenar, houve a interrupção das gravações em 21 de março de 2020 por conta da pandemia do novo coronavírus.

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Voltou ao ar praticamente um ano depois, no dia 15 de março de 2021, com apenas 23 capítulos restantes. A produção já estava entrando na reta final, mas mesmo assim sofreu um corte. Porém, não parece ter afetado o roteiro, pois a verdade é que muitas tramas já estavam sem rumo antes da interrupção das gravações. O grande interesse ficou em torno do enredo de Lurdes (Regina Casé) à procura do filho Domênico (Chay Suede). E sempre foi a única parte do folhetim que caiu nas graças do público. O maior clichê dramatúrgico raramente falha.

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Já os demais conflitos, que já estavam se perdendo, tiveram desfechos decepcionantes. A constante troca de casais era um dos problemas do roteiro e seguiu assim até o final. Nunca houve uma construção sólida que despertasse alguma torcida do público. O menos pior foi o par formado por Camila (Jéssica Ellen) e Danilo/Domênico.

Mas ainda assim a relação se esgotou em virtude da quantidade de desgraças que Camila encarou – foi abandonada pela mãe biológica e quando a encontrou mal teve tempo de iniciar uma aproximação porque a mulher acabou assassinada por Thelma; levou um tiro na escola em que lecionava; não podia ter filhos e por isso precisou de uma barriga de aluguel da sogra; foi atropelada em uma tentativa de assassinato; precisou levar o filho recém-nascido para uma cirurgia e no penúltimo capítulo viu seu filho ser sequestrado pela avó. Difícil.

Já Nanda Costa e Vladimir Brichta foram os atores que mais ‘sofreram’ com a saída fácil da autora da troca de casais. Érica chegou a ficar noiva de Raul (Murilo Benício). Depois, acabou se apaixonando por Sandro (Humberto Carrão) e na segunda parte da trama se encantou por Davi, vivido por Brichta. Já o ativista ambiental se envolveu com Amanda (Camila Márdila), Vitória (Taís Araújo) – com quem teve uma filha – e Betina (Isis Valverde). Na fase final, se apaixonou subitamente por Érica. E a relação se mostrou tão rasa quanto as outras. Foi até complicado de entender a necessidade de explorar essa narrativa. O beijo dos personagens no acrílico da mesa do bar que os separava foi constrangedor. Se tivessem se beijado mesmo, o risco de infecção seria menor.

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Não havia necessidade de abordar a pandemia

Aliás, outro grave erro da autora: abordar a pandemia do novo coronavírus na trama. Não havia a necessidade restando apenas 23 capítulos para o encerramento e o resultado foi catastrófico. O principal equívoco foi exibir personagens falando que não precisavam usar máscara porque já tinham contraído a doença. Manuela se justificou nas redes sociais alegando que as gravações foram feitas no final de 2020 e ainda não era sabido que a reinfecção ocorria. Porém, nunca foi confirmado que o risco não existia. Em nenhum jornal, por nenhum médico ou pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Nem ano passado. Ou seja, foi uma falha inaceitável. Após uma avalanche de críticas, a Globo passou a exibir no final de cada capítulo um aviso sobre o risco da reinfecção. E a pandemia não acrescentou nada ao roteiro, só prejudicou. Além das falas questionáveis, a trama da Betina ficou ainda mais perdida. A enfermeira, antes da interrupção da trama, tinha descoberto que era irmã de Álvaro (Irandhir Santos), o grande vilão, e iria se vingar dele. O empresário até tentou assassinar a personagem para não dividir a fortuna. Mas tudo foi jogado fora para colocar Betina ajudando pacientes internados com covid-19 e quase morrendo por conta da doença.

Por sinal, a trama da enfermeira era uma das mais promissoras e virou a mais decepcionante antes mesmo da interrupção das gravações. A questão da violência doméstica promovia grandes cenas para Isis brilhar e a personagem era uma das mais dramáticas do enredo. Um sopro na carreira da atriz, tão estigmatizada por perfis mais sensuais ou debochados. Mas a autora assassinou Vicente (Rodrigo Garcia) logo no início e a personagem perdeu a importância. Começou a protagonizar cenas repetitivas de sexo com Magno (Juliano Cazarré) e o casal nunca teve química.

Entrou em cena, então, Leila (Arieta Correa), ex do filho mais velho de Lurdes que estava em coma e era cuidada pela enfermeira. A vilã se mudou para casa do pai de sua filha e fez da vida do casal um inferno até conseguir separá-los através de uma denúncia anônima – a personagem descobriu que Magno tinha matado acidentalmente o irmão de Betina. Novamente o perfil de Isis acabou deslocado até se envolver com Davi. Depois se envolveu com Sandro e se casaram na ‘segunda parte’ da novela. Tudo superficial demais.

Várias outras tramas não empolgaram e muitos personagens sem carisma não despertaram qualquer interesse. O núcleo focado no meio ambiente, por exemplo, foi um dos casos mais explícitos. Todos os ativistas foram mostrados como egoístas e mimados. Amanda (ótima Camila Márdila) tinha como mote a vingança contra o malvado Álvaro (Irandhir Santos) porque seu pai acabou infectado pela substância que a empresa do vilão produz, fruto da época em que trabalhava na PWA. Porém, a menina era insuportável, radical e não se importava com mais ninguém.

Vinicius (Antônio Benício) demorou a entrar no enredo e quando chegou já se voltou contra o pai, Raul (Murilo Benício), e estabeleceu um caso com a colega ativista. Mimado, o garoto achou um absurdo o pai compactuar com Álvaro, mas sempre aproveitou muito bem as regalias que teve. Para culminar, acabou assassinado poucas semanas depois. Nem função teve. E Amanda também morreu sem ter realizado vingança alguma. Já Davi era para ser um ativista mais centrado e responsável, mas abandonou a filha recém-nascida para se intoxicar em uma área poluída pela PWA com o intuito de denunciar a fábrica. Na retomada da novela, vale lembrar, a sua filha com Vitória nem foi mencionada.

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Vários personagens tiveram seus conflitos esquecidos

E todo folhetim abusa das coincidências que resultam em clichês. Inevitável e comum. A autora soube fazer isso com brilhantismo na série Justiça, de 2015. Mas ligar uns 10 personagens em uma série de 20 capítulos é uma coisa, ligar mais de 40 perfis em uma novela é outra. No início, as ligações empolgavam e provocavam várias teorias em quem assistia. Mas depois virou uma bobagem. Todo mundo tinha alguma ligação afetiva ou sanguínea e todos viviam próximos. Se ao menos essa preocupação da escritora servisse para valorizar todo o elenco ainda valia uma ressalva, mas nem foi o caso. Foram vários profissionais que mal apareceram ou tiveram seus conflitos esquecidos. Érika Januza ganhou um papel ingrato, após seu ótimo desempenho como a juíza Raquel em O Outro Lado do Paraíso (2017). Marina foi uma tenista que teve um sério problema no joelho, abandonou a carreira para ficar com o amor de sua vida e acabou traída assim que Ryan (Thiago Martins) conquistou a fama. O casal se separou, mas a personagem o perdoou na volta de Amor de Mãe e ficaram juntos. Um enredo sobre ‘cancelamento’ nas redes sociais foi criado para o casal. Frustrante. Por falar em frustração, Letícia Lima protagonizava as mesmas cenas desde a estreia: Estela era uma neurótica que se apossava de todo homem com quem se envolvia e transformava a vida da pessoa em um inferno. Fez com Raul e depois com Álvaro. Não teve nem chance na retomada da produção: foi assassinada por Belizário (Tuca Andrada). Um claro descarte de personagem.

E o que dizer de Clara Galinari, uma das gratas revelações de Espelho da Vida (2019)? Brenda mal abria a boca. A menina foi apresentada inicialmente com uma saúde frágil, mas ao longo dos meses nada mais foi falado e a criança praticamente desapareceu. O núcleo protagonizado por Milhem Cortaz e Débora Lamm foi outro desperdício. O casal perfeito que entra em crise e se separa nunca rendeu cenas atrativas e quando o tema vale-night entrou em discussão tudo naufragou de vez. Malu Galli é uma atriz extraordinária e deu show no início da novela e nas cenas da morte do filho Vinícius; porém, Lídia perdeu a relevância quando começou um caso com Tales (Alejandro Claveaux) e depois com Magno – já na volta das gravações. Ainda sobre o desperdício de atores, vários acabam descartados, vide Dan Ferreira (Wesley). O raro policial honesto da novela estava crescendo com a investigação sobre o verdadeiro assassino do irmão de Betina, mas acabou morto por Belizário. E nem tinha descoberto nada. Sua morte também não provocou virada alguma no roteiro.

A derrocada da poderosa advogada foi outro ponto de difícil aceitação. A controvérsia envolvendo a caminhada de Vitória sempre atraiu. Afinal, era uma mulher íntegra que ganhava a vida defendendo um criminoso. O seu rompimento com Álvaro foi um esperado momento, mas não fez sentido ficar pobre por conta da milionária multa contratual. O único bem que a mulher adquiriu em toda a carreira foi um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro? E precisou se mudar para São Cristóvão e andar de ônibus? Parece que vida simples e humildade eram requisitos vitais para ser íntegro na história, pois Raul teve seus momentos nada louváveis – vide a demissão da empregada para acabar com a amizade de sua então namorada Érica.

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Propaganda enganosa

Mais um ponto que merece citação foi a propaganda enganosa. Autora e diretor deram várias entrevistas antes da estreia garantindo que a novela não teria vilões. A vida seria a vilã. Porém, isso nunca existiu. Álvaro sempre se mostrou um tipo maniqueísta e nada sutil: empresário corrupto, poluía o meio ambiente, tinha amantes, era aliado de um miliciano e matava inimigos. Ainda usava um estiloso cachimbo. Só faltava um corvo no ombro. Nada contra maniqueísmo, sempre bom lembrar. Mas havia vilão, sim. E Irandhir Santos esteve impecável no papel. Que ator extraordinário. Além do poderoso dono da PWA, havia o sanguinário Belizário e a mau-caráter Leila. Vale até mencionar os que foram mortos logo no começo, como o irmão chantagista de Thelma, vivido por Júlio Andrade, e o já mencionado Vicente. O que não faltou foi malvado.

A impressão é que a novela contou várias histórias que perderam o fôlego no meio do caminho – alguém ainda se interessava pelo aneurisma que nunca estourava de Thelma (Adriana Esteves)? – e teve como único trunfo a trajetória de Lurdes. Porque a mais carismática e querida personagem da trama foi a única que teve uma saga exposta. Tanto que foi o enredo que a autora quis enrolar na retomada. Assim que Lurdes descobriu o paradeiro de Domênico, acabou sequestrada por Thelma. Tudo para deixar o aguardado encontro de mãe e filho somente para o final. Aliás, a transformação de Thelma foi difícil de engolir. A personagem sempre teve um claro desequilíbrio emocional, mas virar uma assassina fria e calculista foi uma apelação da autora. A forma como matou sua melhor amiga, Jane (Isabel Teixeira), foi risível e ainda retirou uma grande atriz da trama. Tirar a personagem para deixá-la como foto para Thelma conversar? Ao menos Adriana Esteves brilhou.

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Trama nunca se sustentaria sem Lurdes

O sequestro de Lurdes teve a função de postergar o encontro de mãe e filho ao máximo. E o melhor perfil da novela chegou a ficar sumido por dois capítulos. O desaparecimento apenas expôs que a história nunca se sustentou sem ela. Lurdes ainda era o alívio cômico do folhetim. Sem a matriarca tudo ficou ainda mais sombrio e pesado. Mas é importante ressaltar que a obrigatoriedade de núcleo cômico é algo ridículo. Uma produção não é boa ou ruim pela presença ou ausência de comicidade. Os problemas de Amor de Mãe passaram longe disso. A quantidade de desgraças da retomada provocou uma avalanche de críticas merecidas. No entanto, se todas as cenas violentas ou fortes tivessem um contexto valeria a pena. O telespectador se envolveria. O fato é que todos os acontecimentos criados pela autora se mostraram rasos e gratuitos. Vale citar até algumas cenas constrangedoras: Davi saindo do carro, pedindo calma para Belizário, e sendo baleado pelo miliciano; Vitória deixando o agressor de sua empregada doméstica entrar em seu carro e depois ameaçá-lo com uma faquinha de cortar pão; e Thelma levando Lurdes até uma casa completamente isolada sem Lurdes perceber nada de anormal.

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A única cena realmente boa da parte final foi o aguardado encontro de Lurdes e Domênico. Regina Casé e Chay Suede se entregaram no momento mais emocionante do único drama que funcionou no enredo. Deixando todo o contexto sem sentido de lado (a fuga do cativeiro, por exemplo), foi lindo aquele instante de felicidade da mãe achando o filho que tanto procurou. Ao som de Onde Estará o Meu Amor, de Maria Bethânia. Todavia, as demais sequências deixaram a desejar, fazendo jus ao conjunto equivocado do folhetim. O drama de Vitória inserido no penúltimo capítulo – a mãe biológica que surgiu do nada para recuperar a criança que a advogada adotou – foi raso, além de causar a falsa sensação de que todo menino ou menina adotada pode ser reivindicado pela família a qualquer momento. Penha (Clarisse Pinheiro) e Leila (Ariêta Correa) formaram um casal inusitado na reta final e tiveram boas cenas. Mas a fuga das bandidas com perucas chamativas soou ridículo. A morte de Álvaro, atingido por um tiro disparado por Raul em uma briga, repetiu o que a autora já tinha usado na briga de Lurdes e Thelma no cativeiro e não teve emoção alguma.

Já uma cena merecedora de elogios do último capítulo foi a despedida de Thelma e Danilo. Embora curto, o momento foi emocionante e defendido com brilhantismo por Adriana Esteves e Chay Suede. O desfecho de Penha e Leila, administrando um bar ‘sertanejo’, foi criativo. O final feliz de Lurdes com sua família reunida, encerrando a trama, fechou o ciclo de forma bonita. Uma pena que o restante dos momentos tenha sido tão descartável e sonolento. Embora Enrique Diaz seja ótimo, houve um destaque desnecessário ao enredo do unicórnio. O drama de Vitória nem teve condições de ser desenvolvido de fato, enquanto a participação de Eliane Giardini não teve função alguma. Uma pena.

Amor de Mãe nunca foi o novelão revolucionário que grande parte da crítica especializada tentou mostrar. E a pandemia não pode ser a culpada pela quantidade de equívocos vistos na retomada da produção. O desfecho da história de Manuela Dias apenas desnudou todos os problemas que o enredo sempre teve e eram colocados para debaixo do tapete por vários jornalistas. A Globo sabia do risco quando resolveu colocar uma escritora que nunca tinha criado uma novela sozinha para estrear no horário nobre. Todos os autores do canal estreiam na faixa das seis, das sete ou em Malhação. Manu quebrou essa regra e o resultado não foi bom. Segundo a própria, seu próximo trabalho será Justiça 2 – uma minissérie com o mesmo formato da bem-sucedida Justiça. Que tenha mais êxito no novo desafio.

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