Nilson Xavier

Semana #4

Bruno Luperi, que reescreve Pantanal, parece ter encontrado um meio-termo ideal entre a novela de 1990 (originalmente escrita por seu avô, Benedito Ruy Barbosa) e o padrão narrativo atual. Tanto no ritmo, quanto no texto.

O freio

Julia Dalavia

Pantanal não é corrida, apressada, “perdeu um capítulo, perdeu o fim da meada, não entende mais a história” – como as últimas produções, Um Lugar ao Sol e Amor de Mãe.

Não que uma trama dinâmica não seja um fator positivo, muito pelo contrário!

A atual produção afasta-se das anteriores neste quesito e, ainda assim, mantem um bom ritmo. Inclusive encontra espaço para apreciação de algumas modas de viola e a exuberância da natureza pantaneira sem que o público perca o interesse pela história.

Mesmo com essa freada na ação, a Pantanal atual difere da novela da TV Manchete, em que longas tomadas com a música instrumental de Marcus Viana causavam outra sensação – ótima para aquela época, como comprovou a audiência de então, mas um temor para os dias atuais.

Excelente quando uma novela é bastante dinâmica. Só que o que cativa e segura o público é a história. Pantanal não é “devagar” como a produção de 32 anos atrás, mas dá um bom respiro para o público atual.

A lacração

Engana-se quem acha que a Globo “meteu lacração na novela” (odeio esse termo, mas sou obrigado a usar aqui). Todas as discussões de interesse social levantadas, por meio de personagens como Guta (Julia Dalavia) e Jove (Jesuíta Barbosa), já estavam na novela da Manchete. A diferença está na atualização da abordagem.

Como não poderia ser diferente, uma trama ambientada no universo rural vem carregada de machismo e uma série de preconceitos que – teoricamente – são assimilados, compreendidos e disseminados no espectro urbano. Cabe ao autor, ao longo dos capítulos, apresentar e propor discussões sobre essas questões.

O que não cai bem é a “palestrinha“, o teor excessivamente militante ou excessivamente didático do texto na boca dos personagens.

Guta traz ao núcleo de sua família a liberdade feminina que seu pai Tenório nega a ela e a Maria, sua mãe. Guta e a mãe formam um contraponto pelo qual o machismo de Tenório é escancarado.

É uma discussão bem-vinda, já vista em 1990, mas, agora, com as palavras e a abordagem condizentes com nosso tempo.

Enquanto a Guta de Luciene Adami usava a palavra “sapatona” para ser referir às lésbicas, a Guta de Julia Dalavia vai direto ao ponto: lésbica – talvez para não ferir suscetibilidades no público de hoje ou para não despertar o tribunal da internet.

Ah, lembrando que em 1990 não existia o tribunal da Internet, outra diferença entre ontem e hoje que deve ser levada em consideração.

A única sequência que destoou foi Guta falar “LGBTQIA+” para a mãe, uma mulher que não sabia nem o significado da palavra “lésbica”, e ficar por isso mesmo.

Entende-se que a proposta é salientar a ignorância de Maria. Contudo, é improducente soltar uma sopa de letrinhas sem a explicação correta e completa do significado de cada letra – o que, aliás, tampouco caberia no contexto dessa cena. Guta só militou e não explicou nada.

Sobre o fato dos peões zombarem dos modos afeminados (aos olhos deles) de Jove, este é um tema que ainda tem muito para render ao longo da novela. Prefiro aguardar um pouco mais.

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Crítica ao agro

A crítica ao desmatamento de florestas para a agricultura, bem como ao uso de agrotóxicos, também está presente no texto, em falas de Zé Leôncio e Jove, como as vistas nessa semana.

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Fazem parte da narrativa da novela, mesmo porque foi uma das marcas da produção de 1990 e pelas quais ela é lembrada: a defesa do meio-ambiente e sua preservação.

Muito bonita a sequência em que Jove e Guta estão deitados, na prainha, e ocorre o seguinte diálogo, de forma natural, incluída no flerte dos personagens.

– Pena que esse lugar tá se acabando, né!
– Previsão meio catastrófica, não?
– Não! As pessoas são muito loucas, Guta. O pessoal tem uma floresta lá no planalto pra fazer pasto, plantar soja. Plantar soja? E fazer o Pantanal agonizar aqui. É tanta fuligem, tanto detrito cinza que desce dessas árvores.
– Eu sempre achei que eu fosse meio deprê, mas aí conheci você!
– Eu não sou tão deprê assim. Mas as pessoas vivem de mentirinha. Contam mentirinhas umas às outras pra sustentar todo um sistema capitalista, corrupto, ganancioso…
– Do que a gente tá falando exatamente?
– Não sei! Minha vida tá uma merda!

Jove deprê

A sequência acima dá o tom do personagem Jove, que, na pele de Jesuíta Barbosa (ótimo!), é mais introspectivo que o Jove vivido por Marcos Winter em 1990, que era um tanto mais brincalhão e debochado.

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Essa atualização no perfil do personagem diz muito também sobre o jovem de hoje, desesperançado, deprê mesmo, diferente do jovem de 1990, que ainda não havia se desencantado totalmente com o presidente recém-eleito (Collor) – diga-se de passagem, pelo qual foi às ruas em 1992 exigir o impeachment.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor