Em setembro, Cid Moreira completou 90 anos de idade e também 70 anos de carreira. O comunicador tem uma importância enorme na história do jornalismo brasileiro: por 26 anos foi o apresentador do principal telejornal do país, o Jornal Nacional.

Com sua voz inconfundível, narrou os truques de mágica desvendados por Mister M, no Fantástico, e gravou todos os versículos da Bíblia para uma coleção de CDs popularizada na década de 1990.

Para comemorar sua carreira, hoje citaremos algumas curiosidades de sua vida pessoal e profissional: o dono do “boa noite” mais famoso do Brasil adora jogar tênis, é vegetariano, tem mania por higiene bucal e coleciona sapos de plástico.

Vizinha ilustre

Cid Moreira nasceu em 1927, em Taubaté, cidade do interior de São Paulo e, quando criança, encantou-se pela magia do cinema. Um dos primeiros filmes que assistiu, aos sete anos de idade, foi O Garoto, de Charles Chaplin.

Na época, o cinema ainda era mudo e era comum que uma orquestra tocasse a trilha do filme ao vivo, o que trouxe ainda mais encantamento ao pequeno Cid.

Um violinista em particular chamava a atenção dele: era Fego Camargo, um músico que sempre estava acompanhado de sua filha. Anos mais tarde, o jornalista veio a descobrir que a filha de Fego era Hebe Camargo, outro ícone da história da televisão. Inclusive, eles já conversaram sobre essa incrível coincidência.

Da contabilidade para o rádio

Cid, com 16 anos, decidiu que gostaria de ser um bancário e partiu para o curso de contabilidade. Sua grande vontade era se preparar para um concurso público para trabalhar no Banco do Brasil.

Entretanto, durante uma festa de um vizinho, as coisas começaram a mudar em sua vida. O evento, que teria a presença de cantores e humoristas, deu espaço para que o futuro comunicador brincasse com o microfone e imitasse famosos locutores da época. Por coincidência, um dos convidados era um diretor da Rádio Difusora que, ao ouvir aquele garoto, o convidou para um teste na emissora.

Cid, ao chegar no local, espantou-se com o microfone em sua frente: o que imaginava ser uma entrevista para a área de contabilidade da estação, na realidade era um teste para locutor.

Nervoso, gaguejando e com o coração disparado, passou no teste e decidiu aceitar a proposta. Mesmo assim, Cid finalizou o seu curso de contabilidade

O início na televisão

Depois de uma brilhante carreira na rádio, fatalmente o comunicador foi parar na frente das câmeras. Seu irmão Célio, outro grande locutor, convenceu o diretor Fernando Barbosa Lima a contratar Cid para um novo programa: o Jornal de Vanguarda, na TV Tupi.

Esse telejornal revolucionou a televisão, trazendo nomes importantes como Ibrahim Sued, José Lewgoy, João Saldanha, entre outros. Cid era o responsável por apresentar as principais do dia e seu irmão, conhecido como “sombra”, lia as notícias do mundo político de forma misteriosa, apenas mostrando sua silhueta.

O programa saiu do ar graças ao Ato Institucional 5, imposto pela ditadura militar e trazendo a censura de forma fixa e agressiva.

Do Jornal Nacional para fama

Cid Moreira, ao lado de Hilton Gomes, apresentou o primeiro telejornal transmitido em rede nacional da história: o Jornal Nacional.

A Globo lançou o JN com o objetivo de bater o famoso Repórter Esso, da TV Tupi, sinônimo de jornalismo daquela época. A fama do noticioso da Tupi era tanta que Cid era reconhecido na rua como “repórter esso’.

O fato não o incomodava, pois isso mostrava que o público estava assistindo o JN. E a audiência crescia cada dia mais, fazendo com que o Repórter Esso saísse do ar e o Jornal Nacional se tornasse o principal jornal do país.

Esse sucesso trouxe fama para o âncora: ele se tornou um campeão de correspondências na Globo, sua vida pessoal foi exposta em revistas de fofocas e fãs afoitas fizeram parte de seu dia a dia, que até então era tranquilo.

O boa noite de Cid fazia parte do cotidiano das pessoas.

“Desiderata” e a magoa de Armando Nogueira

Antigamente, a Globo autorizava seus locutores a fazerem comerciais e, por muitos anos, Cid foi a voz oficial de marcas como Marlboro e outros produtos e empresas. Porém, no inicio da década de 1990, a emissora proibiu todos os envolvidos no jornalismo da casa de participarem de comerciais.

Em 1975, uma locução em especial irritou bastante Armando Nogueira, então diretor de jornalismo. Desiderata, poema escrito pelo americano Max Ehrmann, foi gravado por Cid em e exibido no Fantástico.

Para o dirigente, não pegava bem que o apresentador do JN gravasse esse tipo de poema. Boni, diretor geral da Globo, e Mauricio Shermann, diretor do Fantástico, apoiaram a ideia e deram carta branca para a gravação.

Armando, por sua vez, estava de férias durante essa exibição e não gostou da situação. Por conta do episódio, o diretor ficou um bom tempo sem falar com Cid.

As tristezas e ameaças da profissão

Cid sempre gostou de animais de estimação e, no início dos anos 1980, perdeu dois cachorros em um espaço de uma semana: ambos morreram por envenenamento e não havia motivo aparente para que alguém fizesse algo tão cruel.

Tempos depois, uma repórter da Globo fez uma matéria em um presídio no Rio de Janeiro que trouxe um recado para o âncora: o envenenamento de seus cães foi feito por um bandido que buscava vingança. Cid simplesmente anunciou sua prisão no JN e isso fez com que o pai do suspeito passasse mal. O apresentador se sentiu incomodado, desprotegido e impotente com esta ameaça covarde.

Cid já havia noticiado inúmeras tragédias e mortes, mas uma imagem em particular o chocou: o jornalista da rede ABC, Bill Stewart, sendo assassinado em praça pública, na Nicarágua.

A imagem, que correu o mundo, foi exibida sem censura e deixou o apresentador imobilizado na bancada, sem reação.

A despedida do Jornal Nacional

Em 1996, a Globo fez mudanças no jornalismo e a maior delas ocorreu no Jornal Nacional: após mais de duas décadas, a dupla, Cid Moreira e Sérgio Chapelin deixaria a bancada dando lugar a Lillian Witte Fibe e Willian Bonner.

Cid sentiu um grande vazio e se perguntava: como seria o pós-JN, depois de 26 anos no ar. O último dia foi atípico: muitas entrevistas para rádios, jornais, programas de televisão e, claro, muitos fãs contra sua saída da bancada.

Todo esse carinho confortava Cid, mas havia um receio de cair no ostracismo após deixar o Jornal Nacional. O comunicador se manteve no telejornal por mais seis meses lendo os editoriais e, logo depois, foi para o Fantástico, programa que aumentou sua popularidade.

Mesmo com a mudança na rotina, o jornalista conseguiu entrar de cabeça em outros projetos, como a gravação da Bíblia, um grande sucesso que trouxe mais notoriedade ao locutor.

Seja no JN, no Fantástico ou lendo passagens bíblicas, a história de Cid Moreira se mistura com a história da televisão. Por isso, independentemente da época, sempre vamos nos recordar do velho “boa noite” que fez parte da vida de milhões de brasileiros.


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Fábio Marckezini é jornalista e apaixonado por televisão desde criança. Mantém o canal Arquivo Marckezini, no YouTube, em prol da preservação da memória do veículo. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor