A atual novela das seis da Globo, infelizmente já na reta final, é encantadora. Mescla drama e humor de forma despretensiosa, apresenta uma história que atrai pela simplicidade e seus personagens se mostram muito bem delineados pelo autor. O fato de ser um enredo de época, ambientado em 1910, imprime um charme a mais ao folhetim e são vários os acertos da obra de Marcos Berstein, baseada em vários sucessos da escritora inglesa Jane Austen. Mas o principal trunfo é a elevada quantidade de bons pares românticos. Tem romance para todos os gostos.

Os mocinhos, por exemplo, são inteligentes e dificilmente são feitos de bobos pelos vilões por muito tempo. Darcy e Elisabeta vem sendo defendidos com competência por Thiago Lacerda e Nathalia Dill, que honram o protagonismo e apresentam uma boa sintonia. Os conhecidos perfis são do livro Orgulho e Preconceito, de Jane, cuja maior referência até então havia sido no filme homônimo exibido em 2005, protagonizado por Keira Knightley e Matthew Macfadyen. Marcos e o diretor Fred Mayrink, entretanto, suavizaram Darcy, diminuindo a sisudez do rapaz, evitando uma possível rejeição do público noveleiro. Funcionou.

Errar no casal central é um dos muitos medos dos autores, mas Marcos Berstein não se contentou só em acertar com seus protagonistas. Preocupou-se também com os demais e conseguiu criar pares tão encantadores quanto o principal. Jane (Pâmela Tomé) e Camilo (Maurício Destri), por exemplo, encabeçam outra deliciosa relação, porém, mais voltada para os clássicos da Disney.
Ela representa claramente uma espécie de Cinderela e ele um príncipe milionário que precisou abdicar de sua fortuna para ficar com a amada. Não demorou para o romance conquistar o telespectador, tendo como foco a delicadeza do relacionamento. E os perfis não perderam importância quando se “casaram”, pelo contrário, ganharam novos conflitos em virtude da nova condição de vida.

Outro par que logo se destacou foi o formado por Rômulo (Marcos Pitombo) e Cecília (Anaju Dorigon). O ricaço galanteador e a menina ingênua – que cria fantasias através de suas leituras – se apaixonaram à primeira vista, iniciando uma relação marcada pela sensibilidade. Assim como Jane e Camilo, os dois não se perderam no roteiro após o casamento. Nesse caso, por sinal, o casório era vital para o andamento da trama, pois a vida da menina virou um inferno na mansão do marido, em virtude da constante intimidação do sogro (Coronel Tibúrcio – Oscar Magrini), das armações da então governanta Fani (Thamy Di Calafiori) e, posteriormente, da falsidade da sogra Josephine (Christine Fernandes). O amor de ambos, no entanto, nunca se enfraqueceu e a química entre Marcos e Anaju é evidente.

Já o romance entre Mariana (Chandelly Braz) e Coronel Brandão (Malvino Salvador) não arrebatou inicialmente. Parecia uma relação dispensável. Até porque a personagem se viu em um triângulo amoroso cômico com Uirapuru (Bruno Gissoni) e a irmã Lídia (Bruna Griphao). Mas, passada a fase da comédia, a sonhadora menina se encantou pelo misterioso Motoqueiro Vermelho, caiu na armação de Uirapuru e depois descobriu que seu herói era o coronel.

A partir de então, o relacionamento de ambos ficou bem mais interessante e Mariana cresceu no enredo, principalmente quando resolveu provar que estava apaixonada e merecia o amor dele. Até motoqueira virou para competir na corrida da região ao lado do amado, resultando em ótimas cenas disfarçada de homem. O relacionamento foi se intensificando e a sintonia dos atores crescendo. O relacionamento ficou ainda mais bonito de se ver depois que a menina teve seus cabelos cortados pelo canalha Xavier (Ricardo Tozzi), recebendo todo o apoio do homem que ama.

E a novela é tão acertada que até romance improvável se transforma em sucesso. Isso porque a relação de Ema (Agatha Moreira) e Ernesto (Rodrigo Simas) roubou a cena, virando um dos maiores trunfos da história. A menina casamenteira é baseada no romance Emma e a personagem protagoniza um romance com Jorge (Murilo Rosa) no livro de Jane. Todavia, na novela, esse relacionamento não surtiu o efeito esperado. Ao contrário do enredo da escritora inglesa, o rapaz é um sujeito passivo, conformado e sente pena de si mesmo. Ele e Ema nunca chegaram a se envolver de fato.

Quem ganhou foi Ernesto, perfil que não existe no livro. O autor criou um tipo cativante e muito bem interpretado por Rodrigo, que tem uma química imensa com Agatha, repetindo a ótima parceria de Malhação Intensa (2012), onde viveram os irmãos Ju e Bruno. A patricinha de época e o italiano marrento representam o clássico “opostos que se atraem”, protagonizando cenas divertidas de gato e rato. Não demorou para caírem nas graças do público. Tanto que os dois cresceram nitidamente na história, ganhando muito mais sequências e dividindo o protagonismo com as irmãs Benedito.

Há também espaço para casais experientes. A aproximação da poderosa Julieta (Gabriela Duarte) e do submisso Aurélio (Marcelo Faria) teve um bom espaço no roteiro, destacando a sintonia dos atores. Os personagens se sobressaem juntos e ele funciona como uma espécie de ponto fraco da Rainha do Café, que nunca se permitiu um amor, após anos sendo humilhada pelo falecido marido.

O autor só pecou ao apressar as declarações amorosas do filho do Barão (Ary Fontoura), mesmo diante das constantes humilhações da ricaça. Mas, após esse pequeno tropeço inicial, Berstein soube conduzir a relação com delicadeza e o renascimento de Julieta através do amor pôde ser acompanhado aos poucos pelo público. Gabriela e Marcelo têm um ótimo entrosamento e já protagonizaram muitas cenas recheadas de drama e sutileza. Além deles, inclusive, há o relacionamento bem-humorado de Felisberto e Ofélia, destacando os sempre talentosos Tato Gabus Mendes e Vera Holtz.

Mas ainda não acabou. A sensível aproximação de Luccino (Juliano Laham) e Otávio (Pedro Henrique Muller) se iniciou pouco depois da metade da trama e o escritor se mostrou muito inteligente ao esperar o público do folhetim simpatizar com os personagens individualmente. Os dois sempre foram homens retraídos e tímidos, mas se soltaram um pouco mais assim que começaram uma bonita amizade. O romance gay foi construído com habilidade e os atores vêm protagonizando várias sequências tocantes. O primeiro beijo, então, esbanjou sensibilidade. A novela ainda entrou para a história da teledramaturgia por ter sido o primeiro folhetim das seis a exibir um beijo homossexual, após 47 anos. E ainda há outros pares que merecem elogios, vide o romance cômico de Lídia e Randolfo (Miguel Rômulo), o namoro de Fani e Edmundo (Nando Rodrigues), a liberdade de Ludmila (Laila Zaid) e Januário (Silvio Guindane) e a relação recém-iniciada de Olegário (Joaquim Lopes) e Charlotte (Isabella Santoni).

Outra qualidade que precisa ser citada é a preocupação da música-tema para cada casal. Hoje em dia, infelizmente, vários diretores da Globo ignoram uma das características mais marcantes das novelas e usam muitas vezes a mesma canção para vários pares ou personagens. Nada disso ocorre no enredo e Marcos e Fred Mayrink estão de parabéns. Darcy e Elisabeta são embalados por Mais Bonito Não Há (Milton Nascimento e Tiago Iorc); Aurélio e Julieta por Paixão (Ana Carolina); Jane e Camilo por Mais Que O Tempo (Taryn); Mariana e Brandão por Sinônimos (Paula Fernandes e Scarcéus); Cecília e Rômulo por Te Amo Tanto (Paolo e Cláudia Leitte); Ema e Ernesto por Fica (Anavitória e Mateus e Kauan); e Luccino e Otávio por Morada (Sandy), por exemplo. Uma música mais bonita que a outra.

Orgulho e Paixão é um folhetim delicioso e o elevado número de casais bem construídos faz jus ao Paixão do título, expondo um festival de química e romance na história escrita por Marcos Berstein. Enquanto alguns autores ‘sofrem’ para ao menos ter um casal atrativo em suas novelas, a atual tem de sobra. Nunca houve um folhetim com tantos bons romances juntos. Pares de todos os gostos para o público “shippar” bastante. Viva o amor!


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor