Após o fenômeno Os Dez Mandamentos, maior sucesso da Record, exibida em 2015, deixando a Globo para trás algumas vezes, a emissora resolveu adotar de vez o esquema de obras bíblicas. O canal dos bispos sempre priorizou esse tipo de produção, mas, ainda assim, havia espaço para outros tipos de histórias. Porém, na faixa das 20h30 ficou estabelecido esse padrão. A questão é que depois nenhuma outra novela chegou perto do êxito ou da repercussão da mesma. E, com O Rico e Lázaro, esse esgotamento, que era cada vez mais inevitável, chegou de vez.

A trama de Paula Richard, dirigida por Edgar Miranda, estreou em março, substituindo A Terra Prometida, um folhetim que obteve uma audiência razoável, mas longe do desejado, pois tinha entrado no lugar da equivocada ‘segunda temporada’ de Os Dez Mandamentos. Ou seja, foi a quarta produção bíblica seguida. A coprodução com a Casablanca, iniciada durante todo esse processo de padronização de folhetins da emissora, melhorou um pouco a qualidade de alguns cenários e os efeitos especiais de cenas específicas. O problema foi a mesmice.

A história, que chega ao fim em novembro, seguiu a cronologia das passagens da Bíblia e, teoricamente, o encaminhamento observado nos folhetins anteriores. Mas, claro, com novos personagens e outros conflitos. Só que todo o conjunto permaneceu igual.

Apesar de algumas melhoras, os cenários eram praticamente idênticos aos das novelas passadas e os figurinos também não mudaram, apresentando, inclusive os mesmos ‘incômodos’ – vide a limpeza visível em todos os trajes, incluindo os dos hebreus, mesmo em pleno deserto, parecendo fantasias de Carnaval recém-compradas. A artificialidade no figurino já deveria ter sido observada há tempos, mas nada fazem.

Para culminar, o roteiro (por razões óbvias, basta ler a Bíblia) acaba repetindo as mesmas situações, protagonizadas apenas por outras pessoas. Sempre há um rei soberano que não acredita em Deus e faz de tudo para destruir a vida dos hebreus, que seguem todas as ordens do Criador, precisando também lidar com alguns traidores. Ou seja, o público tem a sensação de que está vendo a mesma novela há anos. Por mais que a autora Paula Richard tenha tentado mexer um pouco em alguns dramas, focando no triângulo protagonizado por Joana (Milena Toscano), Asher (Dudu Azevedo) e Zac (Igor Rickli), acabou refém do contexto repetitivo da estrutura da narrativa.

Tanto que um dos pontos positivos da produção foi o poderoso Nabucodonosor, destacando o ótimo Heitor Martinez na figura de um rei autoritário e cruel. Quando o personagem morreu, após ter cometido vários atos terríveis e mergulhado na loucura (se comportando como um animal), a história perdeu bastante e o vazio foi inevitável.

E o irônico é que o perfil representava basicamente a mesma coisa que tipos anteriores, como Ramsés (Sérgio Marone) e Rei Marek (Igor Rickli). Aliás, Marek interpretado pelo mesmo ator que faz o Zac. Esse foi mais um problema evidente que confirmou o esgotamento desse tipo de obra. O elenco é sempre quase igual. A verdade é que isso é um fato recorrente em todas as emissoras atualmente, até na Globo, em virtude do fim dos contratos longos. O agravante na Record é que tudo fica idêntico, afinal, como já mencionado, cenários, contextos e figurinos seguem os mesmos.

Outro fator agravante da atual trama foi a dificuldade dos nomes. Tudo bem seguir o padrão da Bíblia, mas uma licença poética, alterando alguns chamamentos, não seria nada demais. O enredo esteve repleto de nomes impronunciáveis e de difícil memória. A dificuldade, aliás, era sentida até por determinados atores na hora de denominar colegas de cena. Nitócris (Stefany Britto), Nebuzaradã (Ângelo Paes Leme), Amitis (Adriana Garambone), Fassur (Zécarlos Machado), Shamiran (Gabriela Moreyra), Shag-Shag (Cássia Kinhares), Evil-Merodaque (Kayky Britto), Rabe-Sáris (Gustavo Leão), Arioque (Felipe Cardoso) e Ebeque-Meleque (André Luiz Miranda) foram apenas alguns desses casos. Não há memória que salve o telespectador.

Ao menos um desses nomes impronunciáveis era de uma ótima personagem, destacando Christine Fernandes. A Rainha Sammu-Ramat foi uma vilã bem escrita, proporcionando boas cenas para a atriz, que acabou sendo uma espécie de substituta da vilania do Nabucodonosor.

A sequência em que ela é desmascarada por Nebuzaradã e o mata, para logo depois se suicidar diante de seus inimigos, teve uma direção exagerada, mas Christine deu show, fechando sua participação muito bem. Ângelo Paes Leme também brilhou.

Além deles e de Heitor Martinez, a trama teve outros bons nomes, como Denise Del Vechio (Elga), Zécarlos Machado – que protagonizaram uma ótima cena nessa semana, quando Elga resolveu se separar -, Lucinha Lins (Zelfa), Vera Zimmermann (Neusta), Cássio Scapin (Beroso) e Adriana Garambone.

O Rico e Lázaro foi uma novela mediana e sem repercussão alguma. Muitas vezes perdeu para Carinha de Anjo, do SBT, e tantas outras obtinha audiência menor que a reprise de A Escrava Isaura, exibida às 19h30, quando Belaventura ainda não tinha iniciado.

Vale destacar ainda a longa barriga (período de enrolação onde nada de relevante acontece) que o enredo apresentou ao longo dos meses, além do conjunto ter mergulhado na mesmice. Ou seja, acabou expondo o desgaste da fórmula bíblica que a Record tanto aposta.

A luz no fim do túnel da emissora está em Apocalipse, mais uma obra bíblica, mas agora ambientada nos dias atuais. A autora é Vivian de Oliveira, a mesma de Os Dez Mandamentos. Resta saber se ela conseguirá adaptar um enredo contemporâneo nos moldes da Bíblia e se irá renovar a faixa das 20h30. Porque, definitivamente, a atual novela já vai tarde.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


Compartilhar.
Avatar photo

Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor