O Outro Lado do Paraíso é uma boa novela. Ou melhor: era uma boa novela. Logo na estreia, enquanto redes sociais rechaçavam o encantamento de Clara (Bianca Bin) – que flertou com Renato (Rafael Cardoso) para logo em seguida sucumbir a Gael (Sérgio Guizé) – defendi a heroína e suas motivações. Durante a primeira (e exaustiva) fase, de cenas escuras e aterrorizantes e de uma certa apatia, me mantive fiel. Quando, enfim, deu-se a transição para os dias de hoje e o início do plano de vingança de Clara, sai, outra vez, na linha de frente.

Talvez por esperar muito, e torcer demais, tenha me decepcionado tanto com o folhetim nestes últimos capítulos. Na busca pela audiência que ameaçou correr, o autor Walcyr Carrasco mandou a coerência às favas. É bem verdade que o enredo possuía incongruências desde o início: por que diabos Estela (Juliana Caldas) deixou a vida livre que levava na Suíça para se submeter aos desmandos da mãe, Sophia (Marieta Severo), que a abomina? Por que Sophia manteve Estela em sua casa por mais de dez anos, mesmo considerando a filha anã um “monstrengo” incômodo?

O mesmo pode se dizer da trama de Duda (Glória Pires). O sogro Natanael (Juca de Oliveira) exigiu que ela forjasse a própria morte para afastá-la de seu filho, Henrique (Emílio de Melo), e de sua neta, Adriana (então Lara Cariello). Talvez se tivesse encomendado a morte dela tudo teria se resolvido, facilmente. Aí não teríamos novela, eu sei. Mas aí teríamos sido poupados desta personagem-fantasma, que já se converte em mais um tipo qualquer na extensa galeria da atriz. Duda é uma personagem morta-viva; sem estofo, sem razão de ser.

Descobriu ser mãe de Clara, mas não quis se revelar. Descobriu que Clara não matou Laerte (Raphael Vianna), mas ainda quer assumir a culpa pelo crime para salvá-la. Recusa falar o nome para manter a farsa orquestrada pelo sogro. Recusa advogado. E não reconhece a filha Adriana (agora Júlia Dalavia), de quem tentou se aproximar de várias formas após o inconcebível plano de Natanael. Provavelmente, não havia sinal de internet por onde Duda passou. De impressionar o fato dela nunca ter buscado uma foto atual da filha em redes sociais. Num jornal que fosse…

Clara acompanha o passo da melhor amiga (e mãe na obscuridade). Em cena do capítulo de ontem (16) se limitou a dizer que nunca foi louca, durante uma discussão com Lívia (Grazi Massafera), a cunhada que auxiliou Sophia a enviá-la para o limbo. Deixou que Mercedes (Fernanda Montenegro) discutisse por ela. Perde relevância a cada capítulo: sua vingança agora consiste em usar descobertas – como as suspeitas de Rafael (Igor Angelkorte) sobre o estranho comportamento de Vinícius (Flávio Tolezani) com a enteada ou a inocência de Samuel (Eriberto Leão).

Sim, o doutor resolveu facilitar as coisas para a inimiga e não trocou a garçonnière, mesmo após ter sido flagrado pela mãe, desfrutando da intimidade com Cido (Rafael Zulu). Supostamente rejeitado pela audiência, o núcleo do psiquiatra enrustido ganhou tons mais amenos. E o que, a princípio, era tratado com sutileza agora partiu para o escárnio. No segundo flagra em duas semanas, Carrasco apelou para frases de efeito, tão absurdas, que o que era para soar pretensamente sério sepultou de vez qualquer abordagem “honesta” acerca de homossexualidade e de aceitação.

Ao recorrer ao ridículo – com direito a diálogos paupérrimos, como o “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu” de Suzy (Ellen Roche) – O Outro Lado do Paraíso presta um desserviço à comunidade LGBT. A execração pública de Samuel é tão nociva para os gays quanto as declarações de Ratinho, do SBT, sobre o fato de termos “muito viado na novela”. Há “muito viado”, que bom! Lamentável é ter “viado” tão mal representado quanto o médico da novela das 21h, visto como uma triste figura que, por não pode ser o que é, merece ser submetido à exposição e julgamento alheio. A “vingança” de Clara foi libertá-lo; que bom.

Para quem esperava novos ares para a trama de Samuel agora, triste notícia: Suzy, grávida, vai se aboletar na casa do ex-marido e de Cido. Uma reedição do triângulo Niko (Thiago Fragoso), Eron (Marcello Antony) e Amarílis (Danielle Winits), da também desconjuntada Amor à Vida (2013). É de se lamentar que O Outro Lado do Paraíso comece a enveredar pelo mesmo caminho. A audiência rateia, a coerência falha e o público acaba feito de idiota. Ainda que registre números impressionantes toda noite, ‘O Outro Lado’ vem passando longe de ser uma boa novela. É mais uma prova de que números e qualidade nem sempre caminham de mãos dadas. Uma pena…

Adendo: Duas sequências do capítulo desta segunda-feira chamaram a atenção por conta da desatenção da direção. Samuel verificou a frequência cardíaca da mãe e arrematou com “a pressão normal”. Até aí, tudo bem. O telespectador que não se afina com a área da saúde não deve ter notado a gafe. Mas, na outra ponta do folhetim, a juíza Raquel (Érika Januza) diz estar com um processo “nas ‘mão'”, prestes a reunir “as ‘prova'”. Raquel, cabe lembrar, passou em primeiro lugar no concurso para juiz. Não pode, nem deve falar como se ainda morasse no quilombo, na mais completa ignorância. Será que a direção também vai adotar a linha desleixada do texto?


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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.