Falar da Rede Manchete é falar de sucesso e fracasso. Por ironia do destino, a “emissora do ano 2000” não chegou até lá, saindo do ar em 1999. Mas o insucesso não fala mais alto às lembranças da Manchete: suas novelas, seu jornalismo, os especiais e a cobertura do carnaval fizeram da emissora da Rua do Russel um êxito que marcou a história da televisão. Porém, um fato curioso é que seu fundador, Adolpho Bloch, que por anos deixou seu sobrenome atrelado ao ‘M dourado’, nunca quis fundar uma rede de televisão.

Em 1980, a Bloch Editores vivia o seu melhor momento: depois de anos no vermelho, a empresa se reergueu e passou a ser lucrativa. A Revista Manchete, carro chefe da empresa, contava com uma tiragem de 200 mil exemplares por semana. Oscar Bloch, sobrinho de Adolpho, acreditava que, para o grupo crescer, era necessário entrar no mundo do rádio e da televisão. O primeiro passo foi dado ao conquistar a concessão das rádios Manchete AM e FM, que operavam no Rio de Janeiro. Adolpho olhava tudo isso com ceticismo.

A Editora Abril também estava em crescimento, criando revistas em vários segmentos e mirando um antigo sonho: ter uma emissora de televisão. Na época, com a falência da Rede Tupi, o então presidente João Figueiredo abriu concorrência deixando duas emissoras em aberto para concessão. Para Oscar Bloch, o plano perfeito seria “roubar” a televisão da Abril e crescer no mercado publicitário, evitando desaparecer como aconteceu com a revista O Cruzeiro. Ao falar da importância de modernizar a Manchete, Adolpho foi enfático: mandou a modernidade para “aquele lugar”.

Não era difícil ter acesso aos militares, já que a Revista Manchete sempre agradou o regime, com edições grandiosas mostrando o Brasil em vias de desenvolvimento. Ou seja, uma bela propaganda da ditadura militar. Aquele foi o momento dos milicos ajudarem os Bloch.

Um aliado de Oscar era Pedro Jack Kapeller, o Jaquito, sobrinho mais jovem de Adolpho, aficionado pela nova tecnologia e mídia eletrônica. Jaquito estava disposto a entrar de cabeça na formação de uma nova rede. Os sobrinhos tentaram convencer o tio sobre a importância disso com o marketing. Mais uma vez, Adolpho foi enfático: mandou o marketing para um lugar onde o sol não bate, dizendo que estava no lucro e ganhando bem com a revista.

Mesmo com o dono da Manchete de cara virada para a ideia, eles foram atrás da concessão. Os Bloch estavam em vantagem: a Abril não era bem vista pelos generais por ser uma editoria poderosa. E o Jornal do Brasil, na época relativamente grande, incomodou a ditadura com as reportagens sobre o atentado no Riocentro, ocorrido em 1980. Em 1981, os Bloch ganham a concessão junto com Silvio Santos. A Rede Manchete de Televisão estava virando realidade.

Jaquito embarcou para os Estados Unidos em busca de equipamentos e enlatados, gastando 50 milhões de dólares. Executivos da futura emissora também foram às compras na Inglaterra, gastando muitas libras atrás de filmes e séries de alto nível. Enquanto no Brasil, Oscar ficou conversando com o mercado publicitário, “vendendo” a Manchete como uma emissora moderna e de primeira classe. Adolpho buscava se motivar com a nova empreitada, buscando ideias em uma área que ele mal conhecia e entendia.

No dia 5 de junho de 1983, às 19 horas, a Rede Manchete entrava no ar. E a primeira imagem era de Adolpho Bloch, inaugurando a nova televisão. Infelizmente, ninguém ouviu seu pronunciamento, pois um problema no áudio deixou Adolpho mudo. A primeira falha da emissora envolveu justamente com aquele que não queria um canal de televisão. Resolvido o problema, Adolpho disse: “Deixo com vocês, meus amigos, a Rede Manchete de Televisão, ela está no ar”.

Adolpho teve muita dor de cabeça com a Rede Manchete. Sempre que a emissora entrava em crise, ele enfatizava que a ideia não tinha sido dele, mas de seus sobrinhos, os verdadeiros culpados pela “desgraça de sua vida”. No fundo, mesmo não querendo, aceitou o desafio. Outrora alheio ao “circo eletrônico”, chegou até a auxiliar na criação de uma novela de grande sucesso, Kananga do Japão (1989).

Mesmo com as contrariedades, o grande ‘M dourado’ que sobrevoava o país carregou o sobrenome de seu criador até o seu fim.


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Fábio Marckezini é jornalista e apaixonado por televisão desde criança. Mantém o canal Arquivo Marckezini, no YouTube, em prol da preservação da memória do veículo. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor