O dia em que Galvão Bueno quase foi demitido da Globo por causa de Senna

09/07/2020 às 3h04

Por: Thell de Castro
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No dia 20 de outubro de 1991, Ayrton Senna (1960-1994) sagrou-se tricampeão mundial de Fórmula 1 no Grande Prêmio do Japão. Considerada uma das melhores transmissões da carreira de Galvão Bueno, por muito pouco a prova não foi narrada pelo locutor, que ainda levou uma grande bronca da Globo por ter omitido uma importante informação da estratégia do piloto brasileiro na corrida.

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Em seu livro “Fala, Galvão” (Globo Livros, 2015), Galvão conta essas passagens com detalhes. Muito amigo de Senna e de Gerhard Berger, companheiro de equipe do piloto brasileiro na McLaren, vivia se metendo em confusões e pregando peças neles pelos países por onde passava.

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“Pegamos o trem-bala para ir de Tóquio ao autódromo em Suzuka. Berger adormeceu logo. Olhei para Ayrton, fiz um gesto com a cabeça, ele fez um sinal de positivo — a gente se entendia por olhares na hora da bagunça. Ele jogou para mim um tubo de gel de barba. Eu fui até a mala de Berger, abri, e a primeira coisa que vi foi um sapato. Berger só andava de tênis, mas tinha esse sapato por causa de um evento naquela noite, que exigia terno. Enchi os dois pés do sapato de gel”, contou no livro.

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“Estávamos todos no hotel do circuito de Suzuka e lá fomos, Ayrton e eu, bater no quarto de Berger. Ele abriu a porta e saiu correndo atrás de nós, três malucos numa carreira até a recepção do hotel. Depois, a esposa de Berger, Ana, uma portuguesa, me contou que ele tinha se arrumado todo, enfiado os dois pés no gel — shplaft, shplaft — e começado a gritar “Galibao! Galibao!”, a coisa mais próxima de Galvão que ele conseguia falar”, completou.

O jeito para o piloto austríaco foi ir ao evento de terno e tênis. Senna ainda avisou que o narrador tinha se dado mal ao brincar com ele. “As nossas brincadeiras são de criança, você não sabe do que ele é capaz”, indicou.

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No dia seguinte, um funcionário da McLaren, que era uma espécie de faz-tudo da equipe e preparava as refeições, ofereceu insistentemente um suco de laranja para Galvão. “Quando ele veio pela segunda vez, aí é que eu resolvi não tomar mesmo, e pensei: aí tem o dedo do Berger”, explicou.

Galvão transmitiu normalmente a corrida. À noite, no jantar de comemoração, o chefe da McLaren, Ron Dennis, perguntou se ele não estava com sono. “Aí Ana, mulher de Berger, me contou: “Você não sabe do que escapou. Gerhard botou uns quatro, cinco comprimidos para dormir no suco de laranja”. Se eu tivesse tomado, a TV Globo teria gastado dinheiro para eu ir até o Japão e transmitir o tricampeonato e eu teria dormido na cabine”, afirmou.

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Informação privilegiada

 Senna, que largou em segundo, atrás de Berger, viu Nigel Mansell deixar a prova algumas voltas depois. Dessa forma, ele garantia o título independentemente de sua posição na pista. Após passar Berger, nas voltas finais foi diminuindo e deixou o companheiro de equipe passar praticamente no momento de receber a bandeirada, dando-lhe a vitória de bandeja – fato semelhante ao ocorrido entre Michael Schumacher e Rubens Barrichello em 2002.

Na transmissão, Galvão começou a gritar “eu sabia, eu sabia” e elogiou o gesto de Senna. Por isso, levou uma grande bronca de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então todo-poderoso global. “Se você sabia, por que não contou antes? Era sua obrigação profissional”, bradou o dirigente.

“Boni estava certo mais uma vez. Pelas conversas antes da corrida, eu tinha entendido que eles tinham montado uma estratégia, e que Ayrton, se tivesse o título garantido, deixaria Berger vencer. Mas eu tinha que ter explicado isso na hora certa e não fiz”, contou Galvão no livro.

O gesto de Senna ao ceder a vitória para o companheiro não foi espontâneo. Durante boa parte da prova, houve uma negociação entre ele, que não queria ceder, e Ron Dennis para que Berger ficasse com a vitória.

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Em seu livro “Na Reta de Chegada”, Berger disse que ficou magoado com o fato. “Foi um gesto desnecessário. Se realmente ele quisesse fazer algo significativo para mim, depois de um ano sem brilho, ele teria feito dez voltas antes: daríamos um belo espetáculo e, no final, eu ganharia. Mas o modo que ele fez mostrou ao mundo inteiro quem mandava. O que ficou foi seu brilhante show de força e sincera generosidade. Nunca trocamos uma palavra sobre o acontecimento. Eu não agradeci e ele não explicou quais foram suas razões para ter feito o que fez. Apesar de tudo, nossa amizade não foi prejudicada”, explicou.

O título de 1991 foi o último da carreira de Senna, que morreu em grave acidente no Grande Prêmio de San Marino, em 1994.

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