Considerada a melhor novela da história do SBT, Éramos Seis foi exibida entre maio e dezembro de 1994. No entanto, a produção provavelmente nunca mais será vista novamente, já que os direitos atualmente pertencem à Globo, que produziu uma nova versão entre 2019 e 2020 (foto abaixo, com Gloria Pires e Antonio Calloni).
Confira abaixo uma lista de curiosidades envolvendo os bastidores do folhetim:
Negociação
– A versão do SBT foi a quarta do romance homônimo de Maria José Dupré para a televisão: a primeira foi na Record, em 1958, com dois capítulos por semana e ao vivo; a segunda, já diária, no ar pela Tupi em 1967. A terceira representou um dos últimos grandes sucessos da emissora pioneira e o lançamento de dois autores: Rubens Ewald Filho, mais conhecido como crítico de cinema, e Silvio de Abreu, ex-diretor do departamento de teledramaturgia diária da Globo.
– Foi o texto da adaptação da Tupi que Silvio Santos adquiriu. O apresentador tentou comprar o roteiro junto aos autores, sem êxito. Arrematou então os direitos do livro, abrindo nova rodada de negociações com Rubens e Silvio.
“Fui praticamente obrigado a fazer a negociação. Eles acertaram tudo com a editora do livro, depois com o Ewald e em seguida me procuraram. Mas tudo bem. Entreguei os capítulos e não participo de mais nada”, relatou Silvio, então envolvido com o desenvolvimento de A Próxima Vítima (1995), ao Jornal do Brasil, de 4 de dezembro de 1993.
O elenco
– Os planos do SBT eram ambiciosos: a intenção do diretor de núcleo, Nilton Travesso, era implantar Éramos Seis e já dar início à produção de Manhãs do Sol, texto inédito de Geraldo Vietri, ambientado em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul. Posteriormente, o folhetim foi descartado em prol de Dom Casmurro, adaptação dos atores Jandira Martini e Marcos Caruso para a obra de Machado de Assis, contando com Leonor Corrêa na equipe. Ainda, a possibilidade de um segundo horário, às 18h, com Mariana, a Menina de Ouro, novela infanto-juvenil desenvolvida por Flávio de Souza, mestre de atrações da Cultura.
– Aliás, antes de optar por Éramos Seis, Silvio Santos planejava produzir uma segunda versão de A Fábrica, folhetim que Geraldo Vietri escreveu para a Tupi em 1971, estrelado por Aracy Balabanian e Juca de Oliveira.
– Embora não tenha se preocupado em demasia com o texto – não havia necessidade de atualização – Rubens Ewald Filho acabou envolvido na produção do remake de Éramos Seis através da escalação de elenco. Foi ele quem sugeriu Irene Ravache, ausente do vídeo desde Sassaricando (1987), para a protagonista Dona Lola (vivida, nas versões anteriores, por Gessy Fonseca, Cleyde Yaconis e Nicette Bruno).
Troca-troca
– Ewald também sugeriu Osmar Prado para Júlio, esposo de Lola. Osmar acabou contratado para outro personagem: Zeca, casado com a irmã de Lola, Olga (Denise Fraga). O SBT tentou viabilizar a contratação de Herson Capri para o principal papel masculino, sem sucesso; o ator já estava comprometido com Tropicaliente, folhetim das 18h que a Globo estreou uma semana após o lançamento de Éramos Seis. O eleito para Júlio foi Othon Bastos, que, a princípio, estava encarregado do comerciante Assad (Antônio Petrin).
– Petrin, assim como Jussara Freire, participavam de Guerra Sem Fim (1993), da Manchete, quando foram contratados pelo SBT. Os dois deixaram a trama de José Louzeiro: o personagem dele, Ortiz, morre; ela, Rosa – delegada que atuava ao lado de Ortiz – é promovida.
– Jussara substituiu Rosi Campos, primeiro nome cogitado para Clotilde, outra irmã de Lola. Marcelo Picchi viveria seu par romântico, Almeida. Contudo, Paulo Figueiredo o substituiu, repetindo com Jussara a parceira da versão 1977 da novela, onde respondiam pelo divertido casal Zeca e Olga.
– Posteriormente, Rosi Campos fez uma pequena participação na novela, como Paulette, caso extraconjugal de Zeca.
– Quem também esteve, por duas vezes, envolvida com o texto de Rubens e Silvio foi Lia de Aguiar: na Tupi, vivia a madre superiora do asilo para onde foi Lola; no SBT, Marlene, mãe de Júlio. E Chica Lopes, com a mesma personagem: a criada Durvalina, braço direito e confidente de Lola.
– Ficaram de fora do elenco de Éramos Seis 1994: Aracy Balabanian (Emília, entregue a Nathalia Timberg), Lilia Cabral (Genu, personagem de Jandira Martini), Nuno Leal Maia (Felício, a cargo de Marco Ricca), Liana Duval (Maria, vivida por Yara Lins) e Jairo Mattos (Marcos, de Nelson Baskerville). O SBT também abriu negociações, frustradas, com Laura Cardoso, Guilherme Leme e Carla Marins.
Presença vip
– Contratada da casa a peso de ouro, no ano anterior, e queridinha de Silvio Santos, Angélica foi recrutada para uma participação especial – uma espécie de laboratório para uma personagem maior, em Mariana, a Menina de Ouro (que nunca saiu do papel). A apresentadora, porém, acabou substituída pela estreante Ana Paula Arósio. A personagem: Amanda, menina rica, flerte de Carlos (Jandir Ferrari), o primogênito de Lola.
– Também a primeira novela do futuro apresentador Otaviano Costa (Tavinho); ainda, Caio Blat (Carlos, quando criança) e Wagner Santisteban (Alfredo, posteriormente vivido por Tarcísio Filho).
– Dentre as participações especiais, destaque para Ney Latorraca como o palhaço Sorriso; ainda Clarisse Abujamra como Madame Dora Bulcão e a bissexta Marilena Ansaldi – vista na TV apenas em Rabo de Saia (1984), Selva de Pedra (1986) e Cara & Coroa (1995) – como Madame Bulhões. E “quase” Elba Ramalho, que não atendeu ao chamado para viver uma cantora de cabaré.
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Produção
– Luciana Braga, intérprete de Isabel (filha de Lola), teve sua participação diminuída nos capítulos finais, para que a atriz pudesse se dedicar aos primeiros capítulos da trama substituta, As Pupilas do Senhor Reitor (1994). A atriz assumiu uma das protagonistas de ‘Pupilas’, Clara, após a recusa de nomes como Adriana Esteves e Lisandra Souto.
– A equipe de direção contou com Del Rangel, egresso da Globo, e Henrique Martins, veterano ator que migrava para o outro lado das câmeras. A intenção de Nilton Travesso era contar também com a cineasta Ana Carolina, dos longas-metragens Das Tripas Coração (1982) e Sonho de Valsa (1987). Não houve acerto.
– O SBT contratou a bailarina Maria Pia Scognamiglio para executar um trabalho “incomum”: adequar movimentos e gestos dos atores à época em que se passava a novela (de 1921 a 1944). Maria Pia controlava, por exemplo, o caminhar das mulheres: as “recatadas” andavam sem rebolar, em passos curtos que evitavam uma distância grande entre uma coxa e outra, tornando as zonas erógenas menos “devassáveis”.
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– Com passagens pela Globo – onde respondeu por Sinhá Moça (1986), Direito de Amar (1987) e Desejo (1990) – Paulo Lois assinou o figurino, composto por cerca de 400 peças, apenas na primeira fase. Na caracterização, Westerley Dornellas, responsável pelo apuro estético de Renascer (1993); o profissional fora contratado, a princípio, para a cancelada Mariana, a Menina de Ouro. O diretor de fotografia Augusto ‘Black’ Costa – que passou por Tupi, Globo e Manchete – chegou a gastar US$ 500 mil em uma semana, na aquisição de equipamentos de luz para o recém-criado núcleo de teledramaturgia.
– Daniel Clabunde e João Nascimento responderam pela construção da cidade cenográfica de Éramos Seis. Os cenógrafos partiram de pesquisas em publicações da época e arquivos fotográficos para reconstruir a Avenida Angélica, onde estava localizado o sobrado da família de Lola; a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC) cedeu informações sobre o funcionamento dos bondes, enquanto a Eletropaulo forneceu modelos de postes antigos.
– A cidade, de 6.300 metros quadrados, compreendia 19 fachadas – de armazém a Praça Buenos Aires -, um trecho do bairro Bom Retiro (então reduto do comércio judaico) e uma pequena rua de Itapetininga, interior paulista, onde residiam Maria, Olga e Zeca. O destaque: um bonde de duas toneladas e meia! Nos detalhes, o minucioso trabalho do diretor de arte Beto Leão, ex-global, que reproduziu até mesmo as cerâmicas usadas no período retratado, em pisos e paredes.
– Antes do início das gravações, Irene Ravache se submeteu a uma cirurgia plástica no pescoço. A atriz o considerava “muito marcado” para uma mulher de menos de 40 anos, como Lola.
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Concorrência
– O SBT adiou a estreia de Éramos Seis em uma semana, por conta da morte do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, em 1º de maio, domingo. No horário anunciado para o lançamento, dia 2 de maio, Irene Ravache deu um depoimento dizendo que a novela não poderia ir ao ar em meio a um momento tão triste para o país. ‘Éramos’ estreou na segunda-feira seguinte, 9 de maio.
– A estratégia de divulgação do folhetim incluiu anúncios de página inteira nos principais jornais de São Paulo, convocando o público para acompanhar Éramos Seis “logo após A Viagem ou logo após Fera Ferida”, as novelas das 19h e das 20h da Globo.
– Silvio Santos cogitava, a princípio, testar duas faixas – 19h45 e 21h45 – durante 15 dias. Após este período, a novela seria mantida apenas no horário de maior audiência. Acontece que o público respondeu bem nas duas exibições.
– A estratégia incluía, evidentemente, o corte abrupto do TJ Brasil, então apresentado por Boris Casoy – desta forma, Éramos Seis tinha início tão logo A Viagem chegava ao fim. Por conta da prática, o âncora do ‘TJ’ chegou a dizer, no início de um dos últimos blocos do noticiário:
“De repente, não mais que de repente, o Telejornal Brasil pode ser interrompido para a apresentação da novela Éramos Seis”.
– A Globo tentou minar a reapresentação, logo na estreia, estendendo Fera Ferida e programando o blockbuster Máquina Mortífera 2, em Tela Quente. Na terça-feira da semana seguinte (17), colou o lançamento da minissérie Memorial de Maria Moura na novela das oito. Éramos Seis registrou então seu pior resultado até ali: 10 pontos. O folhetim do SBT, contudo, começou a se destacar nas noites de futebol.
– O recorde de audiência ficou por conta do capítulo em que Carlos morre: 22 pontos.
– Os primeiros capítulos foram reapresentados nas tardes de sábado. E, surpreendentemente, atingiram a mesma média alcançada ao longo da semana: 12 pontos.
– Os personagens travavam diálogo direto com o público ao final de cada capítulo. Olhando direto para a câmera, os tipos falavam sobre suas aflições, como se estivessem de papo com um velho conhecido. O recurso não era inédito: a Tupi havia empregado em Vitória Bonelli (1972).
– O desfecho de alguns personagens, na novela, difere do livro de Maria José Dupré: Clotilde, ao invés de terminar solteirona, se acertou com Almeida, desquitado; Alonso (Umberto Magnani), Higino (Paulo Hesse) e as tias de Lola, Emília e Candoca (Wilma de Aguiar) foram poupados da morte; e Lola, esquecida num asilo de velhos, se abrigou num lar onde auxiliava as madres nos cuidados com crianças.
Festa
– Após a exibição do último capítulo, o SBT levou ao ar um especial, com o elenco de Éramos Seis dividindo o Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, com o time de As Pupilas do Senhor Reitor, a novela substituta. Hebe Camargo comandou a festa, intitulada Noite dos Artistas – e abrilhantada por Eliakim Araújo, Leila Cordeiro, Gugu Liberato e Jô Soares.
– Éramos Seis ganhou o Troféu Imprensa e o APCA de melhor novela de 1994. Irene Ravache também foi contemplada como melhor atriz nas duas premiações. Tarcísio Filho levou a estatueta de melhor ator coadjuvante, segundo os críticos da APCA.
– A novela ainda abriu as portas para o SBT no mercado externo: ainda no ar aqui no Brasil, foi vendida para a TVI, de Portugal.
– Éramos Seis foi reprisada uma única vez, entre janeiro e maio de 2001. Os direitos do texto de Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu pertencem hoje à Globo, o que impossibilita que a novela seja exibida novamente pelo canal de Silvio Santos.
– Irene Ravache, Othon Bastos e Luciana Braga fizeram participações afetivas na versão da Globo.