No ano passado, um capítulo de Um Lugar ao Sol mostrou a personagem Rebeca (Andrea Beltrão) se masturbando enquanto estava sozinha na cama. A cena é rara, mas não inédita em novelas da emissora.

Vera Fischer

Se nos dias de hoje alguns temas abordados em novelas criam polêmicas, como beijos entre pessoas do mesmo sexo, imagine em 1980, em plena Ditadura Militar (1964-1985). Naquele ano, Coração Alado, novela da Globo escrita por Janete Clair (1925-1983), escandalizou a sociedade brasileira com cenas de estupro e masturbação. A trama estreava há 42 anos, em 11 de agosto de 1980.

Dirigida por Roberto Talma e Paulo Ubiratan (1947-1998), a produção era estrelada por Tarcísio Meira, que vivia Juca Pitanga, um artista plástico nordestino que ia para o Rio de Janeiro em busca de reconhecimento profissional. Ele se dividia entre o amor de Catucha (Débora Duarte) e o de Vivian (Vera Fischer).

Estupro

Ney Latorraca e Vera Fischer em Coração Alado

No meio da novela, foi ao ar uma cena de estupro envolvendo Vivian e Leandro, personagem de Ney Latorraca. Leandro se aproveitou de uma viagem de Mel (Joana Fomm) para atacar Vivian, sua cunhada. Ela engravidou e o público não sabia se o filho era de Leandro ou de Juca. Vivian pensou em aborto, mas desistiu da ideia. Ao ter seu filho, o abandonou. Mas se arrependeu e foi em busca de recuperar sua guarda.

Ao jornal O Globo de 28 de setembro de 1980, Janete Clair contou que o momento em que Vivian foi violentada pelo cunhado era decisivo para a novela.

“A partir desse fato, as emoções começam a se suceder. O que aconteceu com Vivian vai servir de fio condutor para o surgimento de muitas coisas novas”, explicou.

A autora também contou que criou a cena baseada em uma carta que recebeu, muitos anos antes, de uma telespectadora.

“Recebi uma carta de uma moça simples, que foi atacada sexualmente pelo cunhado. O que ela me contou era fantástico, tão triste, que resolvi aproveitar na novela. Guardo essa carta comigo até hoje. Como Vivian, chega até a pensar em aborto. Mas, por uma questão de formação, leva a gravidez adiante e tem a criança. Esse filho é a saga da personagem e dará um novo rumo à novela”, concluiu.

Coração Alado

Na mesma reportagem, Ney Latorraca disse que não via seu personagem como uma pessoa totalmente má.

“Acho que se Leandro for encarado apenas como um mau-caráter, a história perde muito de sua graça. Ele tem altos e baixos e está me gratificando demais exatamente por ser tão humano, igual a milhares de pessoas que andam impunemente pelas ruas. Foi um momento de fraqueza”, disse. “E qual o homem que não se sentiria atraído por uma cunhada como a Vera Fischer?”, afirmou.

Maria Helena Dutra, no Jornal do Brasil de 12 de outubro de 1980, criticou a cena do estupro.

“A famosa cena seria até bem feita se não fossem os atores selecionados para o evento. Vera Fischer não tem o menor cacoete de indefesa criatura e é bastante mais atlética do que o frágil violentador Ney Latorraca. Qualquer cotovelada no plexo solar encerrava o assunto”, disse.

Masturbação

Débora Duarte em Coração Alado

Coração Alado também foi a primeira novela a abordar a masturbação, em uma cena quase explícita de Catucha. De acordo com o site Memória Globo, para complicar, a cena foi levada ao ar com um áudio vazado, no qual o diretor Roberto Talma, durante a gravação, orientava a atriz sobre como se comportar para simular a masturbação.

Foi um escândalo. Logo após a exibição, no dia 24 de fevereiro de 1981, sumiram do arquivo da emissora todas as cópias deste script, e a fita do capítulo 171 foi apagada. Além disso, recentemente o editor-chefe do TV História, Duh Secco, informou que a emissora não conta com a novela na íntegra para disponibilização no Globoplay.

Artigo na Folha de S.Paulo de 10 de março daquele ano disse que Coração Alado bateu recordes de “non-sense”. Apesar da polêmica, ressaltou que era melhor ter uma produção assim no ar do que outras anteriormente mutiladas pela censura.

“Talvez seja a isso que o governador Maluf se refere, quando alude à pornografia na televisão. Enfim, é melhor que os telespectadores mudem de canal ou desliguem a TV se não gostarem do que veem, do que a censura voltar a intuir nossos desejos. Democracia tem disso: respeito ao direito de todos, por mais exóticos que sejam alguns entre esses todos”.

A novela não foi unanimidade e, apesar de até obter boa audiência, não deixou saudades, tanto que nunca foi reprisada pela emissora.

Compartilhar.