Novelas ótimas e outras nem tanto sempre existiram. Em todas as emissoras e todas as épocas. A relação abaixo limita-se às produções da TV Globo a partir da década de 1970 (quando a emissora conquistou a hegemonia nacional) e que sofreram com problemas que vão de rejeição do público (o que acarreta baixa audiência) a desentendimentos nos bastidores.
Não trata-se de uma lista das menores audiências. Muitos desses títulos, apesar dos problemas, foram campeões de Ibope em seus horários.
Confira:
1 – Supermanoela (1974)
A atriz Marília Pêra – que vivia a protagonista Manoela – se aborreceu tanto com esse trabalho que só aceitou voltar às novelas treze anos depois (Brega e Chique, em 1987).
A atriz declarou em entrevista: “Depois de estar fazendo a quarta novela (seguida) eu estava cansada. Avisei ao Boni e ao Daniel (Filho) que eu estava estressada. Chegou um momento em que eu não conseguia mais decorar o texto”.
Para diminuir o ritmo de trabalho de Marília, o núcleo dos quatro rapazes vestibulandos da história (vividos por Carlos Vereza, Antônio Pedro, Carlos Alberto Riccelli e Fausto Rocha Jr.) ganhou o foco na trama. Ainda um dissabor extra: os atores Carlos Alberto Riccelli e Carmem Monegal (na época casados) pediram rescisão de contrato por não concordarem com o texto.
2 – Cuca Legal (1975)
Os telespectadores torceram o nariz, trocaram de canal e a novela foi encurtada. Oswaldo Loureiro, o diretor, declarou em entrevista à Revista Amiga, em junho de 1975:
“‘Cuca Legal‘ nasceu, cresceu e se perdeu. Uma ideia que tinha tudo para ser abordada da melhor forma possível, acabou se diluindo e prejudicando a consistência da história (…) As condições de que dispúnhamos eram as mais precárias possíveis. (…) A falta de condições de ‘Cuca’ acelerou esse processo de degeneração da novela, tornando-a alvo de críticas à sua monotonia e repetição”.
3 – Pecado Rasgado (1978-1979)
Considerada um mico pelo próprio autor, Silvio de Abreu, em sua estreia na Globo. Ele queria uma coisa e o diretor Régis Cardoso queria outra. O desentendimento foi inevitável. Silvio, então um novato, teve que acatar o diretor e acabou pedindo demissão após esse trabalho.
Para o livro “A Seguir Cenas do Próximo Capítulo” (de André Bernardo e Cintia Lopes), Silvio afirmou que “o diretor, além de ficar contra o texto, também fez com que os atores tivessem a mesma opinião.” Em outra oportunidade, ele comentou sobre as dificuldades que passou com a novela:
“Foram muitas, a começar pelo estilo que eu estava querendo implantar em novelas, que privilegiava a comédia em detrimento do romance (…) Tudo era muito novo e assustou o conservadorismo da emissora e do público. Para mim, foi uma novela sem graça e desinteressante, que desperdiçou vários talentos e resultou no meu pedido de demissão da Rede Globo, jurando que nunca mais escreveria uma novela. (…) A Globo nunca reclamou da novela, mas eu via que a repercussão era insignificante. (…) Acho que minha falta de experiência, na época, foi a grande responsável por este mico em minha carreira”.
4 – Os Gigantes (1979)
Tachada de depressiva, a novela se tornou uma das mais polêmicas da história da TV. O clima excessivamente passional provocou o desinteresse no público, a exaustão do autor Lauro César Muniz e a sua demissão.
Na biografia “Lauro César Muniz Solta o Verbo” (de Hersch W. Basbaum), ele contou que, para piorar, a atriz Dina Sfat (que vivia a protagonista da trama) tornou notório o descontentamento com a novela e os dois chegaram a romper publicamente.
Lauro, por sua vez, também deu declarações aos jornais externando sua decepção com os rumos que a novela tomara. Afirmou ainda que sua demissão foi inevitável. Benedito Ruy Barbosa foi então convocado para terminar “Os Gigantes“. Porém, em solidariedade ao amigo, negou-se a concluir a trama e entregou sua própria carta de demissão (também estava desgostoso com a emissora).
5 – O Amor é Nosso! (1981)
Guilherme Bryan e Vincent Villari narram no livro “Teletema, a História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira”:
“Era uma novela sob medida para a promoção de Fábio Jr, que, além de interpretar o protagonista Pedro – um jovem cantor, carismático e querido pelas mulheres, em busca do sucesso -, também estrelava a abertura e cantava a música-tema, ‘Eu Me Rendo’, de Sérgio Sá (…). E o disco ainda traz a imagem de Fábio na capa (numa época e que isso era incomum), um pôster do ator-cantor e um prospecto: ‘aguardem para julho o novo e sensacional LP de Fábio Jr’. Uma aposta pesada na carreira do astro, que, como sabemos, obteve grande sucesso, mas não por causa dessa novela”.
Fábio Jr. foi o protagonista dessa trama (escrita por Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho) que confundiu o telespectador, afastando-o e tornando esta outra das produções mais problemáticas da TV.
Reza a lenda que a emissora teria apagado todas as fitas da novela, sobrando apenas a abertura e algumas chamadas de estreia. Providencialmente, Walther Negrão foi escalado para dar continuidade à história. Mas restava pouco por fazer.
6 – De Quina Pra Lua (1985-1986)
Primeira experiência de Alcides Nogueira como autor titular, a partir de uma sinopse de Benedito Ruy Barbosa. De acordo com o livro “Memória da Telenovela Brasileira” (de Ismael Fernandes), decepcionante atração das 18 horas, uma história inconsistente e mal conduzida pelo autor, que pecava também pelo elenco mal escalado e irregular. Um escorregão extra: o dramaturgo Aziz Bajur acusou Alcides de plágio, vendo na trama central várias coincidências com sua peça teatral “Velório à Brasileira“.
Alcides Nogueira comentou em entrevista ao blog “Eu Prefiro Melão” (de Vitor de Oliveira):
“(…) o estresse provocado pelo Benedito, que tendo entregado a sinopse a mim, continuava me telefonando todo dia, para reclamar disso e daquilo. Quando cheguei ao capítulo 60, não tive dúvida: fui para o Rio, procurei o Dias Gomes e disse que estava entregando a novela. Houve uma reunião difícil, complicada. (…) Aí, o grande amigo Walther Negrão entrou na jogada. Não para escrever, mas para ficar comigo, com toda a sua experiência. E o Benedito parou de me perturbar. Em tempo: tenho enorme respeito pelo Benê, mas ele estava atravessando uma péssima fase, e não deveria ter feito isso comigo. Acho que ele nem se lembra mais dessa história, e é bom“.
7 – De Corpo e Alma (1992-1993)
A movimentação maior foi chocante e misturou ficção com realidade: a morte da jovem atriz Daniela Perez, filha da autora Glória Perez, assassinada pelo seu colega de elenco Guilherme de Pádua e pela mulher dele, Paula Thomaz, na noite do dia 28 de dezembro de 1992.
Os dois interpretavam um casal romântico da novela: Yasmin e Bira. Mesmo abatida pela tragédia, Glória conduziu a história até o fim e aproveitou para incluir dois assuntos polêmicos na trama relacionados ao crime: a morosidade da Justiça e a inadequação do Código Penal.
O assassinato da atriz também teve repercussão em outros países, como os Estados Unidos (onde foi noticiado pela CNN), Portugal e China.
Ao final do primeiro capítulo sem Daniela, os atores e o diretor Fábio Sabag prestaram uma homenagem à atriz com depoimentos gravados, e a história prosseguiu. A saída de Yasmin da novela foi explicada com uma viagem de estudos (a personagem era dançarina). Já o personagem de Guilherme de Pádua simplesmente deixou de existir.
8 – Vira-lata (1996)
Falhas no texto e no seguimento da ação dos personagens acabaram cansando o telespectador. “Errei coisas no texto, na escalação e o Jorginho (Fernando, o diretor) errou na mão, apesar de eu admirá-lo muito. Foi uma comunicação ruim“, comentou o autor Carlos Lombardi.
Uma superexposição do corpo e um grande troca-troca de casais, em um horário tradicionalmente familiar, chocaram telespectadores pelas cenas apelativas, como as da infidelidade do personagem de Murilo Benício com a empregada diante das próprias filhas, com um certo erotismo vulgar.
Lombardi mudou os rumos do triângulo amoroso central devido ao afastamento temporário de Andréa Beltrão, por problemas de saúde. Para complicar, faltava a Andréa a empatia necessária junto ao público. A saída foi modificar a trama o mais rápido possível para tentar salvá-la do fracasso total.
“A novela só subiu quando peguei uma atriz coadjuvante e falei: esta é a mocinha da história”, relembrou o autor citando Carolina Dieckmann. Outro agravante: Glória Menezes, que vivia uma personagem importante, pediu para sair da novela. O jeito foi substituir sua personagem por uma nova, vivida por Susana Vieira.
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9 – As Filhas da Mãe (2001-2002)
A audiência abaixo da esperada fez com que a novela fosse encurtada. Silvio de Abreu, o autor, comentou:
“Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. Não sabem o que é Oscar, Hollywood ou transexual, não têm referências, e, mesmo que eu explicasse, continuariam não entendendo. Não há compreensão intelectual, só emocional. Acharam bonita a relação da Ramona (Cláudia Raia) com o Leonardo (Alexandre Borges), mas não entenderam o preconceito dele que impedia o romance!”.
E justificando a não aceitação do público: “E houve outro problema: a novela competia com programas policiais e, no segundo dia de veiculação, a filha do Silvio Santos foi sequestrada. O povo não tinha paciência de esperar o ‘Jornal Nacional‘ e migrou para outros canais. Achavam que, mesmo que ficassem uma semana sem assistir à novela, continuariam entendendo, como sempre acontece. Depois, veio a Semana da Pátria, época em que, historicamente, a audiência cai. A terceira semana começou bem, mas aí aconteceu o atentado ao World Trade Center [11 de setembro de 2001]. Quando o telespectador se voltou para a novela, não entendeu nada”.
10 – Bang Bang (2005-2006)
Com uma proposta “diferente e inovadora”, do autor Mário Prata, a novela não cativou o público, o que refletiu-se nos números de Ibope, considerados baixos para o horário. Entre os vários problemas apontados, o principal foi que a obra não era um folhetim tradicional, com vilãs muito más, mocinhas muito boas e romances melados.
Com uma história que misturou trama cult, passada no faroeste, com homenagem aos Beatles e animações japonesas, a novela testou uma nova linguagem, com enredo confuso para parte do público.
Em uma pesquisa encomendada pela emissora, as piadas com referências aos anos 1960, os nomes difíceis dos personagens (em inglês) e o ritmo lento da história foram apontados como problemas pelos telespectadores.
Com a queda da audiência o público pôde perceber uma diminuição na duração dos capítulos que, dos habituais 55 minutos, passaram para 45. Essa foi uma estratégia da emissora para reduzir o impacto do problema que a trama enfrentou.
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11 – Tempos Modernos (2010)
A novela começou com promessas de modernidade (como sugere o título) e ares de inovação em estrutura dramatúrgica, vistos em sequências e diálogos ágeis e em tons irônicos. O autor, Bosco Brasil, propunha uma mistura de futurismo (o edifício Titã, o robô Frank e a figura mecanizada da vilã interpretada por Grazi Massafera) com tons farsescos e quase caricatos (como os personagens do núcleo da Galeria do Rock). Mas a audiência não seguiu a ideia.
Em pouco tempo, os ajustes feitos mudaram substancialmente a novela. Personagens saíram de cena e outros tiveram seus perfis alteradas. O robô Frank foi desligado, deixando de ser o elo entre o mundo atual e o futurista que a trama propunha, e a personagem de Grazi deixou de ser uma figura robótica para ganhar ares mais humanos.
O autor também investiu mais no melodrama, visando chamar audiência. Entretanto, pouco resultado surtiu e a novela terminou com um dos menores Ibopes para o horário até então, sendo lembrada até hoje como um problemão para a Globo.
12 – Além do Horizonte (2013-2014)
Começou com ares de inovação, porém os mistérios (lembrava seriados americanos do gênero) e a subjetividade (a busca da felicidade) afastaram o público, não acostumado com esse tipo de abordagem às sete horas. A chegada do Horário de Verão ainda fez despencar a audiência.
Para diminuir o impacto, os autores (Carlos Gregório e Marcos Bernstein) fizeram grandes mudanças na trama. Os mistérios nebulosos foram abandonados e ficou claro para o público do que a história se tratava. Carregou-se no romance, no humor e a novela foi transformada de uma trama de suspense em uma trama policial.
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13 – Geração Brasil (2014)
Decepcionou-se quem esperava um novo mega sucesso ao estilo de Cheias de Charme (2012), o trabalho anterior dos autores, Filipe Miguez e Izabel de Oliveira. A novela estreou com promessa de ações de transmídia, interatividade com o público e repercussão nas redes sociais.
Pretensiosa, ao tentar dialogar com o tradicional e variado espectador do horário, falhou ao mirar demasiadamente em tecnologia: arregimentou os mais jovens e antenados, mas desprezou aqueles que não ligam para o assunto. Prometia agradar a todos, mas acabou revelando-se uma “novela de nicho”, centrada demais na tecnologia e no universo corporativo.
A Globo a lançou antes de começar a Copa do Brasil como que para estancar a baixa audiência registrada pela produção anterior, Além do Horizonte, e para segurar, durante o período, o novo público que fosse levantar.
Mas a novela acabou prejudicada pela Copa e, mais tarde, pelo Horário Político, que alteraram a grade da emissora. A audiência despencou: a média final no Ibope da Grande SP fechou em 19 pontos, a menor da história do horário das sete da Globo. Bem longe dos 30 pontos de Cheias de Charme.
14 – Babilônia (2015)
Os autores (Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga) pesaram a mão nas temáticas abordadas, provocando e assustando o público mais tradicional.
De cara, sem aviso prévio, um beijo carinhoso e demorado entre as lésbicas vividas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Também violência doméstica e assassinato. Para piorar, políticos da ala conservadora e líderes religiosos demonstraram publicamente repúdio à trama da novela, o que desencadeou uma campanha contra.
Babilônia revelou um roteiro inconsistente, sem apelo. Não havia na trama central um conflito romântico forte ou personagens pelos quais o público pudesse torcer. Apenas duas vilãs em uma briga de gato e rato e uma mocinha chata.
Os autores se mobilizaram para tentar consertar a novela e conter a queda da audiência. Entretanto as alterações descaracterizaram os perfis de vários personagens. Tanto se mexeu que a novela se transformou em um remendo só, com tramas alinhavadas às pressas e personagens mal costurados e descaracterizados.
15 – O Sétimo Guardião (2018-2019)
O máximo de repercussão dessa novela de Aguinaldo Silva não dizia respeito à trama, mas aos seus conturbados bastidores, que fomentaram revistas e sites de fofocas. Antes da estreia, um ex-aluno do autor reivindicou a coautoria do texto, já que a sinopse havia sido desenvolvida coletivamente, caso que foi parar na Justiça. Um desacerto entre a proposta do roteiro e a concepção artística da direção refletiu-se na produção e afastou o público.
Ainda desentendimentos entre atores, que vazaram para a imprensa, e a fofoca do caso de uma atriz com um ator casado, que criou nos bastidores uma novela paralela, apelidada pejorativamente de Surubão de Noronha. O Sétimo Guardião culminou com o fim do contrato exclusivo que Aguinaldo Silva tinha com a TV Globo, em janeiro de 2020, depois de 41 anos de serviços prestados à emissora.
Que tal engrossar essa lista? A Lei do Amor, Em Família, Guerra dos Sexos (o remake), Negócio da China, Esperança, Suave Veneno, Meu Bem Querer, Pecado Capital (o remake), Pátria Minha, O Mapa da Mina, Mico Preto, Brilhante, Sem Lenço Sem Documento…