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O autor escreve, o diretor dirige e o ator interpreta. Para concretizar o que o autor imaginou, é um longo percurso. Neste ínterim, existe a figura do diretor, que precisa captar perfeitamente a ideia do autor para transformar a sua história em movimento tal qual foi concebida. Porém, nem sempre os trabalhos correm de forma harmônica.
Relaciono 10 novelas com desentendimentos entre autores e diretores que, às vezes, prejudicaram o bom andamento de suas produções.
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América (2005)
Os desentendimentos e a incompatibilidade de ideias entre a autora Glória Perez e o diretor de núcleo Jayme Monjardim provocaram o desligamento do último. Decorridos 25 capítulos no ar e 38 gravados, a direção passou a ser comandada por Marcos Schechtman e o núcleo, pelo então diretor artístico Mário Lúcio Vaz.
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Os problemas de relacionamento ocorreram desde antes da estreia, quando Glória e Jayme não chegavam a um consenso sobre os intérpretes ideais para os protagonistas Sol e Tião. Jayme queria Camila Morgado e Marcos Palmeira. Glória, Deborah Secco e Murilo Benício, e acabou vencendo, ao ceder à vontade do diretor em outras questões da novela.
Glória Perez desabafou em depoimento a Flávio Ricco e José Armando Vannucci para o livro “Biografia da Televisão Brasileira”:
“Na escrita, [a protagonista Sol] era uma mulher forte, cheia de gás, e na tela estava sempre chorando. O ajuste foi necessário para levar ao ar a história como ela estava sendo contada nos capítulos”.
Com a saída de Monjardim, a trilha sonora e a abertura mudaram. O diretor musical Marcus Viana foi afastado e as bucólicas trilhas incidentais foram substituídas por músicas mais alegres e populares. Uma nova abertura foi providenciada, com uma seleção de imagens mais dinâmica e cores mais claras. Saiu a contundente música “Órfãos do Paraíso” e, em seu lugar, entrou a alegre “Soy Loco Por Ti América”, gravada por Ivete Sangalo, uma cantora popular.
Esperança (2002-2003)
Atrasos na entrega dos capítulos acarretaram uma crise nos bastidores da novela. A saída da Globo foi afastar o autor Benedito Ruy Barbosa e entregar a roteirização a Walcyr Carrasco, cuja missão era regularizar a entrega de textos à produção. Para isso, o novo autor mexeu bastante na trama: criou novos entrechos, incluiu novos personagens, mudou a personalidade de alguns.
Entretanto Benedito não gostou dos rumos que Carrasco deu à sua obra. Em entrevista ao livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, desabafou:
“Quando ele assumiu a novela, deixei de assistir. Se visse, queria bater nele. Na época, liguei para o Mário Lúcio Vaz [então diretor artístico da Globo] e disse ‘avisa o Walcyr que quando eu encontrar com ele, eu vou dar porrada, entendeu?’ Ele simplesmente acabou com minha novela. Não terminou como eu queria. Depois, mandou uma carta pedindo desculpas”.
Cavalo de Aço (1973)
Problemática novela de Walther Negrão, seu único trabalho no horário das oito da Globo. A trama começou discutindo reforma agrária, mas a Censura Federal proibiu o tema. Depois o texto começou a desenvolver uma campanha antitóxico com o aval do governo, que por fim achou melhor proibir a veiculação do assunto.
Daniel Filho, então supervisor de dramaturgia da Globo, afirmou em sua biografia “Antes que me Esqueçam” que desafiou o autor a aumentar a audiência da novela, caso contrário ela seria encurtada:
“A novela ia tão mal que, quando estava no capítulo 90, cheguei para o Negrão e disse que a novela ia acabar no capítulo 100. Então o que ele fez foi liquidar todas as histórias paralelas até chegar à história central. No dia em que ele matou o Sr. Max, chamei-o e disse que a novela ia ter mais 50 capítulos. No fim Cavalo de Aço teve 170 capítulos, ficando 8 meses no ar. Mas Negrão teve que continuar a novela com o ‘quem matou quem’”.
Sem citar nomes, Negrão queixou-se ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia” do diretor da novela, de que ele fazia algo diferente do que escrevia:
“Eu escrevia uma história, o diretor mostrava outra. Como ele tinha mais acesso aos atores, o elenco ia pela cabeça dele, ficando contra mim. Virou uma guerra. Isso me deixava desencantado. Muitas vezes, não era a história que eu havia escrito”.
Cavalo de Aço foi dirigida por Walter Avancini com o auxílio de David Grimberg.
Pecado Rasgado (1978-1979)
Estreia de Silvio de Abreu na Globo como autor de novelas, esta não é uma boa lembrança para ele, que não conseguiu se entender com o diretor Régis Cardoso. Sua reclamação maior era de que escrevia uma comédia e Régis dirigia um drama. O resultado afetou o bom andamento da novela e culminou com o pedido de demissão de Silvio.
Para o livro “A Seguir Cenas do Próximo Capítulo” (de André Bernardo e Cintia Lopes), Silvio afirmou que o diretor, além de ficar contra o texto, também fez com que os atores tivessem a mesma opinião.
Em seu livro “No Princípio Era o Som”, Régis Cardoso descreveu a situação em que parte dos atores se rebelou contra Silvio de Abreu. De acordo com o diretor, tudo começou com o atraso do autor em entregar os roteiros, o que teria gerado más condições para o elenco durante gravações em um navio:
“O elenco se rebelou, veio falar comigo e eu fiz ver a eles que toda a culpa daquela improvisação era do atraso da entrega dos capítulos. Eles, então liderados pelo Rogério Fróes, fizeram um abaixo-assinado e enviaram para o então diretor do departamento de novelas. (…) Ele me pediu que fizesse um memorando relatando o acontecido. Fiz e recebi de volta uma acusação de Silvio de que ele escrevia uma novela cômica e eu a teria transformado num drama. Imaginem vocês!”.
Olhai os Lírios do Campo (1980)
Adaptação do famoso romance de Érico Veríssimo para a faixa das 18 horas, único trabalho do novelista Geraldo Vietri na Globo, egresso da TV Tupi, onde realizou novelas de grande sucesso e importância para a televisão brasileira.
A fragilidade no texto criou um impasse entre produção e autor, pondo em choque os estilos controladores de trabalho do diretor Herval Rossano e do autor Geraldo Vietri – que na Tupi dirigia as próprias novelas que escrevia.
Vietri não suportava interferências, que o capítulo não fosse ao ar do jeito e na ordem que escrevera, e outros detalhes típicos de quem comandou tantas novelas com mão de ferro. Herval começou a eliminar algumas cenas, trocar outras de ordem e a situação entre autor e diretor foi se complicando. Os capítulos começaram a atrasar.
Com relações desgastadas, o resultado foi a dispensa de Vietri pela Globo antes do término da novela. Para a revista Amiga, o autor declarou, na época:
“Infelizmente fui obrigado a abandonar a emissora e deixar meu trabalho pela metade. Sinto muito tudo isso que aconteceu pois, para mim, era importante este trabalho. Nunca tinha feito nada na Globo e estava me dedicando de verdade, mas não deu para continuar”.
Com a audiência aquém da esperada e a demissão do autor, um novo roteirista foi convocado para concluir os trabalhos: Wilson Rocha. No ano seguinte (1981), foi a vez de Rocha padecer com o diretor Herval Rossano, enquanto escrevia a novela As Três Marias: também se desentenderam e acabou substituído (por Walther Negrão).
Roque Santeiro (1985-1986)
Dias Gomes chamou Aguinaldo Silva para ser coautor da novela. Dos 209 capítulos, Dias escreveu os 51 iniciais e os 48 finais. Aguinaldo escreveu o miolo, que totalizou 110 capítulos.
Apesar de dividirem a autoria, Dias e Aguinaldo acabaram tornando público os ciúmes pelos louros do sucesso de Roque Santeiro. No período em que esteve ausente da novela, Dias teria se irritado com a exposição de Aguinaldo na mídia por causa deste sucesso.
A menos de dois meses do fim da trama, o choque entre os autores se agravou e a Globo teve de intervir. Eles disputavam direitos autorais. Porém, mais do que lucros, o que cada um queria era reivindicar para si a paternidade do sucesso.
Primeiro Dias enviou uma carta a Boni, reivindicando os direitos sobre sua obra. Depois foi Aguinaldo quem enviou uma carta, revidando. Seu tom foi duro:
“Nesse instante, do que estou mais precisando é de incentivos, e não que venha alguém minimizar o meu trabalho”.
Os autores ficaram sem falar e só voltaram a ter contato em 1999, pouco antes da morte de Dias Gomes.
Aguinaldo Silva revelou a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”:
“O que ele queria era escrever o final da novela. Na ocasião, ele chegou a pedir que eu desse uma declaração à imprensa de que eu estava saindo da novela como uma forma de homenageá-lo. Naquele momento eu percebi que, se eu fizesse isso, estaria me condenando a ser eternamente o segundo, um autor secundário (…) Foi quando virei a mesa. Saí, mas disse a verdade: que o Dias estava apenas interessado em escrever o final de Roque Santeiro”.
De Quina Pra Lua (1985-1986)
Decepcionante atração das 18 horas da Globo, marcada pela baixa audiência, reflexo da trama fraca e inconsistente. Era a primeira novela solo de Alcides Nogueira, escrita a partir de uma sinopse de Benedito Ruy Barbosa. Nogueira narrou ao blog “Eu Prefiro Melão” sobre as dificuldades de lidar com Benedito, que ficava lhe ligando para cobrar um melhor desempenho em sua história:
“(…) o estresse provocado pelo Benedito, que tendo entregado a sinopse a mim, continuava me telefonando todo dia, para reclamar disso e daquilo. Quando cheguei ao capítulo 60, não tive dúvida: fui para o Rio, procurei o Dias Gomes e disse que estava entregando a novela. Houve uma reunião difícil, complicada. (…) Aí, o grande amigo Walther Negrão entrou na jogada. Não para escrever, mas para ficar comigo, com toda a sua experiência. E o Benedito parou de me perturba”.
O Outro (1987)
Aqui houve um entrevero entre os diretores. Como se não bastasse a novela de Aguinaldo Silva ter ficado marcada pelo processo de plágio que perdeu, os bastidores revelaram-se problemáticos muito antes da celeuma com a Justiça.
O então diretor de núcleo do horário das 20 horas, Paulo Afonso Grisolli, não aprovou as primeiras cenas gravadas pelo diretor inicialmente escalado, Marcos Paulo, devido à falta de qualidade técnica e inadequação dos figurinos. Nos bastidores, comentava-se que a falta de qualidade das cenas devia-se à má vontade de Marcos com a produção.
Grisolli acabou substituindo-o por Gonzaga Blota. Com a saída de Marcos Paulo, as gravações foram suspensas e todas as cenas refeitas por Blota. O próprio Grisolli chegou a dirigir algumas sequências.
O diretor geral Gonzaga Blota, contudo, não foi até o final. Ricardo Waddington o substituiu, mas, depois de um tempo, deixou a novela nas mãos de Del Rangel para cuidar da próxima novela do horário, Mandala. Pela direção de O Outro, passaram também Fred Confalonieri, Ignácio Coqueiro e o ator José de Abreu, que já estava no elenco da novela.
Na época de sua saída, Marcos Paulo alegou cansaço. Porém, um mês depois, ele entrava para o elenco de Brega e Chique, a nova atração das 19 horas, como ator. Aguinaldo Silva chegou a criar um personagem especialmente para Marcos Paulo, mas foi recusado: Gabriel, que acabou interpretado por Herson Capri.
Irmãos Coragem, o remake (1995)
Regravação do clássico de Janete Clair que teve Dias Gomes comandando a atualização, a cargo de Marcílio Moraes, Margareth Boury e Antônio Mercado. A direção geral começou com Luiz Fernando Carvalho, famoso pelos cuidados estéticos na narrativa audiovisual.
Dias Gomes considerou que Luiz Fernando alterou a linguagem e o ritmo da história, cuja manutenção era um dos pilares do trabalho de atualização. Os desentendimentos levaram ao afastamento do diretor, após cerca de um mês de novela no ar, e sua substituição por Reynaldo Boury.
A saída de Luiz Fernando Carvalho antes do fim já estava prevista, mas foi antecipada. O diretor estava escalado para a próxima produção das 20 horas, O Rei do Gado.
De acordo com o livro “Biografia da Televisão Brasileira” (de Flávio Ricco e José Armando Vannucci), Luiz Fernando Carvalho foi afastado a pedido de Dias Gomes, totalmente insatisfeito com a estética adotada. Em depoimento ao livro, Marcílio Moraes, um dos roteiristas, declarou:
“Ele não compreendeu a profundidade da dramaticidade de Janete Clair e apostou em imagens escuras. Ficou parecendo uma novelinha água com açúcar e, ao mesmo tempo, arrastada”.
Sangue do Meu Sangue (1995-1996)
Remake, produzido pelo SBT, da novela que Vicente Sesso escrevera para a TV Excelsior nos anos 1960. A baixa audiência provocou a insatisfação da emissora, enquanto Vicente Sesso, pai da obra original, ficou insatisfeito com a adaptação, a cargo de Rita Buzzar e Paulo Figueiredo. Sesso chegou a ameaçar o SBT de que recorreria à Justiça para tirar a trama do ar caso a emissora não fosse fiel ao seu texto.
A briga acabou na imprensa: “A Rita Buzzar disse que eu era a Magadan, não trabalhava há muito tempo e estava querendo aparecer. A novela está sendo escrita fora de ordem, e eles estão tentando salvar a história na edição”, reclamou Sesso.
Buzzar, antes de se desligar do texto da novela, rebateu as críticas de Sesso, declarando que foi necessário reescrever os capítulos, uniformizar perfis de personagens irregulares no original e corrigir erros históricos.
Sesso assumiu o texto do remake. Porém, suas mudanças em nada melhoraram a audiência da novela. Ao contrário, os índices, que vinham se mantendo em torno dos 9 pontos, caíram para 5 a partir dos primeiros capítulos reescritos.
Na reta final, o ator Osmar Prado saiu em defesa dos adaptadores atacando Sesso:
“A emissora quer resultados e infelizmente caiu no conto que esse senhor irresponsável e inescrupuloso vem propagando na imprensa. (…) Sesso simplesmente arrasou a produção, desde o início. Foi muito deselegante com atores e adaptadores. Se ele quisesse de fato cooperar, não agiria de forma tão leviana. Deixou claro que, na hora em que vendeu os direitos da história ao SBT, não soube negociar sua participação e depois saiu resmungando”.