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Cara e Coragem, a atual novela das sete da Globo, não tem empolgado a audiência. Uma das razões pode ser a emaranhada trama policial, um tanto confusa, que afugenta o tradicional público da faixa, mais afeito a comédias românticas ou pastelão.
A emissora já acertou ao subverter fórmulas de dramaturgia, como Que Rei Sou Eu?, em 1989. Mas também já escorregou e arrependeu-se. Eu – particularmente – gosto de ousadias. Porém, convenhamos, nem sempre funcionam.
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Relaciono 10 ousadas novelas das sete que deram dor de cabeça à Globo.
Deus Salve o Rei (2018)
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Uma das novelas mais pretensiosas já produzidas pela Globo. A ideia era mirar o público de séries medievais, como Game of Thrones e Vikings, ainda em voga. E um público certo, o jovem, de maneira premeditada: arregimentando os milhões de fãs que o trio Bruna Marquezine, Marina Ruy Barbosa e Tatá Werneck tem nas redes sociais.
Para tanto, a Globo arriscou ao deixar de lado a tradicional fórmula que ela mesma perpetuou para as novelas das sete: a comédia, romântica ou de costumes. Deus Salve o Rei seguiu uma linha soturna, na trama, na estética e na interpretação dos atores. Foi tudo vários tons acima: a impostação nas falas, a solenidade nos gestos, a sobriedade dos ambientes, etc.
Deus Salve o Rei foi uma aposta que teria resultado em uma grande tragédia, não fosse a direção (da novela e da emissora) entender os caminhos equivocados e tomar rapidamente decisões para voltar atrás.
Sem Lenço Sem Documento (1977)
Uma novela sem um casal protagonista – prática das comédias românticas das sete na década de 1970. A proposta do autor Mário Prata era abordar vários temas, sem personagens principais. Havia as tramas das irmãs empregadas domésticas, outra ousadia, já que a classe pouco havia sido retratada em teledramaturgia.
Não deu certo. A novela amargou audiência aquém da esperada na época. “Um contraste temático que desafiou o autor e aborreceu o público”, definiu Ismael Fernandes no livro “Memória da Telenovela Brasileira”.
Chega Mais (1980)
Os autores Carlos Eduardo Novaes e Walther Negrão conseguiram, com uma certa artimanha, fazer uma novela de crônica. Talvez, pela proposta sofisticada, não tenha tocado o grande público.
Não havia um vilão na trama, todos os personagens tinham aspectos bons e maus. O tom era de humor ácido, às vezes escrachado e nonsense, o que fez com que Chega Mais fosse considerada uma antinovela, por fugir do habitual modelo água-com-açúcar do horário das sete, o padrão da época.
O Amor é Nosso! (1981)
Começou escrita por Wilson Aguiar Filho e Roberto Freire – este último, psiquiatra e jornalista que já havia escrito novelas, autor da ideia original. A inovação estava em relatar os problemas da juventude (em uma época em que não existia Malhação). Freire comentou:
“Vamos ver se desenvolvemos, basicamente, o comportamento do jovem de hoje. Que tipo de amor é esse que existe na juventude, que propostas ela traz? Evidente que tudo isso dentro dos limites do horário e da televisão. São situações muito críticas e muito novas, que precisam ser tratadas de maneira correta.”
Entretanto, a proposta resultou em um fracasso retumbante que tornou-a uma das produções mais problemáticas da história da Globo. Reza a lenda que a emissora apagou as fitas da novela, sobrando apenas a abertura e chamadas de estreia. A partir do capítulo 80, Walther Negrão foi acionado para dar continuidade à história, porém, restava pouco para salvar.
Mico Preto (1990)
A narrativa privilegiava o tom cômico, cínico e debochado. Euclydes Marinho – que a escreveu com Marcílio Moraes e Leonor Bassères – afirmou ao livro “Autores” (do Projeto Memória Globo) que “Mico Preto era uma novela sem pé nem cabeça, embora divertida de fazer, com personagens muito engraçados.”
Miguel Falabella (do elenco) a descreveu como um produto transgressor, em que os atores, inclusive, tinham liberdade para improvisar diálogos e criar personagens. O ator acredita que Mico Preto seja uma gênese do humorístico Sai de Baixo, do qual participou.
“Houve tudo o que se pode imaginar. Um dia eu disse: ‘Vou fazer essa cena toda em inglês’. Fiz e foi ao ar! (…) Nós até inventamos uma personagem que não existia. (…) Era uma maluquice. Ninguém se entendia: o público não entendia e a gente também não.”
As Filhas da Mãe (2001-2002)
A proposta era misturar farsa e chanchada a uma narrativa folhetinesca e contar a história de uma maneira próxima ao que seria um cordel sulista-paulistano – ou “sudestino”. Para isso, um rap, composto especialmente de acordo com o que acontecia nos capítulos, unia e explicava ações e acontecimentos.
O autor Silvio de Abreu acreditou que isso daria um ar novo para o formato e que o público se divertiria com essas novas possibilidades. Apesar da proposta inovadora, a audiência ficou muito abaixo da esperada, fazendo com que a trama fosse encurtada. O diretor Jorge Fernando explicou:
“Nós queríamos amarrar, pelo rap, cinco sitcoms distintas com duas estrelas cada. Mas o público sentiu falta de uma história central. E também não entendiam o humor. (…) Quando chegou a pesquisa, vimos que o público achava agressivo.”
Silvio de Abreu queixou-se (ao TV Folha) que o público não entendia sua novela:
“Eu queria fazer algo mais sofisticado. As pesquisas mostraram que o público não entendia nada da novela. Nem mesmo percebia que era uma comédia. Eles enxergavam como drama. (…) Não há compreensão intelectual, só emocional.”
Bang Bang (2005)
A novela não conseguiu cativar o público, fato refletido nos números de Ibope, considerados baixos para o horário. Baseada nos clássicos do western norte-americano, Bang Bang começou escrita por Mário Prata, que, afastado, foi substituído por Carlos Lombardi. Ao livro “Autores” (do Projeto Memória Globo), o novo autor comentou:
“Bang Bang era uma novela altamente experimental (…) era uma paródia. Todo mundo sabia que era um projeto ousado. E tinha virado um projeto ousado sem dono. Quer dizer, quando o Prata saiu, a novela perdeu a personalidade. (…) Fiz a minha parte. Mas foi um dos trabalhos mais difíceis da minha vida.”
A principal razão pela trama não ter emplacado foi o fato de não ser um folhetim tradicional, com vilãs muito más, mocinhas muito boas e romances melados. Com uma história que misturou trama cult passada no faroeste, com homenagem aos Beatles e animações japonesas, a novela testou uma nova linguagem, com enredo confuso para parte do público.
Tempos Modernos (2010)
A novela começou com promessas de modernidade (como sugeria o título) e ares de inovação em estrutura dramatúrgica, vistos em sequências e diálogos ágeis e em tons irônicos. O autor Bosco Brasil propunha uma mistura de futurismo – o “edifício inteligente”, o computador-robô e a figura fria e mecanizada da vilã (Grazi Massafera) – com tons farsescos e quase caricatos – como os personagens do núcleo da Galeria do Rock.
Entretanto, a audiência não seguiu a ideia. Ajustes feitos pelo autor mudaram substancialmente a novela. Contudo, surtiram pouco efeito e Tempos Modernos terminou com audiência baixa, massacrada pela crítica e opinião pública, e sendo lembrada, até hoje, como um problemão para a Globo.
Além do Horizonte (2013-2014)
Começou com ares de inovação: trama cheia de mistérios – que lembrava seriados americanos do gênero, notadamente Lost, em especial pela ambientação em uma ilha misteriosa – e subjetiva demais (a busca da felicidade) que afastou o público não acostumado a esse tipo de abordagem na faixa das 19 horas.
Para diminuir o impacto, os autores Carlos Gregório e Marcos Bernstein fizeram mudanças na trama. Os mistérios foram abandonados e ficou claro para o público do que a história se tratava. Carregou-se no romance (inclusive rearranjando casais românticos), no humor e a novela foi transformada de uma trama de suspense em uma história policial.
Geração Brasil (2014)
Retorno da dupla de autores Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, do sucesso Cheias de Charme (2012). Entretanto, decepcionou-se quem esperava um novo sucesso. Um dos vilões pode ter sido a expectativa do público e a responsabilidade dos autores de repetirem um novo êxito ante essa expectativa. A novela estreou com promessa de ações de transmídia, interatividade com o público e repercussão nas redes sociais.
Pretensiosa, ao tentar dialogar com o tradicional e variado espectador do horário das sete, Geração Brasil falhou ao mirar demasiadamente em tecnologia: arregimentou os mais jovens e antenados, mas desprezou aqueles que não ligam para o assunto. Prometia agradar a todos, mas acabou revelando-se uma “novela de nicho”, centrada demais na tecnologia e no universo corporativo.