Uma avalanche de imprevistos. Assim pode ser classificada Velho Chico, novela que marcou o retorno de Benedito Ruy Barbosa ao horário nobre da Globo, após 14 anos escrevendo remakes às 18h. A novela – supervisionada pelo autor e escrita pelo neto Bruno Luperi, dirigida por Luiz Fernando Carvalho – terminava há exatamente cinco anos, em 30 de setembro de 2016.

Ao longo de sete meses, foram altos e baixos ao longo de sua exibição, tendo ainda duas tragédias durante o percurso: o falecimento do grandioso Umberto Magnani (vítima de um Acidente Vascular Encefálico) e a morte chocante do protagonista Domingos Montagner, afogado no Rio São Francisco, mesclando duramente ficção e realidade.

O folhetim não estava previsto para o horário das nove e sim para o das seis. Mas, em virtude do imenso fracasso de Babilônia e do medo da emissora em apostar na realidade nua e crua, a obra idealizada por Benedito foi remanejada. O sucesso da reprise de O Rei do Gado no Vale a Pena Ver de Novo também foi primordial para essa mudança brusca comandada por Silvio de Abreu. Com isso, a estreia de A Lei do Amor foi adiada e uma trama rural começou a ser exibida com o intuito de reconquistar a audiência.

A história reuniu absolutamente tudo o que Benedito já contou várias vezes em seus folhetins anteriores: o amor proibido dos herdeiros de famílias rivais, um padre apaziguador, um bar onde todos se reúnem, o coronelismo típico das cidades interioranas e o debate sobre terras.

Entretanto, Luiz Fernando Carvalho (se baseando no êxito de seu trabalho no remake de Meu Pedacinho de Chão) resolveu adotar um toque lúdico no enredo do autor, abusando de momentos poéticos, cenas mais teatrais, metáforas e imagens cinematográficas. Inicialmente, houve um acerto e tanto nesse conjunto, presenteando o telespectador com grandes sequências.

Primeira fase foi impecável

A primeira fase foi impecável. Ambientada por volta do final dos anos 60 e início dos anos 70, a trama tinha um elenco bem enxuto e os acontecimentos do enredo se harmonizavam com a direção. A escalação de Rodrigo Santoro para viver o dúbio Coronel Afrânio foi um dos muitos acertos desse começo, que teve ainda a luxuosa participação de Tarcísio Meira no primeiro capítulo. O show de Selma Egrei como a imponente Encarnação também marcou a fase, assim como as interpretações grandiosas de Fabíula Nascimento, Chico Diaz, Cyria Coentro, entre outros. A atuação de Carol Castro como Iolanda foi primorosa, sendo necessário ainda elogiar a imensa química com Santoro. Renato Góes também brilhou como Santo e a sintonia com Julia Dalavia, intérprete da Tereza, foi visível. O ritmo mais lento, característico em toda trama do autor, conseguiu até ser amenizado pelo conjunto da obra.

Porém, a mudança de fase provocou uma ruptura drástica na harmonização de Velho Chico. Direção e história não caminhavam mais juntas, havendo um estranhamento imediato no figurino dos personagens: todos muito coloridos e alguns ultrapassados, não sendo condizentes com a época da nova ambientação. As vestimentas que provocaram uma maior rejeição foram as de Afrânio, Iolanda e Tereza. O coronel, aliás, foi o foco do maior número de merecidas críticas na segunda fase. Antônio Fagundes não se parecia em nada com Rodrigo Santoro. O físico deles já é bastante diferente, mas se ao menos os trejeitos do papel fossem mantidos daria para amenizar o ‘incômodo’ tranquilamente. Só que nada disso foi feito.

Para culminar, o marasmo se fez presente na novela. A história se arrastava e quase nada acontecia ao longo das semanas. O telespectador podia se dar ao luxo de não assistir a uns 15 capítulos com tranquilidade que não perdia nada de relevante. Não por acaso, a trama do horário nobre obtinha uma audiência menor que Êta Mundo Bom e Totalmente Demais, imensos sucessos das seis e das sete.

Duas dolorosas perdas

A produção contou com as dolorosas perdas de Umberto Magnani, vítima de um Acidente Vascular Encefálico, e Domingos Montagner, que estava arrebatador desde a sua primeira aparição na novela.

Santo era um ótimo personagem e ele vivia um grande momento na carreira, depois de ter arrebatado o telespectador na pele do complexo Miguel em Sete Vidas. O ator havia sido escalado para A Lei do Amor, mas negou gentilmente o convite alegando ter ‘necessidade’ de estar em Velho Chico. Parecia destino mesmo.

Afogado no Rio São Francisco, o intérprete se viu vítima da mesma tragédia que atingiu Santo na ficção. Só que a fantasia foi bem mais benevolente, ao contrário da implacável vida real. O país ficou de luto, perdendo um dos maiores atores da sua geração. Domingos ainda tinha deixado algumas cenas gravadas e todas foram emocionantes, principalmente o acerto de contas entre o patriarca da família Dos Anjos e o coronel Saruê. Sua trajetória foi curta, mas intensa. Um profissional que brilhou do início ao fim da sua participação na história, deixando um legado na televisão, no cinema e no circo.

E a reta final do folhetim apresentou cenas muito tocantes, principalmente por causa da ausência de Domingos. A estratégia do diretor – de transformar uma câmera subjetiva no Santo, fazendo todos os personagens olharem para a tela – serviu para homenagear o saudoso ator e ainda extraiu do elenco momentos repletos de sensibilidade. O último capítulo foi repleto de sensibilidade e poesia.

Velho Chico foi uma novela bastante controversa. Os êxitos e os equívocos se misturaram ao longo de sua exibição, deixando um saldo final mediano – a média de audiência foi de 29 pontos, praticamente empatada com A Regra do Jogo (28,8). Benedito Ruy Barbosa e o neto Bruno Luperi passaram por muitas dificuldades durante os meses de exibição da trama – Edmara Barbosa, filha do autor e coautora, até abandonou o projeto no meio -, mas ao menos conseguiram fechar o ciclo do folhetim dignamente. A produção, que sempre teve um clima meio sombrio, saiu de cena provocando uma certa sensação de alívio geral, pois os problemas e as críticas se fizeram presentes várias vezes e as duas grandes perdas deixaram muita tristeza. A última cena representou um duplo adeus, encerrando a trajetória de um folhetim e de um querido ator.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor