Não adiantou apelar: novela que estreou há 25 anos afundou o SBT
22/02/2022 às 14h00
Em 1996, o SBT ousou enfrentar a Globo com três folhetins. A emissora, que até então exibia uma única novela produzida por aqui, em dois horários distintos, lançou num mesmo dia Colégio Brasil (18h), Antônio Alves, Taxista (20h) e Razão de Viver (21h).
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As duas primeiras, realizadas com parceiros independentes; a terceira, proveniente dos estúdios Anhanguera. A investida, contudo, não surtiu efeito. Pelo contrário: Xica da Silva, o último grande sucesso da Manchete, começou a “beliscar” a vice-liderança do canal de Silvio Santos.
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O “homem do Baú” resolveu então apostar em dois projetos: a refilmagem de Os Ossos do Barão (1973), texto de Jorge Andrade desenvolvido originalmente para a Globo, e a adaptação de Dona Anja, romance de Josué Guimarães.
‘Os Ossos’ ficou a cargo da emissora e de Nilton Travesso, então diretor do núcleo de teledramaturgia do canal. Já ‘Anja’ foi entregue a Roberto Talma (foto abaixo), então atuando em parceria com a JPO, produtora com a qual já havia feito Colégio Brasil.
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Confira abaixo curiosidades sobre a mal-sucedida trama, que estreou em 9 de dezembro de 1996:
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– Para adaptar a obra que sugeriu ao SBT, Talma recrutou Yoya Wursch, também responsável por ‘Colégio’. E a estreante Cristianne Fridman (foto abaixo), que, após anos como colaboradora na Globo, fez carreira na Record – Bicho do Mato (2006), Chamas da Vida (2008) e Vidas em Jogo (2011), entre outras.
– As autoras “rebolaram” para abastecer os capítulos da novela: o romance de Guimarães se desenrola, praticamente, em uma noite, a de 3 de dezembro de 1977. Nesta data, os personagens se reúnem no prostíbulo da protagonista, Anja, para ouvir pelo rádio a decisão do Congresso a respeito da lei do divórcio.
– Dona Anja enveredou pelo caminho da principal concorrente, Xica da Silva: o erotismo. O contexto político – de um Brasil devastado pela ditadura militar – ganhou força, assim como o humor. A novela se situava na cidade fictícia de Rosário, entre 1970 e 1977, período mais repressivo do regime militar. O pitoresco lugarejo se agita com a chegada de Angélica, a Anja (Lucélia Santos), noiva do poderoso coronel Quineu Castilho (Jonas Mello).
– De temperamento forte, Anja surpreendia a todos por fumar cigarrilhas em público e pelo enorme apetite sexual, que fazia seu quarto, literalmente, incendiar. Devota de Nossa Senhora Aparecida, era rechaçada pelas beatas que criticavam (e invejavam) seus hábitos). Os pontos fracos desta libertária: os bombons e a falta de educação e sutileza – mesmo em jantares sofisticados, ela provava a comida com a mão.
– Para a protagonista, Roberto Talma esperava contar com Betty Faria, com passagem recente pela Band. Mas a atriz acabou fechando com a Globo para A Indomada (1997). Guilhermina Guinle e Alexandre Paternost também deixaram o elenco; o ator foi substituído por Pedro Vasconcelos, hoje diretor geral – fora o responsável, sob a batuta de Rogério Gomes, pela exitosa A Força do Querer, e deixou a Globo recentemente.
– Pedro vinha da bem-sucedida participação em A Próxima Vítima (1995), onde interpretou o toxicômano Lucas. Em Dona Anja, se encarregou do tímido Maurinho, que, embora encantado por Anja, se mantém fiel à namorada Joana (Lylia Virna).
– Sucesso em duas temporadas de Malhação (1995), Danton Mello migrava para o SBT a convite de Talma, primeiro diretor da novela das 17h30. O ator vivia Bruno, filho do comunista Pedrinho Macedo (Giuseppe Oristânio), que trocava a namoradinha Cida (Manoela Dias), por Anja (mesmo com esta ainda de compromisso com Quineu).
– Cogitou-se, a princípio, “batizar” a novela como A Casa de Anja.
– As primeiras cenas do folhetim foram rodadas na Estância da Figueira, a dez quilômetros de Camaquã, Rio Grande do Sul. Como locação, o mesmo casarão – de 1795, 2 mil metros quadrados e 24 cômodos – utilizado pela Globo para cenas da minissérie O Tempo e o Vento (1985). A sesmaria Santo Antônio do Paraíso Terreal, palco da Revolução Farroupilha, serviu de cenário para as cenas de sexo ao ar livre de Anja e Quineu.
– A maior parte da novela, contudo, foi gravada em Santana do Parnaíba, cidadezinha histórica localizada na região metropolitana de São Paulo, e nos estúdios do SBT, na Via Anhanguera.
– Para cenários e cidade cenográfica, o diretor de arte da JPO, Waldir Günther, mesclou os estilos clássico e psicodélico dos anos 1970. Castiçais e lustres de cristais das casas mais afortunadas contrastavam com pôsteres de Elvis Presley nos quartos das mocinhas. Uma galeria de arte de São Paulo cedeu cerca de 60 mil dólares em tapetes persas e outros adereços; um antiquário, também da “terra da garoa”, forneceu uma mesa e uma cômoda em madeira talhada avaliadas em 20 mil dólares. Um detalhe: torneiras, chuveiros, interruptores e fogões funcionavam de verdade!
– Para a abertura, uma nova versão de ‘Não existe pecado ao sul do Equador’, com o mesmo Ney Matogrosso que embalava a vinheta de Pecado Rasgado, trama das 19h exibida pela Globo em 1978. A trilha, não lançada comercialmente, também contou com ‘Do fundo do meu coração’, com Erasmo Carlos e Adriana Calcanhotto, reaproveitada pelo diretor Roberto Talma no remake de O Profeta, também da Globo, às 18h, no ar em 2006.
– Talma estabeleceu como meta 10 pontos de audiência, já ansioso para atingir 15 com a produção seguinte. O primeiro capítulo ficou abaixo dos índices pretendidos, mas superou a principal concorrente, Xica da Silva.
– O sucesso de Dona Anja era fundamental para o SBT, então atravessando mais uma de suas muitas crises. Após investir cerca de R$ 110 milhões no complexo de produção instalado nas imediações da Anhanguera, Silvio Santos se viu obrigado a demitir cerca de 700 de seus 3,2 mil funcionários – incluindo o então repórter Britto Jr. Foram extintos Jornal do SBT (com Eliakim Araújo e Leila Cordeiro), a primeira edição do Aqui Agora, Show de Calouros, Sessão Desenho com Vovó Mafalda, Gente Que Brilha (que homenageava grandes nomes das artes) e o humorístico Brava Gente. Revoltado com um corte de 17% nos gastos de sua A Praça é Nossa, Carlos Alberto de Nóbrega chegou a pedir demissão.
– Acontece que ‘Anja’ não emplacou. Na véspera de Natal, a novela derrubou os índices da mexicana Marimar, que a antecedia. Quando saiu do ar, às 22h30, o folhetim brazuca registrava apenas 2 pontos de audiência na Grande São Paulo.
– Estabelecida na casa dos 6 de média, Dona Anja passou a ser exibida em dois horários: o capítulo inédito às 21h, batendo de frente com O Rei do Gado; a reapresentação às 22h30, quando Xica da Silva estava saindo do ar. Em janeiro, já neste esquema, a trama registrava índices semelhantes nas duas faixas, entre 5 e 7 pontos.
– Na reta final, a produção apostou todas suas fichas em cenas de moçoilas praticamente nuas, as “meninas” do bordel que Anja instala no casarão que recebeu de herança de Quineu. Entre as escaladas para tais personagens, a então modelo Núbia Oliver (Rosaura), com passagem por Tocaia Grande (Manchete, 1995), e Andréa Guerra (Chola), que entrou muda e saiu calado no especial A Desinibida do Grajaú (Globo, 1994), mesmo vivendo o papel-título.
– Este último terço da narrativa frustrou em definitivo as expectativas de Lucélia Santos, que tornou pública sua decepção. “A novela virou uma Playboy”, disse ao Jornal do Brasil, de 19 de abril de 1997.
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– Nesta fase, Roberto Talma contratou Vavá Torres, tarimbado maquiador com extensa carreira na Globo, para produzir a “engorda” de Lucélia Santos. Viúva, Anja se entregava à comida; em especial, aos doces. Chegava assim aos 100 quilos.
– Para transformar Lucélia, então pesando 46 quilos, na rechonchuda Angélica, a produção investiu R$ 3.200 numa máscara de látex que a deixava com papada. A figurinista Paula Iglecio confeccionou um “macaquinho” com estrutura de espuma (cerca de 15cm), que destacava seios, braços e o quadril da atriz. Os vestidos de Anja também passaram a ser feitos com chiffon, por conta do caimento “armado” do tecido.
– Sem atingir seus objetivos, Dona Anja terminou melancolicamente em 26 de abril de 1997, após 120 capítulos.