Há exatamente 21 anos, no dia 22 de fevereiro de 2002, a Globo exibia o último capítulo de A Padroeira. Com a novela, Walcyr Carrasco demonstrou habilidade tanto para armar tramas em tempo recorde quanto para corrigir os rumos de determinado folhetim conforme a demanda da audiência.

A Padroeira

A obra, que pretendia reverenciar Nossa Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil, causou discordância entre figuras da Igreja Católica. E enfrentou a morte do diretor de núcleo Walter Avancini. Abaixo, outras curiosidades da produção.

Walcyr Carrasco construiu o enredo em cima dos milagres atribuídos a Nossa Senhora Aparecida, de acordo com os registros da Igreja Católica, como a libertação do escravo Zacarias (Norton Nascimento) – cujos grilhões estão expostos no Santuário Nacional de Aparecida, em Aparecida do Norte, São Paulo. Para encaixar tais passagens na narrativa, o autor precisou alterar perfis e datas.

Norton Nascimento em A Padroeira

José Ulysses da Silva, então reitor do Santuário, declarou em nota oficial estar apreensivo com possíveis “distorções da história real e deformações religiosas”, já que a Globo não havia buscado por respaldo histórico junto à Basílica.

Após o lançamento, contudo, Darci José Nicioli, então administrador do complexo religioso, declarou à Folha de São Paulo (24/06/01):

“Estávamos ansiosos para ver como a Globo iria retratar a história, mas, até agora, a novela superou as nossas expectativas. Pelo menos no que diz respeito ao conteúdo teológico, a novela está muito bem”.

Carrasco revelou, tempos depois, um fax que recebeu do Santuário Nacional de Aparecida, com elogios à trama. O último capítulo, aliás, contou com cenas na Basílica. A cantora Joanna cantou o tema de abertura durante uma missa.

Alterações na abertura

A vinheta, aliás, contou com diferentes versões. Além de dois temas instrumentais, ‘A Padroeira’, com Joanna, e ‘Sol de Primavera’, regravação de Kika para a música de Beto Guedes – que também embalou os protagonistas Valentim (Luigi Baricelli) e Cecília (Deborah Secco).

Em 2017, a Globo liberou A Padroeira para a TV Aparecida, ligada ao Santuário, em comemoração aos 300 anos da descoberta da imagem de Nossa Senhora por pescadores no Rio Paraíba. A emissora não cobrou absolutamente nada pela cessão do folhetim; coube à Aparecida pagar pelos direitos de imagem do elenco, bem como os ligados à música.

A produção de arte foi até Aparecida do Norte para adquirir uma imagem da santa. A partir desta, com características próximas as da que foi encontrada nas águas, foram confeccionadas 13 réplicas; dez em gesso, três em resina.

Yoná Magalhães e Stênio Garcia em A Padroeira

Além do auxílio da historiadora Carla Mucci – encarregada, inclusive, da substituição de expressões do roteiro que não condiziam com a época retratada –, A Padroeira contou com as assessorias do mexicano Javier Lambert, em cenas de ação, e de Márcia Frazão, bruxa que orientou Yoná Magalhães na composição da feiticeira Úrsula.

A cidade cenográfica contava com duas vilas em 12 mil metros quadrados, a de Guaratinguetá e a dos pescadores, com direito a um rio cenográfico de 30 metros. 47 ambientes foram construídos em estúdio, incluindo salas, cozinhas e senzalas. O figurino somava quase 700 peças, confeccionadas dentro de um mês por uma equipe de 10 costureiras, bordadeiras e alfaiates. As mulheres dos núcleos mais abastados vestiam cerca de sete peças – calçola, camisolão, três anáguas, saia e corselete.

Feita às pressas

Murilo Rosa, Othon Bastos e Mariana Ximenes - A Padroeira

Walcyr dispôs de apenas três meses, após a conclusão de O Cravo e a Rosa (2000), para implantar A Padroeira. Neste período, a Globo exibiu Estrela-Guia (2001), a novela da Sandy. Além dos relatos acerca de Nossa Senhora Aparecida, o autor recorreu ao romance As Minas de Prata, de José de Alencar, que já havia inspirado Ivani Ribeiro na obra de mesmo título, produzida pela Excelsior em 1966.

Walter Avancini respondeu pela direção das duas produções – e se afastou de ambas por motivos de saúde –, enquanto Paulo Goulart encarnou o mesmo personagem na Excelsior e na Globo: o pai tirano, e endividado, da heroína (Regina Duarte / Deborah Secco).

Avancini veio a falecer em setembro de 2001, vítima de câncer de próstata. Ele havia se ausentado das gravações no mês seguinte à estreia. O substituto, Roberto Talma, tratou de implantar mudanças que contribuíram para o acréscimo nos índices de audiência. A Padroeira, porém, não se converteu em êxito absoluto. Os números, que costumavam ser inferiores aos de Malhação, só cresceram com a reta final. O término, aliás, foi protelado por conta do cancelamento de A Dança da Vida, de Maria Adelaide Amaral, e do atraso da substituta Coração de Estudante, assinada por Emanuel Jacobina.

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Mudanças

Deborah Secco e Mauricio Mattar em A Padroeira

Talma renovou cenários e figurinos, atribuindo cor à trama. Enquanto isso, Walcyr Carrasco tratou de introduzir novos personagens, com os artistas mambembes Dorotéia (Susana Vieira) e Faustino (Rodrigo Faro), o juiz Honorato (Taumaturgo Ferreira) e sua filha Zoé (Cecília Dassi), o frei Tomé (Felipe Camargo) e o padre Gregório (Daniel de Oliveira, recém-saído de Malhação) e o capitão do mato Inocêncio (Jandir Ferrari). Já Antonieta (Giulia Gam) surgiu da necessidade de separar Cecília e Fernão (Maurício Mattar) – o vilão que comprou a mocinha caiu nas graças do público.

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O núcleo voltado para Nossa Senhora Aparecida foi esvaziado, com as saídas dos pescadores Domingos (Carlos Gregório) e Filipe (Isaac Bardavid). A hospedaria de Guaratinguetá, que reunia Mariquinhas (Denise Milfont) e Aguiar (Roberto Bontempo), também deixou de existir. Zuleika (Ida Gomes), cúmplice da vilã Blanca (Patrícia França), foi outra que saiu de cena.

A Padroeira

Outros personagens foram substancialmente modificados. A amargurada Imaculada (Elizabeth Savala) voltou-se para a comédia pastelão. Diogo (Murilo Rosa) deixou de lutar pelo amor de Isabel (Mariana Ximenes) como um cavaleiro, passando a apelar para a sensualidade. Luiz (Gustavo Haddad), que desejava ser monge, caiu em tentação ao conhecer Dorotéia.

Yoná Magalhães deixou o folhetim para integrar o elenco de As Filhas da Mãe (2001), às 19h. Com isso, e as outras mudanças necessárias para atender os ensejos dos espectadores, Úrsula deixou de ser a mãe desaparecida de Valentim, conforme previsto na sinopse. Dorotéia assumiu tal função. Stenio Garcia, por sua vez, foi deslocado para O Clone (2001), às 20h. Dom Antônio, que se opunha ao relacionamento do filho Diogo com Isabel, morreu em um duelo. Antes da estreia, Otávio Augusto assumiu o poeta Manuel, então reservado para Ney Latorraca.

Mesmo com tantas alterações, Walcyr Carrasco conseguiu preparar um capítulo especial para 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida: por intervenção da santa, a menina Marcelina (Renata Nascimento), meia-irmã de Cecília, voltou a enxergar.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.