Um dos episódios mais enigmáticos da história da televisão brasileira envolve a extinta Rede Manchete e o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello.
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Em 1993, a novela O Marajá foi proibida pela Justiça de ser exibida, atendendo pedido do político. As fitas sumiram e possivelmente o público nunca verá a produção, apesar do surgimento de uma luz no fim do túnel (leia no final do texto).
A situação da emissora era crítica. Atolada em dívidas, havia acabado de ter seu controle retomado por Adolpho Bloch (1908-1995), após a fracassada venda para o Grupo IBF. O Marajá era a esperança para conquistar audiência e aliviar a crise, mas não deu certo.
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País fictício
Na história, Hélcio Magalhães vivia Elle, presidente de um país fictício que queria ficar no poder durante 30 anos – era o plano 2020. Claro que Elle era baseado em ninguém mais que Collor. O fio condutor seria conduzido por um narrador, vivido por Luiz Armando Queiroz (1945-1999), que também era um dos diretores da trama.
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Escrita por José Louzeiro, Regina Braga, Eloy Santos e Alexandre Lydia, com direção de Marcos Schechtman, a produção foi gravada com uma única câmera e reaproveitando cenários e figurinos de outras produções da casa.
O item mais precioso era uma Mercedes Benz ano 1975, propriedade de Bloch, emprestada para ser o carro de um assessor do presidente.
A Folha de S. Paulo de 25 de julho de 1993 classificou a obra como “produção digna de TV artesanal”.
A novela foi gravada em tempo recorde e tinha previsão de ter 80 capítulos – 15 estavam gravados e cinco editados para a estreia, que seria dia 26 de julho de 1993.
No elenco, figuras carimbadas da casa, como Julia Lemmertz, Rubens Corrêa, Antônio Petrin e Ângela Leal, entre outros. O jovem Alexandre Borges faria sua estreia no gênero. Sósias, como o do tesoureiro Paulo César Farias (1945-1996), também apareciam, mas sem falas.
Justiça
Collor, que deixou a Presidência da República um ano antes, entrou na Justiça e conseguiu proibir a exibição da minissérie, alegando que “havia risco de danos irreparáveis”. A decisão saiu no sábado (24), mas a emissora só foi informada pelos oficiais de justiça às 18h do dia da estreia.
Os advogados do canal tentaram cassar a liminar, na expectativa de exibir a atração, programada para 21h30. O Jornal da Manchete foi prorrogado até 21h50, mas não deu certo. A solução foi antecipar a estreia de outra minissérie, A Chave para Rebeca, que iria ao ar às 22h15.
O elenco, que estava reunido no prédio da Manchete para celebrar a estreia, ficou decepcionado com a censura, já que a emissora garantia que havia respaldo jurídico para a produção.
Foi feito um protesto, inclusive com entradas ao vivo durante a programação da emissora. O então diretor Fernando Barbosa Lima (1933-2008) declarou: “temos a obrigação ética de levar essa minissérie ao ar” – vale ressaltar que a produção às vezes era tratada como novela (como cita o narrador no vídeo), mas, em outras, como minissérie.
A produção, se liberada, só poderia ser exibida após o julgamento da ação, o que demoraria mais de 60 dias. Os mesmos autores e praticamente o mesmo elenco estiveram em Guerra Sem Fim, novela que estreou em 30 de novembro de 1993.
Desistência e sumiço das fitas
No início de 1994, O Marajá teve sua exibição liberada pela Justiça, mas com cortes. A Folha de S. Paulo de 27 de fevereiro de 1994 informou que “mesmo liberada com cortes pela Justiça, o dono da emissora, Adolpho Bloch, proibiu a veiculação da série antes do veredito final do STF (Supremo Tribunal Federal). Não quer mais disputas com a família Collor”.
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Em 2 de maio de 1999, a mesma Folha de S. Paulo fez uma reportagem informando que as fitas da minissérie continuavam desaparecidas:
“Há, até aqui, somente uma pista do paradeiro das fitas. O ex-diretor-geral da Manchete, Fernando Barbosa Lima, afirma que o próprio Adolpho Bloch decidiu guardas as fitas, com medo de que fossem roubadas, e a Manchete, prejudicada.
“Ele ficou assustado com o poder de Collor”, conta Barbosa Lima, que era amigo de Bloch. Com a morte de Bloch, em 1995, a emissora passou para as mãos de Pedro Jacques Kapeller e as fitas estariam em seu poder. Procurado pela Folha, Kapeller não respondeu”.
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Primeiro capítulo surgiu no YouTube
E o mistério permaneceu até recentemente, pois ninguém sabia do paradeiro das fitas, que reapareceram no leilão da massa falida da Manchete, realizado recentemente.
O primeiro capítulo da novela foi postado no YouTube, através do Canal Memória, no último dia 5 de janeiro e pode ser visto pelo público.