Na maioria das vezes, precisamos do distanciamento do tempo para o melhor julgamento de uma obra. Kubanacan, que terminava há 18 anos, em 23 de janeiro de 2004, parecia mais uma novela típica de Carlos Lombardi, com todos os elementos próprios do autor conhecidos de trabalhos anteriores – Quatro por Quatro (1994-1995), Uga Uga (2000-2001) e O Quinto dos Infernos (2002), só para citar alguns exemplos bem representativos do que estava por vir.
À primeira vista, tínhamos um emaranhado de ligações amorosas: Esteban (Marcos Pasquim) uniu-se a Marisol (Danielle Winits), que era casada com Enrico (Vladimir Brichta), que a largou e ficou com Lola (Adriana Esteves), enquanto Enrico era alvo das investidas de Rubi (Carolina Ferraz), irmã de Lola; esta, por sua vez apaixona-se por Esteban, enquanto Marisol envolve-se com Camacho (Humberto Martins), marido de Mercedes (Betty Lago)…
Enfim, um troca-troca de casais dos infernos! Entretanto, com uma vantagem extra: personagens carismáticos e bem interpretados pelo elenco.
Hoje, não se pode pensar em outro Pescador Parrudo senão Marcos Pasquim. Ou alguém consegue imaginar uma doce e estabanada Lola melhor que Adriana Esteves? “No me platiques más…“.
O tempo e o espaço
Apesar do já conhecido estilo do autor ao escrever melodramas rasgados com humor sarcástico, dinamismo e torsos nus (ou seminus), Kubanacan vinha envolta a uma embalagem muito atraente e até ousada, se considerarmos a ambientação da história no tempo e no espaço.
Era uma novela de época na faixa das sete da noite da Globo. Ok, não foi a primeira, nem a última, mas é sempre raro e causa estranheza. A trama de Kubanacan se passava nos anos 1950 e, mais adiante, entenderemos que havia um motivo bem plausível para o autor ambientar sua história nessa década.
A segunda ousadia de Lombardi diz respeito ao local onde se passava a trama: uma fictícia ilha paradisíaca de colonização espanhola, mas independente – uma “republiqueta” que lembrava fortemente Cuba.
Mesmo sem querer, Lombardi criou uma alegoria – ou uma sátira – sobre ditaturas latino-americanas (Brasil incluso), fazendo bom uso do tempero caliente para apimentar seus triângulos e quadriláteros amorosos.
“A ideia de criar uma república fictícia latino-americana e ambientar a história na década de 1950 contribuiu para dar um ar de renovação ao universo de Carlos Lombardi, caracterizado por tramas geralmente modernas e muito urbanas”.
Kubanacan avançou meses e deflagrou-se um problema comum nas novelas do autor: a história começou a cansar. É que as novelas de Lombardi são longas demais, o que, creio eu, até ele lamenta.
Kubanacan teve 227 intermináveis capítulos; Uga Uga, 221; Quatro por Quatro, 233; Bebê a Bordo, 209. Não por acaso, o autor invariavelmente termina suas obras esgotado e estressado.
O melhor para o final
Depois de mais de oito meses das aventuras do Pescador Parrudo – o icônico personagem de Marcos Pasquim pelo qual a novela é até hoje lembrada -, o melhor de Kubanacan foi guardado para o desfecho da história – nem tão “desfecho” assim, já que o final ficou meio aberto, dando margem a uma série de teorias pelos fãs mais criativos.
No começo da trama, Esteban, o pescador parrudo, surgiu na praia caído do céu, literalmente, e foi acolhido pelos pescadores locais.
A princípio, aceitamos como uma pitada de realismo fantástico diasgomesiano. O surgimento de Esteban, entretanto, foi explicado no final, que também revelou porque a trama da novela se passava décadas atrás.
Spoiler de novela que já passou não é spoiler
Apenas revelo que é uma história sobre viagem no tempo. Não explico a trama.
O desmemoriado Esteban era perseguido, mas não lembrava por quê. Todos, inclusive o público, achavam que era por fatos ocorridos no passado, quando na verdade, tinham relação com o futuro.
O público entrou em parafuso, pois já estava perdido em meio às várias personalidades do protagonista apresentadas ao longo da trama.
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Não era uma “novela ônibus”
Kubanacan não é das mais populares novelas de Carlos Lombardi. Também não a considero a melhor do autor. Mas, certamente, é a mais ousada e merece ser celebrada.
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Viagens no tempo já foram fartamente abordadas em livros, filmes e séries de televisão (“A Máquina do Tempo” de H. G. Wells, “O Exterminador do Futuro”, “Os Doze Macacos”, “Lost”, “Heroes”, “Dark”, etc).
Porém, como desfecho de uma telenovela, depois de mil troca-trocas e desencontros amorosos, convenhamos, é para aplaudir de pé.
Palavras do autor sobre o fim de Kubanacan:
“Sei que provoquei um monte de discussões. Há quem reclame muito, há quem tenha amado. Posso dizer que fiz um baita de um barulho. Era definitivamente o que eu mais queria. Ouvir o barulho!”.
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Ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, o autor concluiu:
“Várias pessoas entendiam [a trama] e algumas não. Eu nunca pretendi que Kubanacan fosse uma ‘novela ônibus’ (que pega da vovó ao neném). Fiz uma novela para jovens com um fundo de ficção científica. Realmente pensei: nessa vou experimentar!”.
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