Há exatamente 30 anos, em 3 de setembro de 1993, a Globo exibia o último capítulo da novela O Mapa da Mina. Marcada pelo insucesso, a trama encerrou melancolicamente a carreira do novelista Cassiano Gabus Mendes, um dos pioneiros da nossa televisão, que nos deixou em 18 de agosto daquele ano.

Malu Mader em O Mapa da Mina
Malu Mader em O Mapa da Mina (Reprodução / Globo)

O TV História resgata os bastidores e a sinopse desta trama. Confira:

Escolha do elenco

Cassiano Gabus Mendes
Cassiano Gabus Mendes (Reprodução / Web)

Logo que a trama entrou em produção, no último bimestre de 1992, os nomes de Flávio Migliaccio, Marília Pêra e Cláudia Abreu – em evidência graças ao êxito de sua Heloísa, na minissérie Anos Rebeldes (1992) – chegaram a ser cogitados para o elenco.

Seria Cláudia, talvez, a primeira atriz pensada para a noviça Elisa ou para a vulgar Wanda? Malu Mader, convidada para viver a religiosa, preferiu o tipo controverso, pouco comum em sua carreira até ali; de qualquer forma, a repetição do par romântico com Cássio Gabus Mendes – também de Anos Rebeldes – estava assegurada. Elisa acabou a cargo de Carla Marins, amparada na boa repercussão da vilãzinha Eliane, de Pedra Sobre Pedra (1992).

Cláudio Marzo, regressando da Manchete, era o nome pretendido para o vilão Rodolfo Torres de Almeida, defendido por Mauro Mendonça. Gianfrancesco Guarnieri, inicialmente escalado para uma participação como o ex-presidiário Ivo Simeone (Paulo José), acabou vivendo o cunhado malandro deste, Vicente. Já a personagem de Eva Wilma mudou de nome: era Dóris, virou Tatiana.

‘O Mapa’ também representou a estreia de Carolina Ferraz nas novelas da Globo, após nove meses como apresentadora do Fantástico. Outras duas beldades do elenco – Cassiano sempre as escalava – foram descobertas por acaso: Gisela Marques, a Lígia, foi vista pelo autor em um comercial e testada a pedido deste pelo diretor artístico, Paulo Ubiratan; já Andréa Mucci, a Paula, trabalhava num agência bancária, onde conheceu uma das colaboradoras da trama, Walkiria Portero.

Trama de O Mapa da Mina

Carolina Ferraz
Carolina Ferraz

A trama tem início com a saída de Ivo Simeone da prisão. No passado, o bandido participou do roubo de dez milhões de dólares em diamantes no Uruguai. Abandonado pelo cúmplice, Rodolfo, que fugiu para a Argentina, Ivo amarga oito anos de cadeia.

Ao sair, é atropelado, não sem antes revelar ao filho Rodrigo (Cássio Gabus Mendes) que escondera as pedras e que, para não se esquecer do esconderijo, tatuou o “mapa da mina” acima do bumbum da filha de sua vizinha. Esta menina é Elisa, hoje noviça. No encalço dela também estão Rodolfo, sua filha bastarda Tânia (Beth Goulart), o agente da polícia internacional Raul (Tato Gabus), Wanda e sua família mafiosa – a mãe Zilda (Nair Bello) e os irmãos Toni (Luís Gustavo) e Joe (Pedro Paulo Rangel).

Rodrigo tarda a encontrar as pedras, principalmente por ter as informações que consegue sempre repassadas por seu tio criminoso Vicente para os ricaços Rodolfo e Tatiana. E é Vicente quem encontra o tesouro, num jazigo de cemitério, após conseguir decifrar a sequência de letras e números escondidos na tatuagem de borboleta que Elisa possui.

Desavisado, o vigarista esconde a fortuna num vaso de samambaia, que começa a passar de mãos em mãos; posteriormente, os diamantes vão parar dentro de um ursinho de pelúcia e depois numa almofada na casa de Madalena (Fernanda Montenegro), mãe de Tânia.

Embora promissor, o enredo de O Mapa da Mina frustrou as expectativas do público e da crítica logo na sua semana de estreia (29 de março a 3 de abril de 1993). A direção de Denise Saraceni, bem quista após o êxito de Felicidade (1991), foi considerada “pesada” para o texto de Cassiano Gabus Mendes.

O Aqui Agora, do SBT, estava no auge de sua popularidade e a novela da Globo começou a perder preciosos pontos para a concorrência… Para contornar a crise, Paulo Ubiratan recrutou o experiente Gonzaga Blota, recém-saído de Pedra Sobre Pedra, das 20h, auxiliado por Flávio Colatrello Jr, da equipe de Denise.

Os cenários da novela teriam motivado ferrenhas críticas de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então vice-presidente de operações da emissora. Várias cenas foram regravadas – o autor chegou a incluir no roteiro uma reforma na casa de Zilda.

Blota, que em 1979 já havia assumido o comando de Marron-Glacé, também de Cassiano, tratou logo de abrir os planos e explorar os ambientes, com a suntuosa mansão de Rodolfo e Tatiana. A novela, contudo, “não pegou”.

Inversão de novelas

Com números e repercussão aquém do esperado, a Globo cogitou uma mudança que hoje soa, tanto quanto na época, improvável: inverter as novelas das 18h e das 19h. A ideia era aproveitar o bom desempenho de Mulheres de Areia (1993) para alavancar a grade noturna.

O Mapa da Mina, lamentavelmente, rompia o “efeito cascata”: a novela Vamp (1991), em reprise nas tardes (enquanto o Vale a Pena Ver de Novo exibia Sinhá Moça), costumava elevar os índices da Sessão da Tarde em aproximadamente 10 pontos; o game Radical Chic e o humorístico Escolinha do Professor Raimundo mantinham e ‘Mulheres’, maior audiência de sua faixa nos anos 90, explodia! Na sequência, ‘O Mapa’ via os números ratearam…

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O insucesso determinou o encurtamento da trama – a saúde de Cassiano também implicou nesta decisão. Começou, então ,a procura pela novela substituta. Intentando repetir o fenômeno das 18h, a Globo recorreu a um projeto de remake de Irmãos Coragem (1970), desenvolvido por Sérgio Marques (e também cogitado para substituir a novela de Ivani Ribeiro).

Mas a similaridade do tema – busca por diamantes – conflitava tanto com O Mapa da Mina, quanto com Fera Ferida, que estrearia às 20h em novembro, substituindo Renascer. Foi Antônio Calmon, “pai” da bem-sucedida Vamp, quem se encarregou do próximo cartaz: Olho No Olho.

Engana-se quem pensa, contudo, que Fernanda Montenegro entrou na novela apenas para turbinar os índices. A participação da atriz já estava prevista desde o início da produção – houve apenas um ajuste de datas para que ela atendesse também ao chamado de Renascer, então em exibição às 20h. O que ocorreu, de fato, foi a edição nos capítulos que antecediam a chegada de Madalena, para que a atriz pudesse ser vista no vídeo o quanto antes. Reforço mesmo foi Maurício Mattar, galã de Pedra Sobre Pedra, aqui como o bandidão Bakur Shariff.

A entrada de Madalena na história ampliou o debate sobre o machismo, representado na figura do mecânico grosseirão César (Antônio Grassi). O rapaz endoidava ao ver a namorada, a balconista Nadir Solange (Luiza Brunet), despontar nas passarelas, por intermédio da manicure. As cartas anônimas que Nero (Antônio Abujamra) enviava a socialites como Bruna (Carolina Ferraz) podem ser consideradas hoje como assédio moral e sexual.

Já o mafioso Toni era virgem, “deflorado” por Madalena na reta final do folhetim. Carlota (Mila Moreira) era homossexual, mas o perfil contido da personagem e seu pouco aproveitamento na trama, não permitiram uma abordagem mais profunda.

O incesto, por sua vez, ganhou a tela com a relação de Rodrigo e Elisa – ela foi registrada por Ivo como sua filha num gesto de bondade do ladrão, o que motivou a confusão do casal, esclarecida com o auxílio de Madre Celeste (Neuza Amaral), já que Madre Adélia (Suzana Faini), que detinha o segredo, morreu sem desfazer o mal-entendido.

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Alcoolismo

O personagem de Dennis Carvalho, Erasmo, colocava em discussão os efeitos do alcoolismo dentro de um lar, a princípio, bem-estruturado. Em determinado momento, ele abandona a esposa Giovanna (Maria Padilha). Longe do amado, ela se entrega à bebida. Até que Erasmo retorna, reabilitado, para ajudar a esposa a se cuidar, com o auxílio do Alcoólicos Anônimos.

Destaque ainda para a participação de Luiz Felipe Badin, o primeiro portador de Síndrome de Down a atuar numa novela da Globo. O ator vivia Marquinho, office-boy do escritório de Rodolfo. Luiz Felipe voltou ao vídeo anos depois como Osvaldo, atendente de uma livraria que auxilia a intempestiva Amelinha (Adriana Esteves) a aceitar seu filho com Down, em Coração de Estudante (2002).

Cassiano Gabus Mendes faleceu em 18 de agosto de 1993, aos 64 anos, vítima de um enfarte do miocárdio. Naquela altura, já havia concluído todos os capítulos da trama – a Globo tentou convencê-lo, desde o início, a escrever no computador, o que ele negou, deixando a tarefa de passar para o aparelho aquilo que redigia na máquina de escrever para o colaborador Gugu Keller.

O autor foi homenageado no último capítulo de O Mapa da Mina, com um depoimento de seu amigo Lima Duarte e os créditos de encerramento subindo em silêncio.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.