Nem o mais otimista executivo da Record chegou a cogitar o sucesso que Os Dez Mandamentos faria. A primeira novela bíblica da emissora foi o seu maior êxito da teledramaturgia e dificilmente o canal conseguirá repetir os números alcançados com esta produção – médias muitas vezes acima dos 20 pontos, ficando na liderança, vencendo o Jornal Nacional e A Regra do Jogo. Escrita por Vivian de Oliveira e dirigida por Alexandre Avancini, a trama terminava há exatamente seis anos, em 23 de novembro de 2015.

A novela contou a história de Moisés, desde o seu nascimento até a sua morte, sendo uma adaptação de quatro dos livros que compõem a Bíblia – “Êxodo”, “Levítico”, “Números” e “Deuterônomio”.

A saga do protagonista, incluindo a sua rivalidade com Ramsés e a chegada das pragas ao Egito, culminando na travessia que levou os hebreus até a Terra Prometida, é uma das histórias bíblicas mais conhecidas e atrativas. Tinha tudo para render um bom folhetim e de fato rendeu. A autora foi muito inteligente ao transformar o rico enredo em um produto de 170 capítulos.

O filme “Êxodo – Deuses e Reis”, exibido em 2014, também retratou essa saga, mas já foi iniciada com Moisés adulto e integrante da família de Ramsés. Já a novela começou no ano de 1.300 A.C. e com o faraó Seti I (Zécarlos Machado) mandando matar todos os bebês hebreus do sexo masculino, filhos dos escravizados.  O protagonista, recém-nascido, consegue escapar porque sua mãe Joquebede (Samara Felippo na primeira fase) o coloca em um cesto no Rio Nilo, onde é encontrado por Henutmire (Mel Lisboa), que o adota.

Novela teve quatro fases

Foram quatro fases, o que implicou em algumas trocas de elenco, até a fixação do time, que permaneceu até o final, onde muitos deles passaram por um processo de envelhecimento à medida que a trama avançava. A equipe de maquiagem, aliás, teve até um trabalho ‘extra’, pois precisou ‘mumificar’ o faraó Seti I, assassinado pela vilã Yunet. Além disso, os cenários, figurinos e efeitos especiais também compuseram todo o conjunto da obra. Ou seja, a produção foi a mais trabalhosa da emissora, que gastou muito para mantê-la – cerca de R$ 700 mil por capítulo, sendo que o da abertura do Mar Vermelho custou mais de R$ 5 milhões.

A trama teve um bom retorno do público logo nas primeiras semanas e os índices eram em torno dos 13 pontos, uma ótima média, ainda mais levando em consideração a novela anterior – o fracasso Vitória, que dificilmente ultrapassava os 7 pontos. Mas os números começaram a aumentar com a chegada das pragas ao Egito, muito em virtude da curiosidade em cima dos efeitos especiais, além, claro, da movimentação que isso provocaria na história. E a primeira praga – a transformação da água em sangue – provocou uma ótima primeira impressão, onde a qualidade da produção ficou evidente, criando uma boa expectativa em cima das demais calamidades enviadas por Deus.

Quando a novela deslanchou

E foi a partir de então que a novela deslanchou de vez, até praticamente se estabelecer nos 20 pontos de média, incomodando frequentemente a Globo. Claro que o êxito fez a Record promover o espichamento da trama, o que prejudicou o desenrolar da história. O ‘embarrigamento’ do enredo foi ficando cada vez mais explícito, onde a expectativa para a chegada de uma praga se alongava por vários capítulos, assim como a demora dos castigos de Deus – algumas pragas duraram mais de uma semana. O preenchimento dos capítulos com cenas que nada acrescentavam ficou evidente, o que não favoreceu a fluidez da trama. A sensação de enrolação – aumentada ainda pelo excesso de flashbacks – ficou clara todos os dias, até o final do folhetim.

Só que a curiosidade em cima de todo o encaminhamento das pragas conseguiu manter a novela em alta nos números e muitas delas valeram a pena. A nuvem de piolhos foi muito bem feita e uma das poucas que decepcionaram, se comparada ao restante, foi o ataque das rãs – a computação gráfica deixou a desejar -, além da infestação de moscas, que não fez muito jus ao que foi esperado. Já a revoada dos gafanhotos, atingindo todas as plantações que restavam do Egito, impressionou visualmente. A peste nos animais também foi bem realizada e a caracterização das chagas e úlceras mereceu elogios, assim como a chegada das trevas.

Entretanto, sem dúvida, a praga que proporcionou as melhores cenas da novela foi a sétima: a chuva de granizo e fogo. Os efeitos especiais impressionaram e fez valer a duração de dois capítulos. Aliás, foi em virtude desse outro castigo de Deus que a grande vilã da história morreu. Yunet foi brilhantemente interpretada por Adriana Garambone e a personagem – criada pela autora especialmente para o folhetim e que ajudou a movimentar bastante o enredo com suas maldades – saiu de cena em grande estilo: atingida em cheio por uma bola de fogo.

Outra praga que merece uma menção especial foi a morte dos primogênitos, a última enviada. O efeito de uma luz branca – representando o anjo da morte -, entrando em todas as casas e matando as crianças, inseriu um clima de tensão nas cenas, proporcionando ótimos momentos, não só visuais, como de emoção também. A situação mais impactante foi a luz adentrando o palacete de Ramsés (Sérgio Marone) e assassinando Amenhotep (José Victor Pires), diante do pai e da mãe (Nefertari – Camila Rodrigues).

Abertura do Mar Vermelho foi o momento mais aguardado

Já o momento mais aguardado da novela honrou toda a expectativa gerada ao longo da história. A abertura do Mar Vermelho foi muito caprichada visualmente e o alto investimento da Record valeu a pena. Claro que não foi impecável e algumas falhas ficaram expostas, mas para um produto nacional e em uma emissora sem grande bagagem em teledramaturgia ficou de bom tamanho. Moisés (Guilherme Winter), obedecendo as ordens de Deus e abrindo as águas para o povo hebreu passar, proporcionou cenas arrepiantes e emocionantes. Foi a última situação de grande impacto do folhetim, rendendo, inclusive, o maior recorde de audiência da produção: 28 pontos de média.

Aliás, a abertura do Mar Vermelho ocorreu em uma quarta e ficou claro que a trama deveria ter se encerrado na sexta da mesma semana para sair no ápice. Mas não foi o que ocorreu, pois o espichamento do folhetim implicou no desfecho indo ao ar mais de uma semana depois – chegando ao fim nesta segunda-feira, dia 23. A saga dos hebreus em direção à Terra Prometida ficou monótona e cansativa, o que implicou, inclusive, em uma queda nos números. Tanto que a Record não conseguiu mais liderança desde o ‘fechamento’ do mar e daria tranquilamente para exibir toda essa parte da saga em dois capítulos ou três, evitando a queda do ritmo.

O elenco teve alguns bons nomes, mas foram bem poucos. Denise Del Vechio emocionou como a sofrida Joquebede (mãe de Moisés); Larissa Maciel se destacou como Miriã; Camila Rodrigues conseguiu passar com competência toda a dubiedade de sua Nefertari (uma vilã sofrida e infeliz); Vera Zimmermann brilhou como Henutmire e Guilherme Winter merece elogios pela sua composição de Moisés.

Outros bons nomes foram Floriano Peixoto, Igor Cosso, Giuseppe Oristânio e a já citada Adriana Garambone, que deu um show vivendo a cruel Yunet. Zécarlos Machado e Angelina Muniz, embora tenham participado apenas no começo, também precisam ser citados. Esses são os atores que merecem ser mencionados como pontos positivos, uma vez que o elenco, em sua grande maioria, era bem fraco. O time foi irregular e isso ficava visível nas cenas mais complicadas dramaticamente.

Além da questão do elenco escalado, é preciso ainda constatar o problema do figurino. Muitos trajes eram carnavalescos demais e o excesso de ‘limpeza’ de várias roupas deixava tudo irreal, ainda mais em se tratando dos locais explorados no enredo: desertos com muita areia e poeira. A presença de esmaltes em várias mulheres deixava muitas vezes a situação por si só ridícula e poderia ter sido evitado. Outra questão que não poderia ter sido ignorada foi o fato dos hebreus terem atravessado o mar sem uma gota d’água em seus corpos.

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Teatralização de várias cenas atrapalhou

A teatralização em várias cenas também merece ser criticada, embora o tom exagerado tenha diminuído ao longo da trama. Todos esses foram problemas que ficaram bem evidentes, deixando clara as fragilidades da produção. Entretanto, as qualidades conseguiram ofuscar um pouco esse conjunto falho, deixando o folhetim atrativo e bem produzido, principalmente se comparado com as tramas bíblicas anteriores – como a minissérie Rei Davi.

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O último capítulo foi monótono e sem grandes acontecimentos. Para culminar, nem final teve, por mais absurdo que possa parecer. Zípora (Gisele Itié) chegou ao acampamento dos hebreus e matou a saudade de Moisés, enquanto Miriã cantava com os demais, louvando e agradecendo a Deus. Já Deus, por sua vez, falou com o povo hebreu sobre os dez mandamentos e orientou Moisés a subir o Monte Sinai, onde ganharia as tábuas para fixar todos esses princípios. Trinta dias se passaram e houve a apreensão do povo, que com a ausência de Moisés acabou louvando um bezerro de ouro, desafiando o poder de Deus.

Moisés desce do Monte, mas se indigna com a heresia e quebra as tábuas. Ainda pergunta quem está com Deus e surge na tela “Continua…”. Ou seja, nem se dignaram a exibir o restante dessa trama, com Moisés subindo novamente o Monte e ganhando novas tábuas com os mandamentos, mas sendo punido por Deus de entrar na Terra Prometida – cabendo, assim, ao Josué (Sidney Sampaio) a missão. Ou seja, ficou uma novela sem desfecho. Portanto, esse ‘final’ já entrou na lista das falhas do folhetim. O telespectador foi feito de bobo. Entretanto, como já mencionado, foi uma boa produção no geral, apesar dos pesares.

Os Dez Mandamentos – que teve uma segunda temporada em 2016 – foi um grande sucesso e o maior êxito da teledramaturgia da Record – as outras produções que chegaram perto disso foram a bem produzida Prova de Amor (2006) e a tosca Os Mutantes (2009).

A novela chegou ao fim dando todos os motivos possíveis para a Record comemorar. E a autora Vivian de Oliveira, o diretor Alexandre Avancini e equipe estão de parabéns, pois conseguiram produzir um folhetim de qualidade, que despertou a atenção do público, incomodando bastante a concorrência e entrando para a história da emissora.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor