Ao longo do mês de dezembro, estamos relembrando os destaques positivos e negativos da televisão brasileira em 2021. Hoje, vamos falar de Salve-se Quem Puder.

A novela chegou ao fim em 17 de julho de 2021 como o melhor trabalho de Daniel Ortiz até agora. A premissa da novela tinha tudo para cair no absurdo e no ridículo, mesmo na faixa leve das 19 horas. Mas funcionou.

Salve-se Quem Puder

Os sonhos das protagonistas Luna (Juliana), Alexia (Deborah) e Kyra (Vitória) são interrompidos quando elas presenciam a execução de um juiz (vivido por Ailton Graça) e são obrigadas a viver sob custódia do Programa de Proteção à Testemunha.

Para sobreviver, elas mudam o nome, a aparência, o estilo de vida e vão morar na fictícia Judas do Norte, no interior de São Paulo, depois que são dadas como mortas.

Luna assumia o nome de Fiona, Alexia virava Josimara e Kyra era Cleyde, novas pessoas com um padrão de vida bem diferente. Mas tudo dá errado e o trio acaba voltando para São Paulo.

Início teve superprodução

Salve-se Quem Puder

O início da novela, ainda em 2020, teve um clima de superprodução. Isso porque abusaram dos efeitos especiais para a reprodução de um furacão no México, bem no dia que as protagonistas testemunham o assassinato que transforma suas vidas.

Uma qualidade do folhetim vista logo no começo foi a habilidade em mesclar sequências de ação com situações cômicas, o que costuma ser uma tarefa complicada. Não demorou para o público comprar a história e se envolver com os conflitos já promovidos diante de tantas situações um tanto quanto inusitadas.

A trama teve um humor farsesco e infantil, o que não é um demérito, apenas uma característica. E o elenco conseguiu entender bem a proposta da novela, após um início um pouco inseguro. Os personagens caíram no gosto do público e o sucesso de audiência foi quase imediato.

Gravações interrompidas

Guilhermina Guinle

O enredo emplacou e tudo se encaminhava bem. A audiência estava em torno dos 29 pontos, índice excelente para a faixa. Todavia, a trama sofreu uma interrupção por conta da pandemia do novo coronavírus.

As gravações foram paralisadas em março de 2020 e retomadas apenas em setembro, com perdas no elenco, redução do número de capítulos e entrada de novos personagens. Foram gravados durante a pandemia 53 capítulos e a obra perdeu 55 capítulos. A continuação no ar só foi iniciada em maio de 2021, após a reprise de toda a chamada primeira fase.

E o risco de se perder por completo, como ocorreu com Amor de Mãe, era alto. Mas o autor se saiu muito bem e conseguiu deixar seu roteiro mais atrativo. Ainda acertou quando transformou as fugitivas em ‘heroínas’ atrapalhadas, em um estilo parecido com As Panteras, mas sem inteligência alguma.

Salve-se Quem Puder

A diminuição do número de capítulos evitou a famigerada ‘barriga’ (o período de enrolação, quando nada de muito relevante acontece durante semanas) e o foco maior no trio protagonista deixou a novela bem mais dinâmica.

Vale lembrar que Ortiz deixou um ótimo gancho no término da primeira parte: a vilã Dominique (Guilhermina Guinle) flagrando Luna viva e tentando matá-la.

Acerto ao ignorar a pandemia

Amor de Mãe

A continuação da sequência, muito bem dirigida pela equipe de Fred Mayrink, ficou tão perfeita que foi difícil perceber que era fruto de gravações repletas de protocolos sanitários. E as cenas de ação agradaram.

Aliás, ter ignorado a pandemia foi o maior acerto da retomada. Uma das causas para o naufrágio de Amor de Mãe foi a pesada inserção do coronavírus no enredo (foto acima).

A segunda parte apresentou ótimos ganchos em praticamente todos os capítulos. Fora o atrativo de ter sido a única novela inédita da Globo no momento.

A equipe disfarçou com habilidade as limitações impostas pela pandemia e o foco quase total em cima dos desdobramentos do núcleo principal, incluindo os dilemas das mocinhas em seus respectivos triângulos amorosos, foi o bastante para prender o telespectador e promover um bom engajamento nas redes sociais.

Até a entrada de novos personagens não prejudicou o roteiro e as alternativas para os intérpretes que precisaram se afastar foram satisfatórias, como Otávio Augusto (Inácio), do grupo de risco, aparecendo por vídeo-chamada e Sabrina Petraglia (Micaela) – na época grávida do segundo filho – protagonizando uma bonita despedida ao lado de Marcos Pitombo (Bruno).

Marianna Armellini

Também foi uma boa ideia manter Marianna Armellini na trama, mesmo após a saída repentina de Micaela.

A estratégia da criação de uma ‘gêmea boa’ (a falsa puritana Marlene) funcionou, pois a gêmea má perdeu a função sem o alvo de sua vingança – um conflito que nem atraía antes da paralisação, vale ressaltar.

Ainda serviu para substituir a querida Marilu Bueno, que também era do grupo de risco.

Escalação do elenco foi muito feliz

Salve-se Quem Puder

Aliás, a escalação do elenco, em sua grande maioria, foi muito feliz. A sintonia das protagonistas foi imediata e ficou ainda melhor ao longo dos meses.

Juliana Paiva emocionou com sua Luna, Deborah Secco divertiu com Alexia e Vitória Strada mostrou uma nova faceta cômica na pele da atrapalhada Kyra, após duas mocinhas dramáticas seguidas na ainda inicial carreira.

Guilhermina Guinle e Leopoldo Pacheco convenceram como os grandes vilões Dominique e Hugo; enquanto Rafael Cardoso esteve ótimo na pele do dúbio Renzo, que teve um bonito arco de redenção. Bruno Ferrari brilhou como Rafael e mostrou mais uma vez que merece melhores oportunidades na Globo.

Leopoldo Pacheco

Thiago Fragoso virou um especialista em heróis românticos e novamente roubou a cena (e uma das mocinhas) na pele do sensível Alan. Felipe Simas se firmou de vez no primeiro time da emissora e fez do sofrido Téo um dos destaques da novela. João Baldasserini e Grace Gianoukas fizeram uma divertida dupla como os caipiras Zezinho e Ermelinda, ao mesmo tempo que Murilo Rosa emocionou na pele de Mário.

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Já Flávia Alessandra acabou valorizada pela primeira vez por um autor que não foi Walcyr Carrasco. Até hoje os melhores papéis da carreira da atriz foram os escritos pelo escritor e amigo pessoal.

Salve-se Quem Puder

No entanto, Ortiz a presenteou com Helena, que inicialmente parecia uma vilã camuflada até se revelar uma grande sofredora que nunca superou a ‘morte’ da filha e ainda caiu em uma armadilha criada pelo marido. Por sinal, foi dela a cena mais emocionante de Salve-se Quem Puder: o reencontro de Helena e Luna.

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Nem tudo funcionou bem

Salve-se Quem Puder

Porém, nem tudo funcionou. O núcleo da ginástica artística foi o maior prejudicado pela interrupção das gravações e corte de capítulos. Ainda assim, nunca despertou interesse.

A trama de Bia, uma mulher linda que sofria com sua aparência por ter uma pequena cicatriz em virtude de um marcapasso, era forçada e todos os personagens ao redor dela não emplacaram.

Ao menos o casal com Tarantino deu certo. Outro equívoco foi o enredo de Petra (Bruna Guerin). A vilã não aconteceu e a atriz deixou a desejar.

É necessário criticar também o pouco destaque dos atores negros. Não adianta um elenco diverso se não há conflitos relevantes para valorizar os intérpretes. Juliana Alves, Aline Dias (Úrsula) e Dandara Mariana (Bel) eram as rivais das mocinhas brancas e mal apareceram.

Gabriela Moreyra entrou na segunda fase, mas Aurora teve ainda menos destaque que as colegas. Cosme dos Santos (Edgar) foi outro subaproveitado.

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Excesso de triângulos amorosos

Salve-se Quem Puder

O autor também não foi feliz no excesso de triângulos amorosos. Daniel sempre gostou do recurso, mas perdeu a mão. O trio formado por Rafael, Kyra e Alan era o único com uma boa construção e valeria para toda a trama.

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Não havia necessidade de inserir um amor de infância de Luna e forçar uma dúvida que a mocinha já não tinha em relação a Teo apenas para criar um ‘suspense’ no final.

Rodrigo Simas esteve bem como Alejandro, mas com a saída de José Condessa (Juan) bastaria focar nos outros vários dramas da personagem para sustentar a história. E Luna era a que tinha o melhor enredo.

Salve-se Quem Puder

Por sinal, foi um equívoco arrastar os triângulos até os últimos capítulos. Colocar mocinhas indecisas até o fim enfraquece a narrativa dos romances e cria um suspense desnecessário.

Qual a necessidade de deixar as duas bancando as sonsas e fazendo os rapazes de idiotas? A audiência não diminuiria se tudo tivesse sido resolvido antes e deixado para os momentos derradeiros apenas a conclusão da ótima trama sobre a organização criminosa que perseguia as mocinhas.

Mas as qualidades da produção foram maiores que os defeitos. E não é exagero afirmar que o encurtamento da trama beneficiou muito o conjunto.

Salve-se Quem Puder se mostrou um folhetim leve, agradável e que se tornou uma boa alternativa para aliviar um pouco a cabeça do brasileiro em tempos tão difíceis.

Aquele típico entretenimento bobinho e despretensioso, mas não menos necessário. Entre erros e acertos, o saldo ficou positivo. O sucesso foi uma resposta justa do público diante do que foi apresentado.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor