Já elogiei muito Amor de Mãe (novela finalizada em 9 de abril). Afirmei que era “a novela que o público não sabia que queria”.

Fiquei entusiasmado com sua estética naturalista em detrimento da idealização da realidade, tão cara às produções do gênero. Também já lembrei que, apesar da proposta, nunca deixou de ser o que realmente era: folhetim, com todos os clichês característicos.

Os 23 capítulos finais pouco lembraram a primeira parte (exibida entre novembro de 2019 e março de 2020). Não só por causa das limitações impostas pela pandemia, que dificultaram as gravações, como também pela conclusão urgente que a autora Manuela Dias foi obrigada a administrar.

Ainda o enfoque dado à Covid-19: uma boa intenção que não surtiu bom resultado ante a desatualização de abordagens e o agravamento da pandemia, que desmotivou a audiência, exaurida com a realidade dos noticiários. Aos olhos de hoje, ficou tudo pesado.

Diante de cortes e ajustes que precisavam ser feitos, Manuela Dias se atropelou para fazer render personagens que precisavam de uma condução minimamente digna para seus desfechos.

O caso mais evidente foi o de Vitória (Taís Araújo), a terceira ponta do trio de protagonistas, que se viu em situações forçadas e ilógicas – como a sequência em que ela permite que um homem perigoso, que a estava seguindo, entre em seu carro – ou criadas em cima da hora – como o surgimento da mãe biológica do menino Thiago.

A mensagem sobre cancelamento na internet, passada pelo casal Marina e Ryan, soou gratuita, enquanto o surgimento de um novo envolvimento amoroso – Érika e Davi – reforçou uma questão herdada da primeira fase: o troca-troca sem fim de casais, o que impede o público de criar torcida ou, ao menos, apegar-se a pares românticos: Érika + Raul + Sandro + Davi, Betina + Magno + Davi + Sandro, Vitória + Davi + Raul, Magno + Betina + Lidia, Davi + Vitória + Amanda + Betina + Érika, etc.

Talvez o único personagem que teve uma trajetória regular por toda novela tenha sido o vilão Álvaro (Irandhir Santos), que chegou à segunda fase da mesma forma que saiu da primeira, sem alteração de personalidade, diminuição de participação ou limitação de trajetória causadas pelas contingências ou intempéries das gravações.

E as protagonistas Lurdes e Thelma?

Thelma surtou no final da primeira fase, quando revelou-se uma assassina, e terminou a novela como a vilã enlouquecida que mantem uma pessoa acorrentada.

O rapto do bebê nos últimos capítulos foi o ápice do clichê de telenovela. A premissa “O vilão é a vida” foi totalmente abandonada. Ante a urgência de concluir sua história, a autora optou por trair a proposta naturalista e embarcar na fantasia folhetinesca.

Lurdes continuou sendo Lurdes. Porém, a autora privou o público da personagem quando ela ficou trancafiada no cativeiro.

Não se faz isso com a mãe mais amada do Brasil nesse momento tão difícil. Ficamos sem Lurdes, mas com Ryan e Marina e cenas doídas sobre covid. Ninguém queria ver isso!

A volta de Lurdes após o hiato de quase um ano reforçou o que já sabíamos: a personagem de Regina Casé pertence hoje à galeria de tipos de memoráveis que povoam o imaginário popular nacional. A trajetória de Lurdes, sua busca por Domênico, como trama central da novela, foi bem conduzida.

Apesar dos percalços, Manuela Dias nunca deixou cair o interesse por essa catarse. A cena do reencontro dos dois entrou para a história da TV.

Quando Amor de Mãe estreou (em novembro de 2019), muito se questionou se Regina Casé não estaria repetindo tipos. Lurdes parecia ter muito da Val, sua personagem no filme Que Horas Ela Volta? (de 2015). Ledo engano.

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Val tem o seu lugar e Lurdes conquistou o espaço dela, com o devido distanciamento. Se fosse no cinema americano, Regina ganharia um Oscar.

Falar de Lurdes obriga naturalmente a citar Thelma, a antagonista desse amor de mãe. Impossível julgar quem se saiu melhor, Regina Casé ou Adriana Esteves. Eram personagens diferentes, mas que se complementavam. Nem Lurdes tratou Thelma como antagonista, pois conseguiu enxergar na loucura de sua rival o amor de mãe que reivindicou a vida toda. Daria empate nesse Oscar.

Além delas, muitos outros foram os talentos envolvidos em Amor de Mãe, da roteirização à direção (José Luiz Villamarim e equipe), da fotografia à trilha sonora, das caracterizações à cenografia.

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E o elenco robusto e bem dirigido, com destaque para Taís Araújo, Chay Suede, Jessica Ellen, Humberto Carrão, Irandhir Santos, Juliano Cazarré, Clarissa Pinheiro, Arietha Corrêa, Enrique Diaz e Isabel Teixeira em grandes momentos.

Um reforço para Chay Suede, destaque da nova geração, totalmente entregue nas cenas dos últimos capítulos.

Amor de Mãe continua em minha relação das melhores da década, apesar da segunda fase.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor