Novela acerta em cheio ao extrapolar clichês, mas nem tudo são flores

Todas as Flores, Letícia Colin

Com a primeira “temporada” de Todas as Flores totalmente disponibilizada no Globoplay, fica claro que não há problema para o público esperar quatro meses pela segunda e derradeira parte da história. O autor João Emanuel Carneiro cessa sua trama em um ponto que dá margem para um recomeço e uma virada que muda os rumos e os destinos de Maíra, Zoé, Vanessa e Rafael.

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Refiro-me a não haver perda para o telespectador, já que a trama não para em um ponto aleatório. Se nas séries americanas, arcos dramáticos são interrompidos para serem reiniciados um ano depois, qual o problema de esperar quatro meses para retomar a história a partir de um plot twist? Todas as Flores volta em 5 de abril de 2023.

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Tintas fortes

João Emanuel Carneiro aprendeu – já em 2015, com A Regra do Jogo – que, na telenovela, o folhetim nunca deve ser deixado de lado. Em Todas as Flores, o autor esgarça todos os clichês do melodrama e acerta em cheio. Nada mais envolvente do que uma vilã chapada, outra que mescla momentos de sordidez e humanidade, um mocinho passivo, um gigolô arrependido e uma mocinha que come o pão que Vanessa amassou para vingar-se depois.

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São as tintas fortes que fazem a diferença em Toda as Flores. Maíra só aceitou mudar sua essência movida pelo ódio a suas algozes. É como se a redoma que guarda a rosa delicada tivesse se quebrado, transformando-a em uma planta carnívora sedenta por justiça, pronta para abocanhar quem chegasse perto.

Ok, exagerei. Talvez inspirado pela novela.

Nem tudo são flores

Apesar de loura, Regina Casé não vai muito além do que já conhecemos da atriz. Pesa ainda o fato de Zoé ser uma personagem de altos e baixos que dança conforme a trama, mudando de lado de acordo com a necessidade do roteiro em prolongar ou não a história. Justifica-se pela dubiedade da personagem, mas a enfraquece dramaturgicamente. Zoé não é a grande vilã que as chamadas prometiam.

A arqui-inimiga de Zoé, Judith, vivida por Mariana Nunes, repete cenas e falas sem alteração de voz ou expressão. Parece um disco riscado. Tanto que sua frase “Tem dedo da Zoé nisso” virou meme na Internet. Mariana Nunes merecia que sua personagem também tivesse um plot twist. Talvez venha na segunda parte.

A trama de Oderdan (Dougla Silva) é tão descartável que foi esquecida na última leva de capítulos. É a única que não tem ramificações na trama central. Até a família de Darci, diferente da de Oberdan, se puxar um fio, cai no núcleo da Rhodes. Ainda bem que o streaming permite adiantar cenas, sem prejuízo à história.

Reprodução / Globoplay

Mauritânia, vivida pela ótima Thalita Carauta (foto acima), já foi chamada de “a dona da novela”. A personagem teve seu ápice naquele momento – em uma parceria supimpa com Suzy Rêgo –, mas está estagnada no tal concurso da Rhodes. Merece uma sacudida para voltar a causar.

Confesso que, nesta última semana, também pulei as cenas do concurso. Repetitivas e desnecessárias, não levam a lugar nenhum, a não ser ao previsível envolvimento da tia com o sobrinho. No concurso de Totalmente Demais (2016), pelo menos, sempre acontecia alguma parada – e, mesmo assim, era cansativo. 

Aplausos

É um deleite ver Letícia Colin esbanjando energia com sua Vanessa, uma vilã que “fala com os olhos”, algo notável em dramaturgia. O contraponto com a sutileza de Sophie Charlotte como Maíra, em gestos, falas e caracterização, é um recurso folhetinesco que foi bem trabalhado até aqui. Promete novas nuances e desafios na segunda parte da trama.

O núcleo da organização criminosa confere um caráter policial à produção, é bem conduzido e amarrado, com destaque para as interpretações de Nicolas Prattes (Diego), Bárbara Reis (Débora), Jackson Antunes (Galo) e Cássio Gabus Mendes (Luís Felipe). Já comentei anteriormente: uma pena Dona Dequinha ter saído da história. Kelzy Ecard estava soberba.

As interações dos atores deficientes visuais – Camila Alves (Gabi), Cleber Tolini (Márcio) e Moira Braga (Fafá), que também é uma das preparadoras do elenco – dão um toque saboroso à novela. Se Maíra carrega o peso dramático da personagem, os cegos trazem leveza e ajudam a desconstruir o estereótipo.

No mais, Todas as Flores mereceu a audiência e a repercussão que teve, pela trama envolvente, pela produção caprichada e pelo elenco bem escalado. Já destaquei: se tivesse ido ao ar na TV aberta, no lugar de Travessia, talvez teria sido outra novela.

Os tempos são outros, o público e seus hábitos mudaram. O formato merece uma arejada, que envolve encurtamento da trama. É bom, inclusive, para a sua subsistência.

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