Com Vai na Fé, a Globo fez um importante aceno à audiência evangélica. Ao contar a história de Sol (Sheron Menezzes), uma jovem evangélica que passa longe do estereótipo religioso que a TV reproduziu durante anos, a novela ajudou a emissora a ganhar pontos com este nicho da audiência.
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No entanto, tamanha conquista pode ser jogada no lixo com Terra e Paixão. A história de Walcyr Carrasco aposta em Nice (Alexandra Richter), uma religiosa caricata que reforça tudo aquilo que a novela de Rosane Svartman tentou desmistificar. Complicado…
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Caricatura
Apresentando-se como herdeira de Cândida (Susana Vieira), Nice chega à Nova Primavera disposta a mudar tudo no famoso bar da cidade de Terra e Paixão. Dizendo-se religiosa missionária, a personagem entra em cena pregando pela moral e pelos bons costumes, promovendo uma reforma radical no estabelecimento.
Mas, por trás da casca conservadora, esconde-se uma mulher sexualmente reprimida. Isso fica claro em diálogos nos quais ela reflete sobre os “corpos nus” que “frequentaram” os lençóis dos quartos do bar, que também é um prostíbulo. Além disso, Nice também vai querer promover a “cura gay” para “salvar” Kelvin (Diego Martins) e Luana (Valéria Barcellos).
“Você se desviou do bom caminho. Eu já estudei, sou missionária e vi muitos rapazes como você. Mas eu os encaminho para a cura”, dirá ela ao garçom.
Religiosidade
Já em Vai na Fé, a Globo apresentou uma série de personagens religiosos que passam longe dessa caricatura. Sol é evangélica, sempre demonstra sua fé em Deus e sua afinidade com a Bíblia, mas passa longe de ser uma reacionária que fala de igreja o tempo todo. Pelo contrário, é uma mulher comum, com os mesmos sonhos e objetivos de qualquer jovem. A religiosidade é apenas um traço de sua personalidade.
O mesmo acontece com Marlene (Elisa Lucinda) ou Jenifer (Bella Campos), que vivem sua vida religiosa, mas não são as típicas “carolas” que frequentaram as novelas da Globo por anos.
O Pastor Miguel (Adriano Canindé), líder da igreja frequentada por Sol, também passa longe do tom adotado por Nice em Terra e Paixão. O religioso prega a tolerância e o respeito, ao contrário da “missionária” criada por Walcyr Carrasco.
É preciso salientar, contudo, o talento de Alexandra Richter. Mesmo encarnando uma personagem estereotipada, a atriz o faz com bastante dignidade, sobretudo em razão de sua evidente veia cômica, que acaba deixando tudo mais leve.
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Erro que se repete
Durante anos, as novelas da Globo apostaram em estereótipos religiosos, e de todas as religiões. Tanto que as famosas “carolas” foram vilãs em várias novelas, como em Tieta (1989) e A Indomada (1997), com as inesquecíveis Perpétua (Joana Fomm) e Altiva (Eva Wilma), que, vale lembrar, eram católicas.
Mesmo quando apareciam evangélicas “do bem”, como Ivone (Kika Kalache) em Cheias de Charme (2012), elas eram retratadas como uma caricatura. Tanto que a amiga de Penha (Taís Araújo) só aparecia com uma Bíblia nas mãos e pregando, como se sua vida fosse resumida à religião.
Walcyr Carrasco também apelou para a caricatura em Amor à Vida (2013), com Verônica (Miriam Lins), que passou a novela toda distribuindo Bíblias. Mas, na mesma novela, o autor procurou fazer uma abordagem mais séria da religião por meio de Gina (Carolina Kasting). Em Babilônia (2015), Laís (Luisa Arraes) também era uma mocinha evangélica sem estereótipos.
Mas Vai na Fé foi um avanço no trato da religião em novelas. Fato que Terra e Paixão deve colocar a perder.