Nilson Xavier

Os confins do sertão nordestino estão de volta à teledramaturgia brasileira, com a estreia da novela Mar do Sertão, de autoria de Mário Teixeira e direção artística de Allan Fiterman. Fonte rica de recursos narrativos e dramatúrgicos, a ambientação faz parte do inconsciente coletivo nacional, ora representada como cenário miserável e arcaico, ora como palco de lutas por riquezas e poder.

Usando cidades reais ou fictícias, autores centralizaram tramas repletas de realismo mágico e personagens caricatos, cômicos e melodramáticos, com jagunços, coronéis e beatas em meio a disputas e amores entre famílias rivais. Muitas vezes com representações estereotipadas, a fome, a seca e a opressão do patriarcado serviram de combustível dramático para tramas de amor, vingança e superação.

Relaciono sete novelas em que o sertão foi mais que uma ambientação: praticamente um personagem dentro da narrativa. Muitas delas fizeram sucesso. Este é o desafio para Mar do Sertão.

Confira:

Cordel Encantado (2011)

Cordel Encantado

A união do encantamento da realeza europeia com as lendas heroicas do sertão brasileiro representada pelo romance de Açucena (Bianca Bin), moça criada por lavradores no Nordeste do Brasil sem saber que é princesa de um reino europeu; e Jesuíno (Cauã Reymond), jovem sertanejo que desconhece ser filho legítimo de Herculano (Domingos Montagner), o cangaceiro mais temido da região.

Uma superprodução com estética cinematográfica, Cordel Encantado foi um sucesso que cativou a audiência no horário das seis da Globo, pela produção primorosa e pela história contada ao sabor de fábula, que misturou elementos da cultura europeia com os tipicamente brasileiros.

Mandacaru (1997-1998)

Mandacaru, planta que nasce no sertão, dá o nome a essa história que tem o cangaço como tema, retratando seus costumes e discutindo a questão da terra. Ambientada nos anos 1930, em Jatobá, sertão da Bahia, a trama inicia após a morte de Lampião e Maria Bonita.

Apesar da baixa audiência e da crise que abalava a TV Manchete – ou por causa dela – Mandacaru foi a mais longa novela da emissora: 259 capítulos em praticamente um ano no ar. A emissora resolveu prolongar a novela porque o período posterior à Copa do Mundo da França seria mais propício para estrear a produção substituta, Brida.

Para justificar sua duração, a trama central inicial deu lugar a uma nova história, onde o personagem Zebedeu (Benvindo Siqueira) tornou-se o protagonista.

Maria Maria (1978)

Nívea Maria

Em suas andanças pelo sertão brasileiro, o tropeiro Ricardo Valeriano Brandão (Cláudio Cavalcanti) se depara com duas Marias, idênticas fisicamente, mas de condições e temperamentos opostos. A primeira é Mariazinha Alves, moça simplória e analfabeta, vítima da pobreza e da seca, cujo pai queria vendê-la em troca de mantimentos. A outra é Maria Dusá, culta, sofisticada e expansiva, com ares aristocráticos. As duas vividas por Nívea Maria.

Um sucesso da Globo dos anos 1970, a trama se desenrolava nas localidades de Lagoa Seca, Mucugê, Passagem e Xique-Xique, região do garimpo na Chapada Diamantina. Lá se encenou a maior parte da história, iniciada a partir de 1860, um ano depois de uma das maiores secas de que se tem notícia no período e que resultou em uma crise de alimentos conhecida como “a fome de 60”.

Velho Chico (2016)

Velho Chico

A disputa por terras tendo como principal personagem o temido Coronel Saruê (Antônio Fagundes) dá o tom para o amor difícil entre Santo dos Anjos (Domingos Montagner) e Maria Tereza (Camila Pitanga). O cenário era a fictícia Grotas de São Francisco, às margens do Velho Chico. A novela tratou de questões sociais relacionadas ao Rio São Francisco e à agricultura, meio ambiente e sustentabilidade, bem como coronelismo e política.

Entre as locações escolhidas, São Francisco do Conde, Raso da Catarina e Cachoeira, na Bahia; Baraúna, no Rio Grande do Norte; e Povoado Caboclo e Olho D’Água do Casado, em Alagoas. As tomadas aéreas que representavam a cidade de Grotas do São Francisco eram do município alagoano de Piranhas.

Onde Nascem os Fortes (2018)

A incessante busca de Maria (Alice Wegman) em descobrir o responsável pela morte de seu irmão Nonato (Marcos Pigossi). A trama se passava na fictícia cidade de Sertão e teve cerca de 60% das cenas feitas em externas e locações no semiárido paraibano. A equipe também rodou sequências no Piauí e em Pernambuco.

O autor George Moura declarou sobre a ambientação, antes da estreia:

“O sertão é um personagem. É um lugar com uma atmosfera mítica, que tem relação profunda com a formação do Brasil. Além do mais, dramaturgicamente, esse confronto entre o velho e o novo é profícuo. (…) Também é uma história que precisa ser passada naquele lugar de geografia horizontal e de conflitos tão verticais”.

Pedra Sobre Pedra (1992)

Pedra Sobre Pedra

A fictícia cidadezinha de Resplendor, na Chapada Diamantina, sertão da Bahia, é palco das disputas políticas entre as famílias Pontes e Batista, com destaque para o amor impossível dos jovens Leonardo Pontes (Maurício Mattar) e Marina Batista (Adriana Esteves).

A novela, escrita por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, ficou marcada pela trama repleta de realismo fantástico e pelas belas paisagens da região de Lençóis, na Chapada Diamantina.

Gabriela (1975 e 2012)

A maior parte da ação se passava em Ilhéus, no litoral baiano. Porém foi no sertão que iniciou a trama de Gabriela (Sônia Braga / Juliana Paes). Em 1925, uma grande seca no sertão baiano obrigou populações famintas a abandonarem o campo rumo ao sul e a regiões mais desenvolvidas. Entre os retirantes, a jovem Gabriela, que parte para Ilhéus acompanhada de um tio e dois homens que pretendiam trabalhar nas fazendas de cacau.

O remake da novela, em 2012, teve gravações na Serra das Confusões, no Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), e no Junco do Salitre, sertão de Juazeiro (BA). Foi lá, no meio da caatinga nordestina, que foram gravadas as cenas em que Gabriela deixa sua casa e foge da seca. A terra árida, o ar sem umidade, a natureza retorcida, o chão vermelho, compuseram o cenário da travessia da personagem.

PS 1: Apesar de seu nome, a novela Jerônimo, o Herói do Sertão (1973) se passava no interior do estado de São Paulo, ou seja, longe do sertão nordestino.

PS 2: Apesar de todo o estado do Ceará estar dentro da sub-região do sertão, novelas como Tropicaliente, Final Feliz e Meu Bem Querer, com ambientações no litoral do estado, não fazem parte da representação mítica do sertão proposta neste texto.

PS 3: Novelas como Roque Santeiro, Fera Ferida e A Indomada não deixam claro em qual parte do Nordeste brasileiro são ambientadas. Cidades como Ilhéus, Itabuna e todo o litoral baiano (das novelas Tieta, O Bem-Amado, Renascer e outras) ficam fora da sub-região do sertão.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor