Geralmente espero um mês para tecer críticas mais consistentes à novela que se inicia. Acho necessário um período mínimo para a obra mostrar a que veio. Nos Tempos do Imperador finalizou sua terceira semana, mas assuntos que reverberam merecem urgência. Na terça-feira (24), a autora Thereza Falcão manifestou-se quanto à crítica que recebeu sobre uma cena infeliz do capítulo de sábado (21), que sugeria racismo reverso.

Na sequência, Pilar, a sinhazinha branca, é impedida de hospedar-se na Pequena África, um lugar de acolhimento de negros, já que suas chances de encontrar um local fora de lá são maiores do que se fosse negra.

Samuel, o namorado negro da sinhazinha branca, então questiona: “Como queremos ter os mesmos direitos se fazemos com os brancos as mesmas coisas que eles fazem com a gente?” – uma lógica descabida que sugere racismo reverso e que não deveria ser proferida por um personagem negro.

Pilar explica a Samuel que compreende a situação da Pequena África “… porque os brancos têm tudo, enquanto os negros…”. E a cena continua descabida, já que a explicação partiu de uma branca, o que põe o negro em condição inferior. Tudo errado nessa cena!

Thereza Falcão – que assina a novela com Alessandro Marson – respondeu ao post do influenciador AD Junior, desculpando-se pelo diálogo alegando que a cena foi escrita em 2018, quando os roteiristas da novela ainda não contavam com uma assessoria especializada.

São décadas e décadas de novelas tratando a escravidão do ponto de vista de brancos, com abordagens a questões raciais escritas por brancos, com Escravas Isauras, Sinhás Moças e Princesas Isabeis posando de salvadoras e redentoras de negros.

Não há mais espaço na teledramaturgia para esse tipo de situação e abordagem. Em 2018, a Globo recebeu todo tipo de crítica por mostrar uma Bahia esbranquiçada na novela Segundo Sol. Logo, o assunto já estava em pauta na ocasião.

Em minha crítica final à novela Salve-se Quem Puder, destaquei o caso escandaloso das antagonistas negras da novela (concorrendo com as protagonistas brancas), retratadas como loucas, desonestas ou hipersexualizadas, o que só reforça estereótipos negativos da mulher negra. O mesmo acontecerá em Nos Tempos do Imperador, em que a sinhazinha branca magnânima terá seu romance prejudicado por uma negra “invejosa”. De novo? Francamente!

Chamei a atenção para o fato de a emissora, ao mesmo tempo em que apresenta um especial maravilhoso como Falas Negras, não pratica, no restante de sua programação, a filosofia antirracista que tenta vender, o que é uma total incoerência.

Não se trata apenas da ausência em salas de roteiro de especialistas ou pessoas que sentem o preconceito diariamente. O problema de Nos Tempos do Imperador já começa na concepção de sua trama: na insistência da figura da sinhá branca salvadora de negros. Nem vou entrar no mérito da romantização e do revisionismo histórico envolvendo a figura de Dom Pedro II e a família real. Este assunto fica para adiante.

Infelizmente, esses erros continuarão a acontecer enquanto não houver uma mudança de atitude objetiva para que criação e produção de programas que abordam a questão racial envolvam profissionais negros, da roteirização à direção e elenco. E que se estenda à toda grade de programação.

Fazendo a pesquisa para esse texto, me deparei com um provérbio africano que serve para ilustrar essa situação, mais ou menos assim: “Enquanto os leões não tiverem os seus próprios historiadores, a História será sempre uma versão dos caçadores“.

Outro post que sugiro a leitura é o da influencer Maíra Azevedo, a Tia Má:

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor