SBT X Globo – A Guerra dos enlatados

Todo mundo conhece as brigas que SBT e Globo travaram nos anos 1980 e 1990 pela liderança na audiência. O SBT incomodou – e muito – a emissora carioca, mas nunca conseguiu tirar sua liderança absoluta do primeiro lugar.

Nos anos 1980, o embate se dava pela exibição de filmes e seriados: os enlatados alavancavam a audiência das emissoras em uma época que torrents e Netflix eram impensáveis e o vídeo cassete era um artigo de luxo. Para ver um bom filme e o seriado do momento, era preciso estar ligado na Globo ou no SBT.

A “briga” de séries entre as duas era boa: a Globo exibia Magnum, A Gata e o Rato, Dallas, Duro na Queda, entre outros sucessos. Já o SBT exibia A Super Máquina, Esquadrão Classe A, O Homem que Veio do Céu, Super Herói Americano, etc.

Mesmo com a disputa acirrada, duas produções da televisão americana criaram histórias curiosas, das quais o SBT, que adquiriu as atrações, levou a melhor nas duas vezes contra a Globo. E vamos recordar elas agora:

Pássaros Feridos

Silvio buscava melhorar o Ibope, trazendo uma audiência mais qualificada para o SBT. Como estava saindo do popularesco para o popular, decidiu exibir filmes e séries de melhor qualidade para atrair o público que não gostava da TVS.

A emissora gastou 240 mil dólares e adquiriu a minissérie Masada, cuja história narrava, em tom ficcional, o cerco do Império Romano na cidade homônima, em Israel. A superprodução contava com a atuação do ator Peter O’Toole. A Globo não ficou parada e exibiu Shogun e Os Últimos Dias de Pompeia.

O SBT saiu no prejuízo, perdendo para a Globo, e Silvio entendeu que precisava esperar para lançar um filme ou série sem ser prejudicado por sua rival.

Nesse meio tempo, foi oferecida para ambas, a minissérie Pássaros Feridos, estrelada por Richard Chamberlain e Rachel Ward. A minissérie contava a história de um padre que vivia um dilema: continuar a vida religiosa ou viver uma vida amorosa?

As duas recusaram: O SBT pelo valor, que era bem salgado, e a Globo que temia alguma restrição da censura, ainda existente no Brasil. Porém, um ano depois, a série foi novamente oferecida ao SBT por um preço mais baixo, em torno de 120 mil dólares. A partir daí, Silvio não pensou duas vezes e comprou a minissérie e não enfrentou nenhum problema com a censura: a atração foi liberada sem corte algum.

Na época em que a minissérie foi lançada, a Globo exibia Roque Santeiro, do genial Dias Gomes, que estava batendo recorde de audiência. O Brasil literalmente parava para ver a trama envolvendo Roque Santeiro, Viúva Porcina e Sinhozinho Malta.

Mesmo com todo o sucesso da novela, Silvio lançou Pássaros Feridos e adotou uma estratégia que deu muito certo: em seu programa, fez propaganda da minissérie e também da novela global. O reclame tranquilizava os espectadores afirmando que todos poderiam curtir a novela da Globo, pois a minissérie entraria no ar logo após.

Não deu outra, o SBT atingiu uma incrível audiência e a Globo esticava a novela, atrasando a mais nova atração do canal 4 de São Paulo.

Sem tempo ruim, o SBT exibia um boletim de notícias e A Pantera Cor de Rosa. Uma legenda deixava o espectador atento: “Dentro de instantes, assista: Pássaros Feridos”

Miami Vice

Em 1984, entrou no ar um seriado que revolucionou a televisão: Miami Vice. A série, que estreou em setembro de 1984 pela NBC, mostrava a história de dois policias, Sonny Crockett e Ricardo Tubbs, que se infiltravam no submundo do tráfico de Miami.

A série fez grande sucesso pelo estilo inovador: partes de alguns episódios lembravam videoclipes, que na época estavam populares graças à MTV. Músicas de Tina Turner, Phil Collins, Glenn Frey, entre outros, faziam parte da trilha sonora da série.

O sucesso foi tão grande que as duplas de detetives estamparam a capa da revista Time, discos com a trilha se esgotaram, um jogo para computador foi lançado, além da audiência que crescia cada vez mais.

Você deve estar se perguntando: “Silvio Santos queria muito essa série, né?”. Não, ele não queria.
Silvio sempre participou das feiras de televisão, buscando formatos, filmes e séries para a TVS. Em 1985, Silvio e a Globo se interessaram pelas atrações que a NBC estava vendendo naquela feira.

Os olhos do patrão se voltaram para a série Moto Laser, que contava a história de um policial que combatia o crime com uma moto moderna. A Globo ficou de olho e entrou na disputa pela compra do mesmo programa e levou a melhor: adquiriu a série e levou outra, Águia de Fogo. Frustrado, Silvio levou Miami Vice.

Nessa época, Miami Vice estava se popularizando nos EUA e, aquilo que seria uma frustração, virou um trunfo para a TVS. Silvio tinha em mãos uma série que revolucionou o segmento e estava valorizando cada vez mais. A frustração, portanto, passou para a Globo, Moto Laser não vingou e acabou durante uma temporada apenas.

A data de estreia ficou marcada para o dia 5 de março de 1986, porém, para evitar surpresas da vênus platinada, no domingo, dia 2, foi exibido o primeiro episódio da série, no formato de um longa metragem, dentro do programa Silvio Santos.

A TVS aproveitou a boa fama e vendeu as cinco cotas de patrocínio, além de ganhar o direito de explorar a marca, tanto em discos, quanto em fitas de vídeo.

A audiência daquela noite foi boa, mantendo a TVS na liderança no horário. Na quarta-feira, no segundo episódio, trouxe um ótimo índice para a emissora, alcançado quase 20 pontos no horário, enquanto a Globo liderava com 31 pontos exibindo a série A Gata e o Rato.

Assim que a Gata e a o Rato saiu do ar, Miami Vice liderou a audiência. O próprio Silvio tinha consciência que Miami Vice não era para os espectadores da TVS e que na Globo a série teria uma audiência maior e melhor.

Entretanto, apesar de tudo, era a chance da TVS “chamar” o público que estava ligado na Globo.
Silvio foi, naquela época, o “Midas dos enlatados”.


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Fábio Marckezini é jornalista e apaixonado por televisão desde criança. Mantém o canal Arquivo Marckezini, no YouTube, em prol da preservação da memória do veículo. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor