A edição especial de A Força do Querer está entrando na reta final. Apesar do sucesso, a trama de Glória Perez, dirigida por Rogério Gomes, também apresentou defeitos, como a passagem de tempo de um ano, a vilania fraca de Irene (Débora Falabella) e alguns perfis que prometeram e não cumpriram, por exemplo. E, infelizmente, outro erro foi a desnecessária gravidez de Ivana/Ivan (Carol Duarte).

A situação pegou muitos telespectadores de surpresa, afinal, o agora rapaz nunca mais viu Cláudio (Gabriel Stauffer) depois da passagem de tempo de um ano. Então, obviamente, vários questionaram a hora que essa criança foi concebida. Entretanto, a personagem transou com o ex uma única vez depois desse ano. A questão é que ninguém percebeu isso, pois realmente pareceu que foi antes. Ou seja, não teve relevância alguma para o andamento dos conflitos. Portanto, compreensível o estranhamento. O ‘curioso’ é que isso é o de menos.

Afinal, a demora na descoberta dessa gravidez ficou totalmente inverossímil. Se passaram mais de três meses e todos sabem, até homens, que mulheres ficam com sensibilidade nos seios (e os mesmos crescem) durante a gestação, por exemplo. Mas, Ivana não percebeu nada. Nem mesmo quando enfaixava os seios, os apertando fortemente para fingir que não tinha nada. Não doía mais que o normal, não? E a interrupção da menstruação, claro, é o maior sinal de um bebê a caminho.

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Só que nesse caso dá para entender, pois o uso de testosterona interrompe o período menstrual, além de engrossar a voz, provocar o nascimento de pelos, enfim. Porém, esse fato esbarra em mais um contexto fantasioso ao extremo.

Ivana começou a injetar hormônio masculino em seu corpo pouco tempo depois dessa ‘recaída’, já que conheceu o trans Tarso Brant, finalmente descobrindo o que ela era. Ou seja, já era para ter sofrido um aborto. Se até os homens que usam testosterona sem prescrição médica sofrem com esterilidade, imagine uma mulher. O uso de hormônio masculino em uma mulher que se vê como trans, por exemplo, acaba atrofiando os ovários e o útero, segundo médicos especializados.

Não havia condição de Ivana carregar um feto por quatro meses, como ocorre na trama. Até porque nem há acompanhamento médico e a gravidez foi ‘acidental’. É importante observar, inclusive, que há homens trans que engravidam, sim. Não é irreal. A diferença é o planejamento familiar. Todos fazem tratamento com médicos e têm que parar de usar hormônio masculino, pois todos os hormônios femininos são importantes para a saúde da gravidez.

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Novela não tem que ensinar nada, pois é entretenimento, mas, querendo ou não, esse fato acabou sendo um duplo desserviço. Primeiro porque não mostrou nenhum efeito grave que o uso de testosterona sem acompanhamento pode causar – o único efeito colateral foi um ataque de raiva diante de Zu (Cláudia Mello). E, segundo, porque mostrou, de forma involuntária, que um homem trans só recebe o apoio da família quando engravida. Sim, pois foi isso que ocorreu. Ivan só voltou para casa, fazendo as pazes com Joyce (Maria Fernanda Cândido), porque contou sobre a gravidez. A mãe não esconde a esperança de ter a filha de volta por causa disso.

E o pior de tudo é a forma como a personagem perde o bebê: espancado por homofobia. É válido demais expor a sociedade intolerante e preconceituosa (ainda mais atualmente), mas fazer Ivan abortar por um fator que nada tem a ver com o uso indiscriminado de testosterona é absurdo. Se essa perda viesse por conta do uso do hormônio, sem dúvida, seria uma ótima solução para toda a situação desnecessária criada na reta final.

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Além disso, é preciso citar ainda a forçação em torno do amor de Ivan por Cláudio. O casal raramente teve momentos românticos, pois ela sempre estava incomodada perto dele (por ainda não saber quem era) e o ex sempre fez questão de fazê-la mais feminina. A junção deles no fim, o que deve ocorrer, será mais fantasiosa que um conto de fadas da Disney. Depois de todos os problemas apresentados, Cláudio verá Ivana como homem, não estranhará, e se descobrirá bissexual? Muita informação.

Glória Perez merece todos os elogios possíveis pela coragem em retratar o transgênero, entrando para a história da teledramaturgia. Carol Duarte esteve maravilhosa em A Força do Querer e foi a maior revelação daquele ano. A vida dessa personagem foi apaixonante e cativou o público. Mas essa gravidez na reta final acabou soando irreal demais, prejudicando, em parte, uma trajetória que estava até então irretocável. Não precisava mesmo.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor