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Nesta segunda (12), a Globo estreia a “edição especial” de Haja Coração, de Daniel Ortiz (de 2016), no momento em que o canal Viva reprisa a novela que a originou, Sassaricando, de Silvio de Abreu (de 1987-1988). Comparações são sempre inevitáveis, mas vale ressaltar que Haja Coração nem é exatamente um remake, mas uma releitura de Sassaricando.
Daniel Ortiz destacou na época do lançamento de sua novela: “Estou criando uma nova versão para uma de minhas novelas favoritas (…) embora alguns personagens mantenham os nomes, interagem com outros novos e enfrentam os dilemas dos dias de hoje, o que nos permite contar a história de uma nova forma”.
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Digo mais: suas propostas são bem diferentes. A trama de Silvio de Abreu estava calcada no estilo que o autor solidificou no horário das sete da Globo na década de 1980: a comédia rasgada, pastelão, com direção dinâmica, repleta de alusões cinematográficas e do universo pop. Por causa das referências no texto, pode-se até afirmar que Sassaricando era uma “novela cabeça”, ainda que embasada no folhetim e privilegiando o humor e personagens caricatos.
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Haja Coração segue uma linha moderna de novela mais preocupada em conquistar a audiência fácil, fórmula de Fina Estampa e de toda a obra de Walcyr Carrasco. É uma trama que pisa fundo no maniqueísmo, sem cerimônia ou sutileza, com humor que beira o infantilóide, direcionada ao público do sofá que não quer pensar muito, ou ligar lá com cré.
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Não se trata de ser melhor ou pior, é apenas uma questão de estilo. A TV vive um outro momento, mais conservador, em que o texto mastigado e sem conexão com a realidade agrada mais o telespectador médio cansado da vida dura. Nada de entrelinhas, referências, tramas muito elaboradas ou realismo.
Com direção pouco inventiva e texto mastigado, o elenco faz o que pode. Mariana Ximenes e Tatá Werneck são ótimas, mas suas Tancinha e Fedora não têm a força das personagens vividas por Cláudia Raia e Cristina Pereira em 1987. Isso fica evidente agora, com a reprise de Sassaricando.
Claudia Raia estava muito tons acima, mas o exagero combinava com a figura espalhafatosa da personagem. Mariana Ximenes pega mais leve, mas sua Tancinha parece uma boneca Barbie. Já Tatá, ao afastar-se da interpretação de Cristina Pereira, parece viver outra Fedora. O bom é que as atrizes criaram tipos diferentes, em vez de seguir a armadilha da imitação.
Os personagens principais de Sassaricando – Aparício, Rebeca, Penélope e Leonora -, carregam o peso de seus intérpretes, Paulo Autran, Tônia Carrero, Eva Wilma e Irene Ravache. Em Haja Coração, Alexandre Borges, Malu Mader, Carolina Ferraz e Ellen Roche nem se aproximam dos atores originais. Contudo, suas escalações e linhas de interpretação têm o propósito de tirar o protagonismo absoluto dos personagens, já que os protagonistas de Haja Coração são Tancinha, Apolo e Beto (que eram coadjuvantes em 1987).
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De todo o elenco, a única que, pode-se afirmar, está em pé de igualdade com sua intérprete original é Grace Gianoukas, tão boa como a megera Teodora Abdalla quando foi Jandira Martini no passado. Na verdade, Haja Coração foi calculada para fugir o máximo de Sassaricando, mesmo usando tramas e perfis de personagens muito semelhantes.
Definitivamente – salvaguardadas as proporções de tempo – são obras muito distintas. As duas fizeram sucesso, cada qual em sua época. Entretanto, será preciso mais tempo para comprovar se Haja Coração entra para a história como Sassaricando.
SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.
SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.