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Uma das várias qualidades de Vai na Fé era a maneira natural com que a trama abordava questões referentes à sexualidade humana. Pela primeira vez numa novela, a diversidade sexual vem sendo mostrada sem rótulos por meio de personagens como Yuri (Jean Paulo Campos) e Clara (Regiane Alves).
Essa última, que vive um casamento tóxico, se vê envolvida com Helena (Priscila Sztejnman), sua personal trainer. O relacionamento agradou ao público, que torce para que Clara dê a volta por cima e se livre de uma vez dos abusos de Theo (Emilio Dantas).
Por isso mesmo, a cena de beijo entre as personagens, prevista para ir ao ar no capítulo do dia 10 de maio, era bastante esperada. Mas o momento de carinho não aconteceu, para frustração da audiência. Trata-se de um passo atrás numa novela que vinha tratando relações homoafetivas de uma maneira bastante arrojada.
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Romance no ar
A aproximação entre Clara e Helena aconteceu de uma maneira muito natural. Vivendo um casamento infeliz, a dona de casa acabou vendo na personal trainer uma confidente. Assim, elas se tornaram amigas, o que começou a modificar a maneira com que Clara encara a própria vida.
Não demorou para que Helena, uma mulher homossexual bem resolvida, se descobrisse apaixonada pela aluna. E Clara, por sua vez, se percebeu bastante envolvida pela personal. Isso fez com que um relacionamento entre elas se tornasse cada vez mais possível.
O sentimento ficou evidente na sequência em que Clara e Helena se olham durante um treino. A cena seria finalizada com um beijo apaixonado entre as duas mulheres. No entanto, no ar, só se viu a troca de olhares seguida de um diálogo em que Helena se mostra nervosa e Clara, com as mãos nos lábios, meio confusa. Claramente, a cena de beijo foi cortada.
Corte sem explicação
Sem a cena de beijo, a sequência envolvendo Clara e Helena perdeu o sentido. Ficou evidente que houve uma troca de carinhos ali, mas o público não viu o que aconteceu. O corte do beijo ficou estranho, já que a cena constava no resumo dos capítulos da novela divulgados pela Globo.
A edição, claro, gerou revolta nas redes sociais. Os fãs da novela logo começaram a apontar censura nas cenas de carinho envolvendo Clara e Helena. Censura, diga-se, que parecia superada, já que sequências envolvendo beijos com pessoas do mesmo sexo não pareciam mais ser tabu na Globo.
A própria Vai na Fé exibiu um selinho entre Yuri e Vini (Guthierry Sotero) recentemente. Clara e Helena também chegaram a se beijar, numa cena em que queriam dispensar uns homens que as paqueravam. Ficou estranho.
Retrocesso
Apesar de já ter mostrado cenas de beijo entre pessoas do mesmo sexo em várias novelas, como Amor à Vida (2013), Malhação – Viva a Diferença (2017), Órfãos da Terra (2019) e tantas outras, a Globo ainda parece insegura ao mostrar cenas de carinho envolvendo homossexuais. Tanto que Além da Ilusão (2022) foi bastante criticada ao “esconder” o beijo entre Leopoldo (Michel Blois) e Plínio (Nikolas Antunes).
Porém, em Vai na Fé, o retrocesso soa ainda maior, já que a novela sempre se mostrou bastante transgressora ao falar sobre diversidade sexual. A trama apresenta diferentes tipos de possibilidades de configuração de casais em que o gênero dos envolvidos não é uma questão. Ou seja, a novela naturaliza a sexualidade fluida e a autodescoberta.
Yuri, por exemplo, está dividido entre Vini e Guiga (Mel Maia), e isso depois de passar um bom tempo apaixonado por Jenifer (Bella Campos). Entre os espectadores, há torcidas pra que ele se resolva com o rapaz ou com a moça. Ou até mesmo com Fred (Henrique Barreira), que é heterossexual (até o momento…).
Ou seja, numa mesma novela, a Globo se mostra transgressora e conservadora acerca de uma mesma temática. Uma pena…
Globo se pronuncia
Diante das reclamações do público, a Globo enviou um comunicado no qual explica o motivo de a cena de beijo entre Clara e Helena não ter ido ao ar.
“Toda novela está sujeita a edição. Uma rotina que atende às estratégias de programação ou artísticas. Isso, inclusive, é sinalizado nos resumos de capítulos divulgados pela Globo”, declarou a emissora.
Em recente entrevista ao jornal Extra, a autora Rosane Svartman comentou sobre os limites de sua obra.
“Da parte do público, não percebo tabu [sobre cenas de beijo entre pessoas do mesmo sexo]. Mas não é a aceitação das pessoas que dita o que se pode ou não mostrar numa novela. Há a classificação indicativa, existem outras instâncias que eu, como autora, não acompanho (…). Em geral, na história da TV aberta, há forças de resistência e controle desde sempre. No fundo, tem a ver com a sociedade”, disse.