Menino levado da breca, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, sempre estava com tudo e nunca estava prosa, como dizia o bordão da música-tema de seu programa. Logo em sua estreia na Rede Globo, em 5 de julho de 1967, vindo da TV Rio, o irreverente apresentador pregou uma peça em José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e infestou o prédio da emissora de pulgas.
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Pelo menos profissionalmente, a relação entre Chacrinha e Boni, todo-poderoso da Globo durante décadas, nunca foi das melhores. Já destacamos em outra coluna que a saída do apresentador do canal, em 1972, se deu após uma forte briga com o diretor. O animador foi contratado a contragosto de Roberto Marinho, que queria elevar o nível do canal. Mas Chacrinha dava Ibope e trazia anunciantes.
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Após o contrato assinado, vieram as reuniões para definir o conteúdo da Discoteca do Chacrinha e da Buzina do Chacrinha, os dois programas que ele teria na emissora. Foi solicitado, apenas, que ele tentasse melhorar o nível das atrações.
Contrariado, Chacrinha resolveu promover um concurso para escolher o cachorro com maior número de pulgas. Isso mesmo que você leu.
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Em seu “O Livro do Boni” (Casa da Palavra, 2011), Boni conta que o apresentador chamou Anthony Ferreira, seu gerente de produção, e mandou imprimir folhetos sobre o concurso. A propaganda, distribuída em todo o Rio de Janeiro (RJ), foi feita sem conhecimento por parte do canal.
O resultado foi desastroso, pelo menos para a estrutura da sede da emissora, no Jardim Botânico. Mais de 100 cachorros estiveram no palco e concorreram ao prêmio. O vencedor tinha nada menos que 7.000 pulgas – nem me pergunte como calcularam isso.
No dia seguinte, a rua e a sede da emissora amanheceram com faixas contra o apresentador e seu programa. “Querem manter a Pacheco Leão? Acabem com o Chacrinha”, dizia um dos protestos.
O prédio da Rede Globo, que tinha apenas dois anos de vida, ficou infestado de pulgas. Roberto Marinho ficou dias sem pisar lá até que tudo fosse desinfetado.
Cada um na sua função
Boni contou em seu livro um diálogo entre Chacrinha e o coronel Paiva Chaves, que era chefe dos Serviços Gerais e cuidava da manutenção do prédio:
“Desculpe, mas o senhor não pode fazer isso aqui na Globo”, disse o coronel.
“Quem é o senhor? O que faz aqui?”, perguntou Chacrinha.
“Eu sou o coronel Paiva Chaves e, entre outras coisas, sou o chefe dos Serviços Gerais”, respondeu.
“Ótimo. Estou falando com a pessoa certa. Cada um na sua função: eu faço programas, o senhor dedetiza, tá bom?”, devolveu o apresentador.
Boni também contou que Walter Clark, executivo da Globo na época e um dos fiadores da contratação do apresentador, foi ao banheiro e vomitou ao ver o emaranhado de pulgas pelos corredores da emissora.
Sem controle
“Minha convivência com o Chacrinha, na TV Rio, havia sido muito curta, mas o suficiente para constatar que ele tinha personalidade forte e era teimoso. Sabia que daria audiência, mas temia não poder controlá-lo. O Dr. Roberto, consultado, não via com bons olhos a contratação”, disse Boni no livro. “Nossa amizade pessoal cresceu muito, mas, profissionalmente, nunca chegamos a um entendimento pleno”, completou.
Chacrinha não se fez de rogado – com toda a polêmica causada pelo episódio das pulgas, logo na estreia, disparou: “O Boni quer melhorar o nível, mas a Globo tem é que ser mais popular”.
Os dois programas foram exibidos na emissora até o fim de 1972 – a Discoteca terminou no dia 29 de novembro e a Buzina no dia 3 de dezembro. Chacrinha foi para a Tupi e a Globo criou, menos de um ano depois, o Fantástico para ocupar seu lugar.