Como é de conhecimento geral, a novela A Viagem – sucesso da Globo produzido em 1994 – é o remake de uma antiga novela de Ivani Ribeiro, exibida pela TV Tupi entre 1º outubro de 1975 e 27 de março de 1976.

Tenho uma vaga lembrança desta primeira versão, mas era muito criança. Lembro de ter ficado impressionado com as imagens de Ewerton de Castro – o Alexandre – no Vale dos Suicidas e não quis mais ver a novela. Meus pais, católicos, tampouco a prestigiaram, por puro preconceito. Esta versão foi reprisada pela Tupi em 1980, durante os últimos meses da emissora, mas também não acompanhei.

Até pouco tempo, era possível assistir alguns capítulos soltos de A Viagem original no site da Cinemateca de São Paulo, mas o endereço hoje está fora do ar. Alguns destes capítulos estão disponíveis no YouTube.

Sempre que um remake é produzido, surge a curiosidade pelas diferenças entre a novela antiga e a atual e quais modificações foram feitas. Do que li, pesquisei e assisti da primeira versão de A Viagem, pode-se afirmar que muito pouco difere uma novela da outra.

Proposta diferente

A primeira diferença é a proposta, visto que cada novela faz parte de contextos distintos, no que se refere à sociedade e à produção de televisão de cada época.

A Viagem da Globo é uma novela romântica e até leve, se considerarmos que foi exibida no horário das sete da noite. Há um peso dramático, claro, mas diluído em abordagens brandas, às vezes poéticas, e com bons núcleos de humor, com personagens engraçados. É o chamado “alívio cômico”, que serve para aliviar as passagens mais dramáticas – caso do núcleo de Dona Cininha (Nair Bello), por exemplo.

A Viagem da Tupi foi exibida no horário das oito (equivalente ao das nove hoje em dia), no qual se permite um enfoque mais dramático e até mais realista. Portanto, não seria exagero dizer que a versão dos anos 1970 é mais densa e até mais pesada que a dos 1990. Isso é percebido logo na abertura, tanto nas imagens, quanto na música.

Enquanto a abertura de A Viagem da Globo apresentava imagens da natureza que perdiam o foco transformando-se em nuvens, a abertura da novela da Tupi fazia uma associação explícita com a doutrina espírita, com imagens de um livro sendo folheado (uma bíblia? um dos livros de Allan Kardec?). Para a reprise dessa novela, em 1980, foi feita uma nova abertura, um misto aleatório de imagens esotéricas e metafísicas.

Já a música extremamente romântica do Roupa Nova que embalava a abertura na Globo em nada lembra os acordes de rock progressivo de cada música nas duas aberturas que a novela teve na TV Tupi.

Nomes trocados

Outro ponto de diferenciação entre as produções são os nomes trocados de alguns personagens. Na versão da Tupi, o advogado César Jordão (Altair Lima) era um dos protagonistas. Como na novela anterior da Globo no horário das sete, Olho no Olho, já havia um personagem de destaque chamado César (Zapata, de Reginaldo Faria), Ivani, para o remake de A Viagem, mudou o nome de seu protagonista para Otávio César Jordão (ou apenas Otávio Jordão), vivido por Antônio Fagundes.

Mais personagens que tiveram seus nomes alterados: Maria Lúcia (Suzy Camacho), a filha de Estela na Tupi, chamou-se Bia na Globo (Fernanda Rodrigues); Dona Isaura (Carmem Silva), mãe de Diná, passou a ser Dona Maroca (Yara Côrtes); Dona Josefina (Yolanda Cardoso), mãe de Téo, teve seu nome reduzido para Josefa (Tânia Scher); Hélio (Ricardo Blat), irmão de Lisa, chamou-se Zeca (Irving São Paulo) em 1994; a Dona Cidinha (Lúcia Lambertini), proprietária da pensão, passou a ser Dona Cininha (Nair Bello), e outros. O sobrenome da família de Diná também foi alterado, de Veloso para Toledo.

A trama das duas novelas é praticamente a mesma. Mas há algumas diferenças. A filha adolescente de Estela, Maria Lúcia (Suzy Camacho) tem dois pretendentes: Júnior (filho de Otávio) e Hélio (Ricardo Blat), irmão de Lisa. Júnior também namorou Nenê (Teresinha Sodré), equivalente à Naná (Keila Bueno) na Globo.

Na Tupi, Mascarado era Sombra

A pensão de Dona Cidinha (Lúcia Lambertini) não tinha aquele mundo de moradores que teve na Globo. Na primeira versão não havia os personagens Bárbara, Sofia, Padilha, Vovó… Na pensão da Tupi, circulavam apenas Seu Tibério (Abrahão Farc), Nenê (Teresinha Sodré), Fátima (Wilma de Aguiar) e Jurandir (Oswaldo Campozana). Dona Cidinha já era uma personagem engraçada, que disputava Tibério com Fátima. Inclusive emplacou o mesmo bordão de Nair Bello na Globo: “Fala a verdade!“.

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Na Globo, o Mascarado (Breno Moroni) teve um desenvolvimento bem maior do que o seu equivalente na Tupi – que tinha outro nome, Sombra, vivido por Carlos Augustro Strazzer. O personagem fez tanto sucesso em 1994 que sua trama ganhou ramificações que não aconteceram na Tupi. Aliás, o nome Mascarado surgiu para atender um pedido de Fausto Silva, que já tinha um Sombra em seu programa Domingão do Faustão, no quadro em que o ator Santiago Galassi fazia brincadeiras com as pessoas nas ruas.

A Viagem

A trama de A Viagem da Globo é carioca, tendo como cenários a Urca e a Barra, entre outros bairros e locações próximas do Rio. A novela da Tupi era paulista – a família de Diná (Eva Wilma) tinha propriedade no Guarujá, inclusive. Na Globo, Diná e Andreza (Christiane Torloni e Thaís de Campos) eram sócias de uma videolocadora, onde trabalhava Carmem (Suzy Rêgo), que se passava por feiosa. Como na década de 1970 ainda não existiam videolocadoras como as conhecemos, o negócio que Diná (Eva Wilma) tinha com Andreza (Joana Fomm) na Tupi era uma butique, onde trabalhava a “feiosa” Carmem (Ana Rosa).

Para fugir das imagens estereotipadas do paraíso, a produção da Globo escolheu um campo de golfe em Nogueira, distrito de Petrópolis (RJ), para ambientar o Nosso Lar, para onde vão os espíritos desencarnados “do bem”. Na Tupi, não era um campo de golfe, mas um vasto jardim com alamedas. E havia inclusive uma casa – o Nosso Lar em questão.

AQUI tem tudo sobre a primeira versão de A Viagem: a trama, o elenco, descrições dos personagens, trilha sonora e muitas curiosidades.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor