Morto há quatro anos, após uma longa batalha contra a doença degenerativa de Machado-Joseph, Guilherme Karam teve dois grandes destaques na carreira: sua atuação no humorístico TV Pirata (1988) e o mordomo Porfírio, de Meu Bem, Meu Mal (1990), ambas produções da Rede Globo.

Este último, que começou discreto, ganhou espaço na trama, que será disponibilizada no Globoplay a partir desta segunda (28), e se tornou o personagem preferido do autor, Cassiano Gabus Mendes (1929-1993).

Mordomo e secretário pessoal de Dom Lázaro Venturini (Lima Duarte), Porfírio era responsável pelo bom andamento da casa e fiel ao seu patrão. Com o decorrer da trama, começou a assediar a jovem Magda (Vera Zimermann), amiga de Vitória (Lizandra Souto), conquistando o público com o bordão “divina Magna” e falando obscenidades para a amada, como, por exemplo: “lareira acesa, conhaque, sexo explícito perto do fogo, a lenha crepitando e soltando fagulhas no nosso traseiro”. Ele também dizia que sonhava apanhar de Magda, que vivia o insultando após as investidas, até ceder aos seus encantos no final da novela, com aprovação do público.

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O personagem surgiu por acaso. Em entrevista ao jornal O Globo de 13 de janeiro de 1991, Karam disse que queria aproveitar a chance de mostrar que não era só comediante. Quando recebeu a notícia de que o TV Pirata ia acabar, em julho de 1990, ao invés de pedir férias achou que era a hora de partir para as novelas.

“Quando soube que a novela das oito seria um folhetim, perguntei ao Daniel Filho se não teria um papel para mim, já que era um trabalho diferente ao que o público se acostumou no TV Pirata. Ele disse que ia ver se era possível, por eu ser um comediante”, disse.

O ator também ligou para Gabus Mendes, que lhe prometeu uma chance. “Ele disse que adorava o meu trabalho, parou uns 10 segundos e disse que ia pensar num papel para mim”, explicou.

Na época, o ator tinha 13 de carreira, tendo feito, além do TV Pirata, a novela Partido Alto, na Globo, em 1984, e três produções na Manchete: Dona Beija, Carmem e Tudo ou Nada. Para Meu Bem, Meu Mal, emagreceu 12 quilos, deixou a barba crescer e mudou a cor dos cabelos, além do tom de voz – no humorístico, vivia aos berros.

“Esse personagem está me permitindo ter um tom, uma postura e um andar diferentes, fazendo cair o rótulo de que eu era apenas um comediante e que talvez não tivesse talento, entre aspas, para um papel mais contido. Acho que é isso que está surpreendendo as pessoas”, declarou.

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Karam achava que Porfírio não amava Magda de verdade. “Acho que é uma coisa meio fantasiosa. O Porfírio quer uma ascensão em todos os níveis e a Magda representa o tipo de mulher que ele nunca teve”, explicou.

Em crítica na Folha de S. Paulo de 10 de março de 1991, Alcino Leite Neto disse que a novela ria de si mesma através de Porfírio. “Com o anacrônico nome de Porfírio, um irremediável terno escuro, o olhar equilibrando-se entre a perversão e a lógica, Guilherme Karam é, hoje, a estrela por excelência da novela Meu Bem, Meu Mal”, destacou. “No início, fazia aparições – era um figurante de luxo. Agora, ganhou esquetes, cenas dedicadas especialmente à sua performance”, completou.

Em entrevista ao jornal O Dia de 14 de abril de 1991, Karam disse que começou a receber cantadas de mulheres de várias idades, especialmente aquelas com mais de 40 anos.

“Outro dia peguei um avião em Recife e uma senhora que estava sentada a duas poltronas de mim pegou no meu braço e perguntou: “você não quer sentar do lado de uma divina Magna?”. Para não ser antipático, sentei-me do lado da mulher, que depois passou a viagem toda me alisando o braço e com conversinhas estranhas”, contou.

Alter ego do autor

Só que Porfírio não era qualquer um. Ele era simplesmente o alter ego de Cassiano Gabus Mendes, que não escondia sua predileção pelo personagem. “Uma colega da novela perguntou ao Cassiano o que ele gostava da novela. Ele falou: “o Porfírio, porque ele sou eu”. O cinismo da novela pode estar no Porfírio”, disse o ator à Folha de S. Paulo de 10 de março de 1991.

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Anos depois, em 2003, em entrevista ao canal AllTV, da internet, Karam confidenciou mais detalhes. “No último dia de gravação, uma atriz, que eu não posso revelar o nome, se aproximou de mim e disse que todas as declarações que Porfírio havia feito à Divina Magna durante a novela, ela havia ouvido na vida real do Cassiano”, contou.

Depois de Meu Bem, Meu Mal, Karam esteve em tramas como Perigosas Peruas, Explode Coração, Pecado Capital, O Clone e América, onde viveu seu último personagem, Geraldito.

O ator morreu no dia 7 de julho de 2016, no Rio de Janeiro, aos 58 anos.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor