Militante, atriz foi proibida de trabalhar na Globo: “Fiquei esquecida”

Lélia Abramo

A queridíssima Mama Vitória é um dos destaques de Pão-Pão, Beijo-Beijo (1983), clássico de Walther Negrão que o Canal Viva reapresenta de segunda-feira a sábado, 14h30. O que pouca gente sabe é que esta foi a última novela da atriz Lélia Abramo na Globo.

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De acordo com a veterana, a perda de espaço na emissora se deu em meio ao engajamento dela com campanhas políticas e pela valorização da profissão – enquanto presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED) – São Paulo.

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Arte e política

Lélia nasceu em 8 de fevereiro de 1911, em São Paulo. A família de imigrantes italianos sempre esteve envolvida com arte e movimentos políticos. Seu pai era empresário da área têxtil, tendo sido sócio do conde Francisco Matarazzo. Sua mãe era filha de Bortolo Scarmagnan, militante anarco-sindicalista e organizador da Greve Geral de 1917, em São Paulo.

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Dois de seus irmãos, Lívio e Beatriz, eram artistas plásticos e os outros – Athos, Fúlvio e Cláudio – eram jornalistas, assim como Lélia. A casa dos Abramo, no bairro do Ipiranga, era reduto para encontros entre jornalistas, escritores, artistas e políticos da esquerda brasileira. Ela, inclusive, esteve envolvida na fundação da Oposição de Esquerda e da Frente Única Antifascista.

Entre 1938 e 1950, Lélia Abramo viveu na Itália, para tratar um problema de saúde que não foi diagnosticado no Brasil. Ela sentia fortes dores na cabeça e sofria com febres frequentes.

Impossibilidade de ser mãe

Lélia seguiu, juntamente com a irmã Beatriz e o cunhado (um oficial do exército italiano), para o tratamento no exterior. Com cistos no ovário esquerdo, ela teve a cirurgia para a retirada marcada, mas um outro cirurgião foi escalado para o procedimento e, erroneamente, retirou o ovário saudável. A atriz ficou impossibilitada de ser mãe.

“Foi um choque! Abdiquei do casamento a partir daí. Eu queria uma porção de filhos”, declarou.

Debilitada, sem recursos e impossibilitada de voltar ao Brasil, a artista se viu obrigada a permanecer na Itália, passando fome e testemunhando os horrores da 2ª Guerra Mundial.

“As pessoas andavam pelas ruas desesperadas e famintas”, relatou.

A atriz contava que o jornalista Rubem Braga, amigo da família, foi quem a ajudou num determinado momento, num encontro inesperado:

“Ele despejou latas de leite, sopas, carnes, chocolates e cigarros. E nos tirou da fome”.

O sucesso como atriz

De volta ao Brasil, Lélia Abramo iniciou a carreira artística. Aos 47 anos, ela subiu ao palco ao lado de Gianfrancesco Guarnieri na peça Eles não Usam Black-tie, montagem histórica do Teatro de Arena que lhe rendeu vários prêmios – entre eles o Saci, promovido pelo Estado. De porte alto, voz forte e ar sereno, Lélia tornou-se uma das atrizes mais respeitadas de sua geração.

A veterana passou por todas as grandes emissoras de TV. Na Excelsior, atuou na novela mais longa da televisão brasileira, Redenção (1966). Na Tupi, destaque para dois folhetins assinados por Ivani Ribeiro: O Meu Pé de Laranja Lima (1970) e Nossa Filha Gabriela (1981); esta última, na pele da vilã Donana.

A estreia na Globo se deu em Uma Rosa com Amor (1972). No ano seguinte, passou por Os Ossos do Barão (1973). Logo depois, as matriarcas Januária Limeira Brandão, de Pai Herói (1979), e Vitória Cantarelli, de Pão-Pão, Beijo-Beijo. A Mama, além de comandar os negócios profissionais e pessoais da família, serve de ligação com os demais núcleos da trama.

Militância política custou caro

Em 1978, Lélia Abramo assumiu a presidência do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED) do Estado de São Paulo, sob a bandeira da legalização da profissão de ator, reconhecida no mesmo ano. Durante todo o ciclo da ditadura militar, ela lutou pela liberdade de expressão.

Esta militância fez Lélia ficar em maus lençóis com a Globo e com outros canais. O último trabalho foi em 1985, na fase final da minissérie O Tempo e o Vento:

“Daí em diante, fiquei esquecida. Acabaram com meu direito de trabalhar”, contava.

Ao longo da vida, Lélia Abramo participou de 24 novelas, 13 filmes e 30 peças de teatro. A questão social era importantíssima para ela, que foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores, em 1980, e participou ativamente da campanha Diretas Já, reivindicando eleições diretas para a presidência da República.

Em 1997, a atriz lançou sua autobiografia intitulada Vida e Arte – Memórias de Lélia Abramo, na qual passou por todos estes momentos de sua interessantíssima trajetória.

Após fraturar a bacia, em uma queda dentro de casa, a atriz foi internada, mas teve complicações e morreu em 9 de abril de 2004, vítima de uma embolia pulmonar, com 93 anos.

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