O fim da vinculação horária da Classificação Indicativa – entrave que impedia que novelas das 20/21h fossem reprisadas no Vale a Pena Ver de Novo, uma vez que suas classificações só permitiam reprises em horários noturnos – abriu um leque importante para a Rede Globo, que logo aproveitou a oportunidade de emplacá-las na sessão.

Após o fim da reprise de Cheias de Charme (2012), em março do ano passado, voltou à sessão Senhora do Destino (2004-05), última grande novela de Aguinaldo Silva, que manteve a alta conquistada pela antecessora e se tornou a melhor audiência da sessão desde Alma Gêmea (2005-06), de Walcyr Carrasco, reexibida entre 2009 e 2010. Para suceder a saga de Do Carmo e Nazaré Tedesco, a Globo escolheu Celebridade (2003-04), elogiada trama de Gilberto Braga, que, ironicamente, foi antecessora de “Senhora”. Porém, a atual novela não conseguiu manter os índices, ficando em torno dos 14 pontos. E algumas razões devem ser levadas em conta.

Primeiramente, em função da edição da trama de Aguinaldo, a atual história estreou apenas em dezembro, mês em que a Globo evita ao máximo lançar produtos em virtude da baixa audiência do período de fim de ano. Com uma edição lenta, preservando boa parte dos núcleos e favorecida pela boa audiência, Senhora acabou “empurrando” Celebridade justamente para a pior época para se iniciar um lançamento.

Depois, as transmissões esportivas da Liga dos Campeões da UEFA, que estão em suas fases finais. A exibição dos jogos europeus tem afetado a história através de alterações de horário ou até mesmo cancelamentos de capítulos. Recentemente, a trama de Braga chegou a ficar algumas semanas sem ser exibida nas terças e quartas, devido à prioridade ao futebol. Por mais que seja necessário o foco na programação ao vivo, a situação não deixa de ser desconfortável.

Outro fator que poderia ter evitado este cenário, caso não fosse aplicado, é o recente acordo entre a Globo e o canal Viva, que delimitou um “prazo” para reprises. O canal da Globosat agora só exibe tramas com, no mínimo, 20 anos de intervalo, contados a partir da data da transmissão original – as outras precisam aguardar por uma chance na própria emissora aberta. Com isso, Celebridade só poderá ser exibida pelo Viva a partir de Outubro de 2023, mês em que esta janela se cumpre. Em virtude disso, foi desperdiçada uma importante chance de se reprisar a novela em sua totalidade.

Ainda se deve considerar o próprio enredo da história. Um dos últimos grandes trabalhos de Gilberto Braga, Celebridade possui uma trama central complexa e repleta de elementos interligados que vão se conectando aos poucos. Os perfis dos personagens principais também revelam algumas curiosas nuances, como se pode ver nas motivações da vilã Laura (Cláudia Abreu) para destruir Maria Clara Diniz (Malu Mader). E esta complexidade pode ter afastado o público justamente no momento em que o horário mais nobre exibe O Outro Lado do Paraíso, do já citado Carrasco, que bate sucessivos recordes com viradas mais simples e populares, embora à custa de um pífio desenvolvimento dramatúrgico.

Maria Clara, como se sabe, fez um enorme sucesso no fim dos anos 80 com a canção Musa do Verão, feita para uma linha de produtos cosméticos. No entanto, mesmo que sem saber de nada, acabou se beneficiando de uma tramoia cometida pelo marido Wagner, que roubou a canção de seu verdadeiro autor, Ubaldo Quintela (Gracindo Júnior) – este compôs “Musa” para Marília (Alessandra Negrini, em flashbacks), mãe de Laura.

O roubo teve graves consequências (Marília morreu de depressão e Ubaldo matou o marido da mocinha, acusando-o pelo crime) e fez crescer na vilã o ódio pela rival e a vontade de destruí-la. Para isto, Laura se aproximou de Maria Clara como sendo fã da ex-modelo, agora empresária musical – situação inspirada no filme A Malvada (1950), protagonizado por Anne Baxter e Bette Davis. Em seu caminho, ela conquista importantes aliados, como Ubaldo, o amante Marcos (Márcio Garcia) e o corrupto jornalista Renato Mendes (Fábio Assunção), diretor da revista Fama.

Este intrigante enredo central divide espaço com a relação dos personagens com a fama e a mídia, através de aspectos como a ética jornalística, o grande poder dos grupos de comunicação, representado por Lineu Vasconcelos (Hugo Carvana) e ainda a busca desenfreada pelos 15 minutos de notoriedade, através das jovens Darlene (Deborah Secco) e Jaqueline Joy (Juliana Paes), maluquinhas e sensuais manicures do bairro do Andaraí, onde é ambientado o núcleo popular de Celebridade.

Chama atenção ainda a presença de diversos elementos comuns à obra de Braga, como o “quem matou”, o casal de amantes (frequentemente comparado a Maria de Fátima e César, vividos por Glória Pires e Carlos Alberto Riccelli em Vale Tudo) e a surra no banheiro – protagonizada por Maria Clara e Laura, a inesquecível briga das personagens pode ser considerada uma das melhores cenas de briga da história da teledramaturgia, superior inclusive a muitas de tramas anteriores do mesmo autor.

Ainda assim, a novela peca em alguns aspectos. O drama de Inácio (Bruno Gagliasso), filho de Beatriz (Deborah Evelyn) e Fernando, chega a cansar em virtude do constante sofrimento do rapaz, que se vê rejeitado pela mãe após a morte do irmão Fábio (Bruno Ferrari). No núcleo de Darlene e Jaqueline, enquanto a segunda se arrisca pela fama de uma forma divertida, a primeira é uma verdadeira arrivista, não hesitando em passar por cima de quem quer que seja para conseguir o que quer – e chegando a ponto de se aproximar da família do falecido nadador Caio (Theo Becker) para engravidar dele. E outra grave falha é a pouca exploração da canção Musa do Verão – justamente o motivo da controvérsia do enredo central -, que teve apenas pequenos trechos veiculados e não foi lançada em nenhuma de suas trilhas.

Para piorar, nas últimas semanas, em função da baixa audiência, a edição acelerou o ritmo de cortes, a ponto de condensar quase três capítulos em apenas um, chegando por vezes a dificultar o entendimento da história. Como exemplo, no fim de março, 10 capítulos foram exibidos em 5 dias – um deles mesclando quase quatro capítulos. Isso é desestimulante.

Com todas estas razões, fica difícil não lamentar o rendimento aquém do esperado de Celebridade. A inesquecível história de vingança de Maria Clara Diniz contra Laura continua deliciosa de se acompanhar, mas merecia um melhor tratamento, já que se tratava de uma reprise muito esperada e dificultada pela agora extinta vinculação horária da classificação indicativa. Desta forma, seria melhor que fosse reprisada no Viva, onde poderia ser alocada na faixa mais nobre (a das 22h30) e transmitida na íntegra. E fica a esperança de que sua sucessora, Belíssima (2005-06), de Sílvio de Abreu, seja mais bem cuidada.


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