Parece que foi ontem, mas lá se vão 18 anos do final de Pequena Travessa, quarta produção do “segundo ciclo” de adaptações do SBT para textos da Televisa, entre 2001 e 2007.

Reapresentada em duas ocasiões (2005 e 2012), a novela estreou surpreendendo a Globo no Ibope: 19 pontos de média, com picos de 21, amparada pelo bom desempenho da antecessora Marisol, que se aproveitou da fama de Bárbara Paz, recém-saída da Casa dos Artistas (2001). Menos trash do que a trama anterior, Pequena Travessa foi um bom momento da teledramaturgia do canal Silvio Santos.

O TV História lista agora 8 motivos para sentir saudade deste folhetim:

Pícara Sonhadora II

Pequena Travessa é criação original de Abel Santa Cruz, autor dos argumentos de Carrossel, Carinha de Anjo e Pícara Sonhadora, a novela que, no ano anterior, inaugurou o horário de textos “cucarachos” (20h15). ‘Pícara’ também era estrelada por Bianca Rinaldi e também partia de uma farsa: enquanto lá a protagonista (Mila) escondia de todos que dormia na loja de departamentos em que trabalhava, aqui Júlia se vestia de homem (Júlio) para conseguir o emprego de office-boy na loja do italiano Marcelo Fantucci (do sempre bom Luiz Carlos de Moraes). O ponto de partida parecia inconsistente – e era mesmo -, mas o telespectador era tomado pelas motivações de Júlia: seu pai, Rafael (Walter Breda, também muito bem), paraplégico, não podia trabalhar para sustentar a ela e os filhos menores, Antônio (Caio Romei) e Daniel (Emanuel Dória).

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Adeus, claustrofobia

Aqui, a produção privilegiou os trabalhos na cidade cenográfica, que retratava um conjunto habitacional – com direito a casas, quadra de esportes e parquinho. A ambientação favoreceu a narrativa: em Pícara Sonhadora e Marisol, o SBT “causou” claustrofobia em seu público, com praticamente todas as cenas rodadas em cenários ínfimos e paupérrimos. Apenas em Amor e Ódio (2001), exibida entre ‘Pícara’ e Marisol, houve um respiro, com sequências em Cabreúva, interior de São Paulo.

Quase ao pé da letra

A equipe de texto – Ecila Pedroso, Rogério Garcia e Simone Boer – não seguiu fielmente o original mexicano. Dentre as alterações implantadas no roteiro, para aproximá-lo da realidade dos brasileiros, destaque para o bandidão Mercúrio (Nico Puig), ex-namorado de Júlia, que insistia em retomar o relacionamento. Ele usava a loja de seu pai, Vicente (Clemente Viscaíno), com fachada para a venda de drogas. Fiel seguidor de Samurai (Luka Ribeiro) – dono de uma discoteca que também servia a negócios escusos -, Mercúrio tinha um séquito de “fãs”, usados por ele como “aviõezinhos”: Pato (Gustavo Haddad), Caô (Marcelo Pio), Sem Chance (Gustavo Mantelato), Joca (Pierre Bittencourt), Teca Cadillac (Camila Thiré Derkian) e Sheila (Dayse Pinheiro). Apesar dos exageros na composição, um bom personagem.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Do outro lado do muro

O SBT foi buscar nas fileiras da Record – que havia inativado seu departamento de teledramaturgia – o galã Rodrigo Veronese, destaque em Marcas da Paixão (2000) e Roda da Vida (2001). Cabia a ele o íntegro advogado Alberto, mais novo funcionário do renomado escritório de advocacia do pai, George (Jayme Periard). A união deste com Fernanda (Eliete Cigarini) balançava em razão das intrigas da secretária Celine (Viétia Zangrandi), ex-amante dele. Sempre amparado pela avó, Helena (Míriam Mehler), Alberto se deixava envolver pela farsa de Júlia: a mocinha, sem disfarce, se empregou no escritório de advocacia; para não ter que abrir mão do emprego na loja de Marcelo, atacou com outra mentira, afirmando que Júlia e Júlio eram irmãos gêmeos. Apesar do bom desempenho, o SBT, pasmem, só ensaiou dar outra chance a Rodrigo em Cristal (2006). Acabou, contudo, substituindo-o por Dado Dolabella. Veronese então migrou para a Globo. Em tempo: antes de entregar a protagonista a Bianca Rinaldi, o SBT tentou contratar Thaís Fersosa, em alta na Globo graças ao bom desempenho apresentado em Estrela-Guia (2001).

Terceira via

Além de Alberto e Mercúrio, Júlia era alvo do interesse do amigo Caio (Fábio Villa Verde). A vizinhança tinha no marceneiro o contraponto do marginal – que estava implicado na morte de seu pai, vítima de um infarto fulminante ao ver o filho de Vicente assaltar seu estabelecimento. Caio era irmão de Guilherme (Marcelo Várzea), às voltas com seus filhos pequenos, e filho de Amália (Noemi Marinho). Esta se envolvia com Rafael, que, a certa altura, começava a praticar basquete com um grupo de deficientes físicos. O romance do casal era incentivado por Maria (Patrícia Mayo), a fiel escudeira da família. Caio, por sua vez, terminava ao lado de Babi (Ana Cecília), irmã de Mercúrio. Através da personagem – muito bem defendida pela atriz -, abriu-se o debate da gravidez precoce: ela esperava um filho de Pato, que se recusava a arcar com suas responsabilidades.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Atestado falso

As maldades de Pequena Travessa não ficaram restritas ao núcleo pobre: Samurai – que mantinha uma relação de amor e ódio com Celine – desfrutava de boa condição financeira, graças aos crimes que praticava no interior de sua discoteca. Já Débora (bom momento na carreira de Rachel Ripani) via no casamento com Alberto a tábua de salvação de sua família. Em conluio com a mãe Heloísa (Tânia Bondezan, que reeditou a vilania em Esmeralda, dois anos depois) e com o amante Hugo (Cláudio Fontana), Débora forjava doenças na tentativa de abalar o noivo e precipitar seu casamento. No fim das contas, terminou vítima de sua armação: após ter sua falsa gravidez descoberta por Júlia, tentou simular um suicídio, com a ingestão de medicamentos. E acabou morrendo de fato. Antes, porém, foi incriminada pelo acidente que deixou Rafael paraplégico.

SBT Futebol Clube

Como sempre, o SBT recrutou nomes comuns à sua teledramaturgia: Denis Derkian como Geraldo, espécie de conselheiro tutelar que auxiliou Antônio e Pato a se redimirem dos crimes que cometeu em conluio com Mercúrio; Blota Filho como o delegado Guerra; e Milton Levy como o médico Raul, que cuidava da saúde mental de Débora. Também os “ex-Chiquititas” (1997) Ana Olívia Seripieri (Mariana) e Thiago Oliveira (Luigi) e a veterana Elizabeth Hartmann (Edna), grande nome da Tupi. Ainda, a primeira novela de Cláudia Netto, consagrada em musicais no teatro, aqui como Rosa, esposa de Marcelo e a “primeira cúmplice” na farsa de Júlia. E a presença de Neusa Maria Faro, habitual parceira de Walcyr Carrasco, aqui como a fofoqueira Abelarda.

Novela boa de ver e ouvir

A direção musical de Caion Gadia garantiu bons momentos para os ouvidos do telespectador de Pequena Travessa. O repertório contou com reedições de ‘Sozinho’ (letra de Peninha, eternizada por Caetano Veloso), na voz de Tim Maia, e ‘Cuide-se bem’ (composição de Guilherme Arantes), com Jean Félix. ‘Charme do Mundo’, de Marina Lima, surgiu em sua versão original – tema de Sétimo Sentido (1982) -; já ‘A Noite Vai Chegar’, clássico da músico disco, ganhou uma segunda versão com a mesma intérprete da primeira, Lady Zu. Ainda ‘À Sua Maneira’, do Capital Inicial, e o tema de abertura – numa época de vinhetas poucos inspiradas -, ‘Não Dá Pra Resistir’, que garantiu a permanência do Rouge, girlband revelada no reality musical Popstar (2002), nas paradas de sucesso.

Compartilhar.
Avatar photo

Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.