As qualidades de Sob Pressão são inúmeras e todas já foram detalhadas neste blog. A trama de Jorge Furtado, escrita por Lucas Paraizo e equipe, dirigida por Andrucha Waddington, é a melhor série da Globo em anos. O elenco repleto de talentos e com participações especiais luxuosas expõe a preocupação em engrandecer o enredo com atuações admiráveis. E Marjorie Estiano é um dos maiores destaques.

A atriz, ao lado do seu colega Júlio Andrade (Dr. Evandro), protagonizava o longa homônimo, baseado no livro Sob Pressão – A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro, escrito por Márcio Maranhão. Ela e Júlio deram um show na pele do casal principal. Mas a série, que estreou em 2017, proporcionou um aprofundamento dos personagens bastante necessário para a compreensão em torno da difícil vida daqueles médicos tão íntegros. E o drama pessoal de Carolina serviu para extrair o melhor de sua intérprete.

Aos poucos, o público foi descobrindo que o trauma que implicava nas automutilações da doutora era a sua relação com o pai. José Luis (Luis Melo) abusava da filha e Carolina cresceu com essa ferida nunca cicatrizada. Com o intuito de “se punir”, a personagem sempre acaba se machucando com um canivete (ou qualquer objeto cortante) depois que passa por qualquer tipo de estresse acima do “normal”.

Toda essa situação foi muito bem explicada na primeira temporada, quando a doutora finalmente teve coragem e denunciou o pai no meio de um culto evangélico que o monstro frequentava (ele era pastor). Marjorie esteve visceral na sequência e emocionou o público.

O quarto episódio da segunda temporada, exibido para a imprensa durante a coletiva e transmitido pela Globo na terça-feira (30/10), marcou o desfecho dessa impactante trama. O pai de Carolina foi ao hospital ver a filha e a médica entrou em choque ao vê-lo fora da cadeia. José afirmou que saiu por bom comportamento e o sentimento de indignação tomou conta da personagem, inconformada com a injustiça que é o reflexo das leis brasileiras. Obviamente, todo seu horror do passado veio à tona novamente e, a agora esposa de Evandro, voltou a apresentar os sintomas da instabilidade emocional provocada pelo abuso.

Todos os desdobramentos dessa aparição repentina do pedófilo, inclusive, aumentaram o nível de tensão do episódio. Afinal, Carolina salvou a vida de um traficante e o seu paciente resolveu, por conta própria, ‘retribuir’ mandando seus comparsas espancarem José Luis – ele ouviu o desabafo da médica sobre os abusos sofridos.

Por ironia do destino, o pai acabou internado no hospital onde a filha trabalha e Evandro se responsabilizou em operá-lo. A cena foi de tirar o fôlego. Além do elevado grau de dramaticidade da situação, a mistura de sentimentos da personagem expôs a dubiedade de qualquer ser humano. Ao mesmo tempo que a morte do homem aliviaria aquela sensação de medo de Carolina, a torcida pelo salvamento de sua vida se fazia presente, afinal, ela honra a medicina e a vítima, querendo ou não, era seu pai. Mas ele não resistiu. O choro desolador da médica no final do episódio, enquanto riscava a porta com fúria, representou uma catarse necessária.

É impressionante como Marjorie Estiano mergulha de cabeça em seus papéis. O horror de Carolina ao rever o pai foi transmitido com uma verdade gritante. A atriz tem um domínio cênico que arrebata e sua ‘facilidade’ em vivenciar qualquer drama enriquece suas personagens, sempre emocionando quem assiste. A heroína de Sob Pressão tem um passado de horror, mas ainda assim consegue se dedicar com amor à profissão e até ri de algumas situações de pura adrenalina que vive em meio ao caos de um hospital público. É um tipo muito bem construído e que precisava de uma intérprete de imenso talento. Conseguiu.


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor