Há exatos nove anos, em 3 de fevereiro de 2014, estreava Em Família, última novela de Manoel Carlos, que, lamentavelmente, não fez jus ao seu respeitado currículo e foi repleta de problemas.

A trama não conquistou o público, não repercutiu e terminou sendo o pior Ibope da história do horário nobre da emissora naquela época. Sem dúvida, um trabalho para ser esquecido, mas que acabou ficando marcado como o pior folhetim de Maneco.

Manoel Carlos

A história, que teve três fases, começou num ritmo muito arrastado, desanimando quem assistia. O equívoco da parceria Maneco/Jayme Monjardim voltou a ficar evidente.

Mas a segunda fase – com o surto de Laerte, que enterrou Virgílio vivo, provocando uma virada na trama – apresentou bons conflitos, fortes cenas e despertou interesse em relação aos futuros acontecimentos que a novela apresentaria na terceira fase.

Entretanto, assim que a terceira parte foi iniciada, vários problemas foram ficando bem claros. Vamos relembrá-los.

Idades inverossímeis

Além do ritmo ter voltado a ficar muito arrastado, a questão das idades dos personagens ficou inverossímil. Vanessa Gerbelli (Juliana) foi escalada para viver a tia de Júlia Lemmertz (Helena), que, por sua vez, era filha de Natália do Vale. Já Thiago Mendonça foi escolhido para viver Felipe, o irmão de Clara, um rapaz mais velho que Giovanna Antonelli, e Ana Beatriz Nogueira foi colocada como mãe de Gabriel Braga Nunes.

E vale deixar claro que os atores não precisam ter as mesmas idades de seus personagens, porém, é preciso ao menos aparentar ter, para não causar estranheza. Mas nem se preocuparam com a caracterização. Foi um festival de equívocos.

Porém, se a trama fosse bem desenvolvida, prendendo e envolvendo o telespectador, esta questão das idades estapafúrdias seria digerida com o tempo. Mas a história não colaborou. Foram meses sem apresentar praticamente nada de relevante e preenchendo os capítulos com cenas inúteis e que nada acrescentavam ao enredo.

Desperdício de talentos

A novela parecia agonizar. Nem mesmo a presença de aparentes ‘vilãs’, como Branca (Ângela Vieira) e Shirley (Vivianne Pasmanter), serviu para movimentar Em Família. Tanto que as personagens destas duas grandes atrizes foram apenas alguns exemplos de desperdício de talentos.

Branca e Shirley tinham todas as características necessárias para proporcionarem excelentes cenas às suas intérpretes, mas ambas falaram muito mais do que agiram. As maldades ficaram somente nas ameaças mesmo e as duas foram minguando na trama. Acabam virando meros perfis cômicos sem muita utilidade, onde somente as ironias eram utilizadas como armas. No início, inclusive, divertiam com a sinceridade aguda com que atacavam os demais, mas depois a repetição cansou.

A quantidade de núcleos deslocados e de personagens sem função foi outro grave problema. A trama que envolvia o asilo não aconteceu. Inicialmente, Miss Lauren (Betty Gofman) maltrataria todos os idosos do lugar, provocando o debate em cima das humilhações que a terceira idade sofre. Mas no final das contas, a mulher era apenas enérgica e chata, que vivia reclamando. Não passou disso. Muitas vezes até sofria chacota dos demais. Ou seja, atrizes do nível de Suely Franco e Maria Pompeu foram desperdiçadas em uma história irrelevante.

Também não deu para entender o sentido da trama que envolvia Alice (Érika Januza). Inicialmente, a personagem, após descobrir que era origem de um estupro sofrido anos atrás por sua mãe, foi atrás dos estupradores de Neidinha (Elina de Souza). Depois que conseguiu, serviu de isca para os bandidos (situação parecida ocorreu com Morena, em Salve Jorge, no contexto do tráfico humano), conseguiu prendê-los com a ajuda da polícia e quis virar policial. Parecia uma novela paralela de tão deslocada e risível que era a situação. E para culminar, era desinteressante, absurda e Érika não convenceu com sua atuação inexpressiva.

Romance homossexual foi um equívoco

Outro equívoco de Manoel Carlos foi o desenvolvimento do romance homossexual. O triângulo Clara/Cadu/Marina tinha tudo para ser a melhor história da novela, mas não deu certo. O autor primeiramente não soube construir a personalidade de Clara – que inicialmente parecia uma adolescente tonta, depois virou mulher, para posteriormente voltar a bancar a jovem indecisa -; deu um tiro no pé ao criar uma doença cardíaca para o perfil masculino; e ainda errou por completo ao criar uma Marina (Tainá Muller, ótima) obsessiva, que dava em cima da esposa de Cadu sem se importar com ninguém e ainda demonstrava ter somente interesse sexual nela. O resultado deste erro, óbvio, foi a rejeição do par lésbico, apesar da forte torcida da internet.

Para tentar amenizar o problema, Maneco curou subitamente Cadu de seu problema no coração – através de um transplante que foi um verdadeiro milagre, já que nem fila de doação de órgãos o rapaz enfrentou -, com o intuito de tirar a imagem de ‘coitadinho’ do marido de Clara. Ele ainda transformou a fotógrafa em uma romântica, para melhorar a imagem do casal. Assim, pôde desenvolver o romance, com direito até a beijo gay, graças ao tabu quebrado por Amor à Vida, com Félix e Niko.

Conflito entre mãe e filha não foi bem elaborado

Até mesmo o ramo que Maneco estava acostumado não foi desenvolvido corretamente: o conflito entre mãe e filha. A Helena (Júlia Lemmertz impecável) foi figurante durante boa parte da novela, virou uma amargurada chata (ao contrário de seu perfil debochado na segunda fase) e só começou a apresentar nuances interessantes na reta final. E os embates entre a protagonista e Luiza (Bruna Marquezine) poderiam ter rendido muito mais caso toda a trama que as envolvia tivesse sido bem elaborada.

Mas não foi. E para culminar, o autor criou o Laerte, um tipo que inicialmente era um ciumento doentio e que depois tentou ser transformado em um tipo ambíguo, sem sucesso. O casal Laerte e Luiza sofreu imensa rejeição e nem poderia ser diferente, afinal, ela namorar com um sujeito que tentou matar seu pai não tinha o menor cabimento. E Gabriel Braga Nunes ainda teve um desempenho apático e não convenceu.

Infelizmente, a novela seguiu sem rumo durante toda sua exibição e até atores que entrariam na história ficaram de fora. Caso de Patrícia Naves, Rafael Tombini e Cláudia Assunção, esta última que viveria a mãe de Shirley. Já atores como Michel Melamed, Cláudia Mauro, Monique Curi, Ronny Kriwat e Herson Capri mal apareceram.

Ainda vale citar o rumo sem sentido que Selma (Ana Beatriz Nogueira) tomou – colocando a personagem com uma mistura de Alzheimer com cleptomania e esclerose -, o desaparecimento da questão do racismo protagonizada por André (Bruno Gissoni), todo o drama em cima dos surtos de Juliana (Vanessa Gerbelli) que foi esquecido, e a falta de propósito do final de Silvia (Bianca Rinaldi) – que era apaixonada por Cadu, mas do nada se apaixonou pelo ex-alcoólatra Felipe (Thiago Mendonça), mostrando a correria das resoluções das tramas, comprometendo a credibilidade.

Poucos acertos

Mas nem tudo foi equivocado. O elenco, na grande maioria, fez bonito e conseguiu defender bem seus personagens apesar de todos os percalços. Júlia Lemmertz mostrou mais uma vez a grande atriz que é e interpretou a última Helena do autor da melhor forma possível. Já Humberto Martins deu um show na pele do sofrido Virgílio e o personagem proporcionou grandes cenas para ele, inclusive fazendo uma ótima dobradinha com Júlia. Vivianne Pasmanter esbanjou talento com a sarcástica Shirley e é uma pena que a vilã tenha ficado apenas na promessa.

Vale elogiar também a sempre grandiosa Ana Beatriz Nogueira, a atuação impecável de Reynaldo Gianecchini – protagonizou, inclusive, a cena mais linda da novela quando Cadu encontra o filho do seu doador -, Antônio Petrin – divertiu vivendo o espirituoso Viriato -, Bruna Marquezine – que apesar da detestável Luiza fez um bom trabalho – e Paulo José – que apesar da dificuldade na fala emocionava com o olha. Além de Helena Ranaldi – que fez bonito com sua íntegra Verônica -, Ângela Vieira e Natália do Vale – embora Branca e Chica tenham perdido destaque ao longo da trama -, Polliana Aleixo – fez a Bárbara com competência e ainda engordou para uma situação que nem foi desenvolvida (o bullying praticado por Shirley) -, Vanessa Gerbelli, Marcello Melo Jr. e Leonardo Medeiros – que apesar do triângulo ter virado um núcleo cômico sem graça, se destacaram e fizeram ótimas cenas, assim como Jéssika Alves, vivendo a empregada Guiomar.

Reta final sem atrativos

A reta final da novela não apresentou nada de muito atrativo – tendo a cena de Helena tentando atirar em Laerte como único ponto alto – e o autor acabou deixando quase tudo para o último capítulo. A sequência em que André humilha Branca após descobrir que ela era sua mãe verdadeira foi a melhor cena final, comprovando que a situação poderia ter rendido muito na trama.

Já a morte de Laerte (com um tiro na porta da igreja, depois de ter se casado com Luiza) foi merecida, mas é de se lamentar que o autor tenha escolhido Lívia (Louise D’Tuani) para ser a assassina e não Shirley. A ‘vilã’ merecia encerrar a novela em grande estilo e não uma personagem tão sem importância. Mas tirando estes pontos, não houve mais nada de significativo no último capítulo.

Em Família chegou ao seu final antes do previsto (a Globo encurtou o folhetim por causa dos preocupantes índices) e terminou como uma promessa não cumprida.

A trama de Manoel Carlos parecia promissora antes da estreia, mas assim que começou a ir ao ar já houve uma certa decepção, que foi se agravando com o tempo. Uma pena, pois um autor tão respeitado e querido não merecia ter como última novela uma produção que tenha deixado tanto a desejar. Definitivamente e lamentavelmente, seu último trabalho foi um grande erro.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor