No ar há pouco mais de um mês (estreou no dia 8 de maio), Malhação – Viva a Diferença já pode ser considerada um acerto. A temporada de Cao Hamburger, dirigida por Paulo Silvestrini, vem abordando temas importantes de forma séria e o enredo muito bem escrito pelo autor é repleto de qualidades. A audiência, por sinal, está correspondendo (a média está acima dos 20 pontos, excelente índice e o maior em dez anos de Malhação). E um dos muitos êxitos da atual fase é a escolha (e construção) das cinco protagonistas.

Keyla (Gabriela Medvedovski), Tina (Ana Hikari), Ellen (Heslaine Vieira), Lica (Manoela Aliperti) e Benê (Daphne Bozaski) são perfis cativantes e totalmente verossímeis, representando a adolescência de uma forma nada maniqueísta. Não há boazinha e nem malvada, há meninas em busca de seus desejos e com muitos dilemas, repletas de virtudes e defeitos. São todas cem por cento humanas, precisando lidar todos os dias com as diferenças que tinham tudo para separá-las, mas que só as unem mais.

Os perfis foram construídos com extrema habilidade pelo autor e a escalação podia colocar tudo a perder. Afinal, atrizes fracas não conseguiriam passar todas as nuances das protagonistas, aniquilando o DNA do roteiro dessa temporada. E o risco era elevado, pois Malhação lança talentos desde a sua estreia, em 1995.

Os escolhidos são sempre novatos, implicando em uma chance maior de tropeços. O que não deixa de ser compreensível, levando em consideração a falta de experiência de cada um. O seriado não deixa de ser uma ‘escola’ de artes, observada pelo público, tanto que alguns intérpretes são ótimos e outros se mostram limitados. Em toda fase.

Mas deu tudo certo, não poderiam ter escalado meninas melhores. As cinco estão muito bem e seguras em cena. A seleção para cada papel foi precisa e a sintonia entre elas é visível a todo instante. As atrizes crescem juntas, mas conseguem brilhar separadamente sem problemas. Isso acaba sendo resultado de um conjunto de fatores: além de serem talentosas, foram beneficiadas pelos perfis ricos criados por Cao Hamburger, que retrata a adolescência com verossimilhança, sem exageros ou estereótipos. O roteiro, inclusive, flui com facilidade, mesmo quando não há grandes conflitos ou ganchos, reflexo da agradável história.

Lica é uma patricinha revoltada, cujo maior drama é a traição do pai, Edgar (Marcelo Antony), que teve uma filha com a melhor amiga da mãe (Marta – Malu Galli). E essa filha é justamente Clara (Isabella Scherer), a então melhor amiga de Lica, que soube antes da relação extraconjugal. A situação deixou a garota ainda mais rebelde, a ponto de ela se envolver com Felipe (Gabriel Calamari), namorado de Clara, só para atingi-la. O que a menina não esperava era gostar mesmo do rapaz.

Toda essa situação vem sendo bem explorada e Manoela Aliperti está impecável. Ela, aliás, foi uma grata surpresa de 3 Teresas, ótima série do GNT, onde se destacou ao lado de Cláudia Mello e Denise Fraga. A atriz ainda protagonizou recentemente um beijo gay, quando Lica beijou K1 (Talita Younan) – e Samantha (Giovanna Grigio), que não foi mostrado. Mais uma prova da liberdade dessa temporada.

E Tina é uma adolescente decidida e que precisa enfrentar o racismo da família para ficar com Anderson (Juan Paiva). Mitsuko (Lina Agifu) não aceita que a filha namore um negro e faz de tudo para impedir o namoro. O pai Noboru (Carlos Takeshi) tenta contemporizar, mas também não vê com bons olhos. E a caçula, Telma (Julie Kei), é uma peste que adora ver o circo pegar fogo.

Embora seja um clichê, a questão vem sendo tratada com densidade e veracidade. Não só pela rejeição da família de Tina, como também em momentos do cotidiano, vide a hora em que o casal foi abordado por policiais e ele foi ofendido – isso até rendeu protesto de um deputado policial, que se ‘indignou’ com a cena. Ana Hiraki é um achado e merece elogios por seu desempenho.

Anderson, aliás, é irmão de Ellen. A outra protagonista é uma nerd, expert em programas de computador. Embora pareça forte por fora, por dentro precisa lidar com a extrema carência em virtude da ausência da mãe, uma enfermeira que passa a maior parte do tempo em um hospital público, e do assassinato do pai (morto com vários tiros).

Ainda que frágil internamente, a garota enfrenta tudo e todos com a cabeça erguida, sem tolerar qualquer tipo de preconceito. Isso até resulta em um radicalismo, pois ninguém pode falar nada politicamente incorreto perto dela sem ouvir um sermão. Ela também é alvo da disputa disfarçada entre Fio (Lucas Penteado) e Jota (Hall Mendes).

Já Benê é a líder do grupo de amigas. A nerd tímida fez questão de adicionar o contato de todas assim que se conheceram. Carente de afeto, a menina nunca teve amigos e apresenta dificuldade de relacionamento. Ela sofre de Síndrome de Asperger, um grau leve de autismo. A doença vem sendo abordada ainda de forma superficial, mas terá maior importância ao longo da trama. A garota tem uma mãe amorosa (Josefina – Aline Fanju) e um irmão mais novo implicante (Julinho – Davi Souza).

Sem Benedita, as meninas já tinham se separado há muito tempo. A garota funciona como uma espécie de elemento apaziguador, amenizando alguns conflitos que muitas vezes se tornam inevitáveis. Benê também tem um amor: o arrogante Guto (Bruno Gadiol), garoto mais cobiçado da escola que começou a lhe dar aulas de piano depois que perdeu uma aposta. Daphne Bozaski está irretocável na pele dessa personagem apaixonante – ela e Heslaine, por sinal, já trabalharam com o autor em Que Monstro Te Mordeu? (2014) e Pedro e Bianca (2012), respectivamente.

Por fim, Keyla foi a responsável pelo encontro das protagonistas, graças ao seu parto em pleno metrô, provocando pânico em todas. Mãe adolescente, a garota precisa lidar com as responsabilidades que um bebê traz e com os problemas que começam a refletir na escola. Para culminar, ela nunca mais viu o pai da criança e mente dizendo que Tato (Matheus Abreu) é o pai de seu filho – a ideia, inclusive, foi dele, pois sempre foi apaixonado pela sua amiga de infância.

Keyla ainda conta com o apoio do pai, Roney (Lúcio Mauro Filho), e das próprias novas melhores amigas, que nunca mais se desgrudaram depois do nascimento de Tonico. Cao também começou a abordar os emagrecedores milagrosos através dessa personagem. Como ela está gordinha depois que virou mãe, a menina vem enfrentando problemas com autoestima e resolveu tomar remédios sem prescrição médica. Acabou internada. Tema importante sendo tratado com propriedade. Gabriela Medvedovski vem se mostrando uma dedicada atriz e seu carisma é nítido.

Malhação – Viva A Diferença merece uma sucessão de elogios por muitas razões e uma delas é esse quinteto protagonista. Pela primeira vez na história do seriado adolescente, o foco principal não é um romance e, sim, uma amizade verdadeira, cujas diferenças mais aproximam do que separam. As personagens são cativantes e as atrizes transbordam talento. Todas vão muito longe na carreira. Esse é só o começo.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor