A missão de um autor não é fácil. Criar bons personagens, dramas atraentes e histórias convincentes é um desafio para qualquer escritor. E inserir esse conjunto em uma produção televisiva consegue ser ainda mais complicado. Porém, apesar das inúmeras dificuldades, é praticamente impossível falhar em absolutamente tudo. Por pior que seja uma novela ou série, há ao menos um núcleo ou uns poucos personagens que se salvam. E é exatamente por isso que o caso de Malhação – Vidas Brasileiras se mostra tão atípico: a atual temporada falha em todos os aspectos.

Patrícia Moretzohn tem pecado desde o início de seu enredo e um dos muitos equívocos é a abordagem de temas importantes. O chamado “merchandising social” na teledramaturgia é uma constante sempre bem-vinda, desde que agregue ao roteiro, engrandeça os personagens e consiga mesclar ficção e realidade com competência. Mas nada disso tem sido observado na história da autora, que enfia os pés pelas mãos em todos os momentos que pretende explorar dramas como alcoolismo, gordofobia, bulimia, entre outros.

A ideia de se inspirar no formato canadense 30 Vies foi um dos maiores erros da atual temporada. É impossível desenvolver um drama de um personagem em menos de dez capítulos sem parecer raso ou gratuito. Com o objetivo de elaborar um ‘rodízio’ de protagonismo, a história explora um conflito por vez, colocando um adolescente ou adulto como perfil central. E o desenvolvimento de todas as situações até então se mostrou catastrófico. O aluno ou aluna da intrometida professora Gabriela (Camila Morgado) apresenta um problema do nada, o mesmo é exibido de maneira superficial e em menos de duas semanas tudo é solucionado como em um passe de mágica.

O caso de Pérola (Rayssa Bratillieri), por exemplo, beirou o absurdo. A patricinha, inclusive, parecia ser a única personagem bem construída da trama, mas essa impressão durou pouco. Chegou a ser vilãnizada quando foi traída pelo namorado Alex (Daniel Rangel) e seu desenvolvimento foi totalmente equivocado assim que teve o esperado protagonismo no roteiro. A menina resolveu virar uma modelo famosa, depois que uma amiga a indicou para o trabalho, e imediatamente começou a se fixar com o corpo.

A bulimia surgiu em menos de uma semana e o público já via cenas de indução ao vômito, rejeição aos alimentos e excesso de exercícios. A garota chegou a ficar com uma expressão cadavérica em poucos dias (cuja maquiagem exagerada merece menção) e ninguém ao seu redor notava algo de estranho. Somente Gabriela percebeu, mas achou que era gravidez. Só perceberam quando Pérola sumiu e foi encontrada quase morta no banheiro. Logo depois, magicamente, ela se recuperou e se deu conta da sua doença. Iniciou um tratamento que o telespectador não viu e já estava bem, cedendo o protagonismo para outro.

Amanda (Pally Siqueira) se transformou na nova vítima. Com o objetivo de abordar a Esclerose Lateral Amiotrófica (conhecida como E.L.A.), a personagem ganhou destaque e passou a morar na casa da avó do namorado – Kavaco (Gabriel Contente), o primeiro que ganhou um conflito na temporada, tendo protagonizado o constrangedor enredo do verniz de barco que cheirava. A grande Aracy Balabanian foi a escolhida para uma breve participação como avó do menino. A senhora não gostou de modificar toda a sua casa para a adaptação da menina, que precisava de apoio para não cair e maçanetas mais simples nas portas. O detalhe é que essa doença nunca foi sequer citada anteriormente e os pais da garota nem apareceram para uma interação com a filha. Amanda acabou expulsa pela dona do apartamento, mas a mesma teve um problema de saúde e as duas acabaram se reconciliando. Já a doença só se manisfestou quando era propícia para o enredo. Após concluído, tudo bem novamente.

E recentemente a autora conseguiu errar ainda mais no drama de Rafael (Carmo Dalla Vecchia). O personagem sofria de alcoolismo e esse grave problema nunca foi sequer explorado anteriormente. Nem mesmo de maneira sutil. A doença virou o foco simplesmente porque Márcio (André Luiz Frambach), com ciúmes da relação do pai com Gabriela, resolveu induzi-lo a ingerir bebida para atrapalhar o romance. A atitude é digna de um grande vilão de novela, mas Patrícia tenta apresentar um garoto complexo, sem sucesso. O rapaz parece legal em alguns momentos e em outros vira um completo babaca de maneira gratuita. Até mesmo o namoro com Pérola foi construído de forma rasa. E, por mais absurdo que seja, nesta semana, Márcio pediu desculpas pelo que fez ao pai e tudo ficou por isso mesmo. Rafael até se recuperou da recaída no álcool. Como pode tamanho desleixo de narrativa?

Para culminar, na mesma semana, a autora usou uma série de apresentações de grupo na escola para falar de maneira extremamente didática sobre corrupção, gênero, sexualidade e alcoolismo. Parecia um Telecurso 2000 piorado e não uma trama com conflitos bem construídos. Os temas importantes não foram utilizados para engrandecer a narrativa dos personagens e, sim, para dar uma aula entediante sobre questões importantes. A interpretação do elenco também não ajudou e o conjunto beirou o constrangimento. Até mesmo o contexto envolvendo a gordofobia sofrida por Úrsula (Guilhermina Libanio) voltou com uma abordagem tão superficial quanto feita anteriormente através do menino que teve vergonha de beijá-la na frente dos amigos. Agora entrou em voga o racismo com uma nova personagem que se matriculou na escola. A expectativa em cima desse outro assunto é a pior possível.

Malhação – Vidas Brasileira vem se mostrando um conjunto de equívocos e a baixa audiência faz jus ao que vem sendo apresentado desde a estreia. É decepcionante ver uma temporada tão fraca e mal conduzida, principalmente após o sucesso de Viva a Diferença. Não há fôlego na narrativa nem para o final de 2018, quanto mais para agosto de 2019 (prazo estipulado pela emissora). Preocupante.


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor