Malhação bíblica é uma das piores coisas já produzidas na TV brasileira
30/06/2022 às 15h12
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
A pandemia do novo coronavírus afetou as gravações de todas as novelas das emissoras. Mas a Record vem enfrentando dificuldades até hoje. Ainda não conseguiu reestruturar sua faixa de teledramaturgia. O relativo êxito de Gênesis, em 2021, animou a emissora em criar temporadas para suas produções. Porém, foi apenas uma mudança de nome porque o folhetim bíblico nada mais era do que uma história com várias fases. O canal tentou repetir o feito com Reis, mas não conseguiu uma frente de gravações e resolveu chamar a novela de série. Tanto que precisou interromper sua exibição. Aí que entra Todas as Garotas em Mim, produção que a substituiu.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
A nova série entrou como um tapa-buraco para Reis conseguir avançar nas gravações sem que a Record precise colocar outra reprise no ar. Mas a emissora já começou errando porque a série parece uma Malhação bíblica. É um produto destinado a outro tipo de público e ainda assim com sérias ressalvas. Não por acaso, a queda de audiência foi gigantesca. O folhetim conseguia média em torno dos 8 pontos, o que também não era considerado um bom índice, e agora caiu para 5 pontos e muitas vezes até 2. É a menor audiência de uma novela na história da Record —- posto até então ocupado por Jesus e Máscaras —-, o que fez o canal perder a vice-liderança para o SBT.
Para culminar, a história é rasa e muito mal escrita. Lendo a sinopse até parece um enredo clássico de seriado adolescente. Mirela (Mharessa), a protagonista, é uma digital influencer, namorada do rapaz mais popular de um colégio, Gustavo (Caio Vegatt), e que desperta a paixão de Erick (Diego Kropotoff), o filho de Carla (Manuela do Monte).
LEIA TAMBÉM:
● Não merecia: rumo de personagem desrespeita atriz de Mania de Você
● Sucesso da reprise de Alma Gêmea mostra que Globo não aprendeu a lição
● Reviravolta: Globo muda rumo da maior tradição do Natal brasileiro
Apesar disso, a neta de Isis (Adriana Garambone) enfrenta alguns dilemas e sentimentos que não sabe explicar. É através da avó, dona de uma pousada naquela cidade gaúcha, que a adolescente passa a conhecer histórias da Bíblia. Isis é mãe de Heloísa (Rhaissa Batista), uma diretora de cadeia de hotéis em Santa Catarina, e sogra de Júlio (Ângelo Paes Leme).
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
No grupo de amigas de Mirela estão a popular Sabrina (Gabi Borges), a invejosa Nicole (Gabriela Magalhães), a ingênua Paloma (Luana Camaleão), a corajosa Verônica (Juhlia Ficer) e a patricinha Dara (Julia Zimmer), além do nerd Diogo (Euller Scarpinelli), do debochado Arthur (Hall Mendes), do cantor Felipe (Luckas Moura), do esnobe Plínio (Luan Argollo) e do mauricinho Otávio (João Pedro Preticcione). Todos os personagens parecem repetir a mesma cena a todo instante de tão semelhante que é o texto e as situações apresentadas, todas exageradas e artificiais.
Lição de moral
Aliás, os conflitos criados são dignos de algum desenho voltado para crianças bem pequenas. Parece que há sempre uma lição de moral a ser dada em cada situação. E todos os perfis caem na caricatura, não há nada naturalista na trama. Tudo está em uns seis tons acima. A forma como Heloísa é apresentada expõe bastante a visão que a cúpula da Record tem das mulheres que trabalham e são bem-sucedidas.
A ricaça parece uma megera da Disney. Trata o marido como um lixo, está sempre de péssimo humor e transborda frieza. Já o marido, sustentado por ela, é um completo idiota que mal sabe argumentar. O pior é que os conselhos que dá para a filha, que a história mostra como ‘bons’, são bem conservadores. Julio acha um absurdo a filha postar fotos em sua rede social. Ser uma influenciadora digital para ele beira a falta de caráter.
E como se não bastasse o conjunto equivocado da série, tudo piora quando Mirela pede conselhos para sua avó e o recurso serve para ‘transportá-la’ ao universo bíblico. Todos os personagens passam a vestir aquele figurino característico das produções bíblicas da Record e protagonizam algumas cenas de novelas e minisséries que a emissora já exibiu, como Sansão e Dalila, exibida em 2011, por exemplo.
O resultado é constrangedor. O texto parece um jogral de ensino fundamental. Os atores nem têm culpa porque só fazem o que é proposto. Difícil ter algum bom desempenho em meio a um conjunto sem qualquer acerto. Ainda mais com vários deles estreando na televisão. Até bons nomes como Ângelo Paes Leme e Adriana Garambone não estão à vontade.
A série é escrita por Sthepanie Ribeiro, mas Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo, dono da Record, supervisiona e participa ativamente. Tanto que provocou um desmonte no time de autores da casa. Vários foram desligados e quase ninguém sobrou. O resultado da nova administração tem se revelado catastrófico. Todas as Garotas em Mim – cujo título é abreviado como TAGEM – é apenas uma das muitas evidências disso.
E tem um detalhe: a emissora anunciou que a série teria sete temporadas antes mesmo da estreia da primeira. Difícil acreditar que terão coragem para tanto.