Daí que a novela recorra a clichês manjados?! Ainda que um prato requentado (que pela repetição constante corre o risco de enjoar), foi a vingança que fez a festa de duas das novelas mais vistas na década passada – Avenida Brasil e O Outro Lado do Paraíso.

Histórias de vingança já foram contadas das mais variadas formas. As principais inspirações vêm do romance O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e da peça A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmat.

Em quase todas, o vingativo retorna a algum lugar para um ajuste de contas ou para se vingar de pessoas que o fizeram sofrer no passado.

Confira:

A novela Os Inocentes (Tupi, 1974), de Ivani Ribeiro, foi baseada em A Visita da Velha Senhora. Juliana (Cleyde Yáconis) retorna à cidadezinha – que deixara quando criança – como uma mulher rica e poderosa, que se faz de amiga de todos. Mas ela esconde suas reais intenções: se vingar dos antigos moradores que, no passado, a expulsaram da cidade com sua mãe. E Juliana, como filha da mulher expulsa injustamente, vai se vingar nos herdeiros dos algozes da mãe – daí o título da novela, Os Inocentes.

Em Chocolate com Pimenta, Walcyr Carrasco misturou as tramas de A Visita da Velha Senhora com A Viúva Alegre, de Franz Lehár. Aninha (Mariana Ximenes), quando jovem, fora ridicularizada pelos colegas de escola perante toda a cidade. Casou-se com o homem mais rico da região e partiu. Após a morte do marido, Aninha – ou melhor, Ana Francisca – volta à cidade com sede de vingança contra os moradores que a fizeram sofrer. Seu plano é tirar do local a fábrica de chocolates que herdou, a principal fonte de renda dos moradores e dos ricos da cidade.

Tieta – personagem de Jorge Amado interpretada por Betty Faria na novela de 1989-1990 – quer se vingar dos moradores de Santana do Agreste, que um dia a escorraçaram da cidade. Seu principal alvo é a irmã invejosa, Perpétua (Joana Fomm). Voltando à cidade, rica e poderosa, ela se faz de boazinha e se deixa bajular por todos – tal qual Juliana de Os Inocentes e Ana Francisca de Chocolate com Pimenta.

Em Cavalo de Aço (Globo, 1973) – de Walther Negrão -, Rodrigo (Tarcísio Meira) chega a uma cidadezinha para vingar o extermínio de sua família ocorrido na infância. O responsável é o rico fazendeiro Max (Ziembinski). Para realizar seus intentos, Rodrigo se envolve com Joana (Betty Faria), filha de Max.

Negrão usou o mesmo mote para outra novela sua: Fera Radical (1988), em que Cláudia (Malu Mader) quer se vingar dos Flores, latifundiários que ela responsabiliza pelo morte de sua família no passado. Para tanto, Cláudia se envolve com os herdeiros Fernando (José Mayer) e Heitor Flores (Thales Pan Chacon).

A novela Marron-Glacé (1979-1980), de Cassiano Gabus Mendes, tem tramas semelhantes às de Cavalo de Aço e Fera Radical: Otávio (Paulo Figueiredo) se infiltra na família de Madame Clô (Yara Côrtes) como garçom do restaurante de sua propriedade. Ele seduz ao mesmo tempo as duas filhas da madame (Louise Cardoso e Sura Berditchewsky). Tudo faz parte de um plano de vingança contra o falecido marido de Clô, a quem Otávio responsabilizava pela ruína de sua família.

Em Fera Ferida (1993-1994) – novela baseada na obra de Lima Barreto -, Feliciano Júnior (Edson Celulari) retorna à cidade de Tubiacanga para se vingar dos poderosos da região, que no passado foram os responsáveis pela morte de seus pais. Ele se esconde na pele do rico alquimista Raimundo Flamel e desperta a cobiça de todos com sua ideia de transformar ossos humanos em ouro. Tudo não passava de uma farsa como parte de seu plano de vingança.

Na novela Dona Beija (Manchete, 1986), a protagonista, vivida por Maitê Proença, se transforma em uma famosa e desejada cortesã para se vingar do ouvidor do rei (Carlos Alberto), que a raptara para fazer dela sua amante. Enquanto ele viajava, Beija servia aos homens em troca de joias. Rica, ela funda a Chácara do Jatobá, um refinado bordel onde se transforma em um mito como cortesã, escandalizando todas as famílias conservadoras da região de Araxá. Seu intuito maior era ferir seu amor do passado, Antônio (Gracindo Jr.) e a família dele, que a repudiou.

A história de Quatro por Quatro (1994-1995), de Carlos Lombardi, começa quando quatro mulheres – Abigail (Betty Lago), Auxiliadora (Elizabeth Savalla), Babalu (Letícia Spiller) e Tatiana (Cristiana Oliveira) -, se sentindo desprezadas por seus respectivos homens, unem forças para vingarem-se deles. Quem não lembra da famosa cena em que elas fazem um pacto quando estão presas, unindo as mãos e gritando: “Vingança”!

A trama espírita da novela A Viagem (1994), de Ivani Ribeiro, desenvolveu-se em cima da vingança do espírito de Alexandre (Guilherme Fontes) contra as pessoas que ele considerava responsáveis pela sua prisão e morte. Alexandre se suicidou na cadeia e, em outro plano, passou a interferir na vida de seus desafetos – mais especificamente o irmão Raul (Miguel Falabella) e o cunhado Téo (Maurício Mattar), que o entregaram à polícia, e o advogado Otávio Jordão (Antônio Fagundes), que auxiliou em sua condenação.

Em O Dono do Mundo (1991) – de Gilberto Braga -, Márcia (Malu Mader) foi seduzida pelo canalha cirurgião Felipe Barreto (Antônio Fagundes), na noite de núpcias dela, o que culminou com a morte de seu noivo. Rejeitada e abandonada por todos, Márcia inicia então uma implacável vingança contra o homem responsável pela sua desgraça.

Em outra trama de Gilberto Braga – Celebridade (2003-2004) -, a maquiavélica Laura Prudente da Costa (Cláudia Abreu) usa de todos os meios para tomar o lugar, a fortuna e a fama da empresária Maria Clara Diniz (Malu Mader). Tudo fazia parte de um plano de vingança contra a ela, a quem Laura responsabilizava pela desgraça de seu pai, o verdadeiro autor da música que lançou Maria Clara ao estrelato.

Em Insensato Coração (2011) – novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares -, o mau caráter Léo (Gabriel Braga Nunes) se envolve com a simplória enfermeira Norma (Glória Pires) para roubar o dinheiro do velho rico que ela cuidava. Norma vai presa injustamente, acusada da morte do velho. Ela cumpre pena e tem apenas um objetivo na vida: vingar-se de Léo. Ao deixar a cadeia, Norma, agora uma mulher rica, arma para Léo, transformando-o em uma espécie de escravo, sob a ameaça de entregá-lo à polícia pelos crimes cometidos.

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Avenida Brasil envolve uma vingança particular de Nina (Débora Falabella) contra Carminha (Adriana Esteves). Criança, a menina Rita foi abandonada em um lixão pela madrasta, Carminha, depois que esta roubou seu pai e ele morreu. Adotada por uma família rica, Rita – agora Nina –, retorna adulta com sede de vingança contra Carminha. Para tanto, ela se infiltra na casa da madrasta sem revelar sua identidade.

O Outro Lado do Paraíso é cuspida e escarrada O Conde de Monte Cristo. Para se apossar de uma mina de esmeraldas que Clara (Bianca Bin) herdou, a vilã Sophia (Marieta Severo) a interna em um clínica com a ajuda do “psiquiatra, do delegado e do juiz”. Clara consegue escapar, herda a fortuna de uma boa senhora, e volta com sede de vingança: “Vocês não imaginam o prazer que é estar de volta!“.

Muitas outras tramas de novelas abordaram vinganças. As histórias se repetem, mas o olhar do autor e a forma de contar podem fazer a diferença.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor