Maior sucesso do Globoplay, Tieta prova que é um fenômeno atemporal
30/10/2020 às 3h51
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De acordo com matéria recente da Folha de S.Paulo, Tieta lidera o ranking de novelas mais vistas do Globoplay em consumo de horas. E não é para menos.
A trama de Aguinaldo Silva, escrita com Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, dirigida pelo saudoso Paulo Ubiratan, era uma das mais pedidas pelo público. E a prova da longa espera dos noveleiros saudosistas é o resultado da audiência – a trama também bombou no Viva. Mas basta rever esse delicioso folhetim para constatar os vários motivos desse êxito.
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A novela foi um marco da teledramaturgia e um dos maiores sucessos da Globo —- exibida entre agosto de 1989 e março de 1990 —-, consagrando Aguinaldo Silva como novelista. O enredo foi uma livre adaptação do romance “Tieta do Agreste”, de Jorge Amado, publicado em 1977. Mas apenas o mote inicial e o perfil dos personagens foram utilizados com fidelidade, pois a liberdade dos autores foi total, transformando o conjunto em um folhetim original, repleto de tiradas cômicas e situações polêmicas, onde a onda do politicamente correto ainda não existia.
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O foco principal é um dos maiores clichês da ficção: a vingança. No primeiro capítulo, Tieta, vivida por Cláudia Ohana, é escorraçada de casa pelo pai, o conservador José Esteves (Sebastião Vasconcelos), que não tolera o comportamento ‘libertino’ da protagonista e ainda é influenciado pelas intrigas da outra filha, a amargurada Perpétua.
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Todos da fictícia Santana do Agreste também se mostram horrorizados com o comportamento da menina. A mulher, então, viaja para São Paulo, mas promete voltar para se vingar de todos que a humilharam.
Vinte e cinco anos se passam e Tieta (agora Betty Faria) reaparece, rica e deslumbrante, com o objetivo de executar sua missão prometida no passado. Esse retorno, aliás, é uma das cenas mais lembradas da novela, principalmente em função da emoção de Tonha (Yoná Magalhães grandiosa), madrasta querida da protagonista. E o retorno ocorre justamente quando a cidade inteira está rezando uma missa, organizada por Perpétua (Joana Fomm), em sua memória.
Outro momento marcante desse retorno é a ‘recepção’ do bebum Bafo de Bode (Benvindo Siqueira), que se impressiona com o quadril (“Derrière”, como diz Tieta) da ricaça e ainda fala que aquilo é uma “plantação inteira de xibiu.” O curioso é que, com o tempo, o contexto da vingança acabou se diluindo, mas sem afetar a qualidade da obra.
A história é repleta de tipos caricatos que esbanjam carisma e ainda contém situações polêmicas, vide o romance de Tieta com o sobrinho Ricardo (Cássio Gabus Mendes), filho de Perpétua, que até então planejava para ser padre. O romance incestuoso, inclusive, implicou em problemas com a Igreja Católica e a Justiça.
Outra trama que despertou incômodo foi a protagonizada pelo coronel Artur da Pitanga (Ary Fontoura, genial). Afinal, retratava a pedofilia de forma levemente cômica. O poderoso homem seduzia menores em troca de comida e alfabetização. A única que o enfrentava era Maria Imaculada (Luciana Braga). O núcleo ficou marcado pelo nome que ele dava a elas: ‘rolinhas’. Hoje em dia, com razão, esse contexto seria alterado e tratado com mais seriedade. O coronel, provavelmente, seria mostrado como um grande vilão.
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Curiosamente, inclusive, uma situação que passou sem problemas na época seria censurada hoje: a abertura. Se por um lado o país avançou na discussão de temas como o machismo, por exemplo, em outro retrocedeu muito. A linda abertura que mesclou elementos da natureza com a beleza da mulher (no corpo nu de Isadora Ribeiro) não seria liberada nos tempos atuais. A alegação seria a “presença de crianças vendo televisão com a família e atentado ao pudor antes das dez da noite”. Com certeza, a modelo estaria vestida. É triste observar isso, pois uma produção tão caprichada de Hans Donner (o maior designer gráfico da Globo) não teria o devido reconhecimento hoje —- aliás, a reprise da novela no “Vale A Pena Ver De Novo”, em 1994, foi censurada (escureceram as imagens, escondendo os seios).
Deixando as polêmicas de lado, é preciso elogiar os vários tipos marcantes da trama. Além da própria Tieta (Betty Faria em seu melhor momento na carreira) e da icônica Perpétua (maior papel de Joana Fomm e uma das mais lembradas vilãs da teledramaturgia), a história também contou com uma dupla maravilhosa: Cinira e Amorzinho. As capachas de Perpétua eram meras coadjuvantes, porém, foram crescendo cada vez mais graças ao imenso talento de Rosane Gofman e Lília Cabral. As devotas bancavam as puras, mas não podiam ver um homem que sentiam um fogo nas ventas, com direito a tremeliques inesquecíveis de Cinira. Outro perfil que conquistou a todos foi a Dona Milú (saudosa Miriam Pires), cujo bordão —- “Mistéééééééério!” —- caiu no gosto popular.
O carismático Modesto Pires (saudoso Armando Bógus), a querida Carmosina (Arlete Salles em grande momento) —- agente dos correios que abria as cartas de todos da cidade usando o vapor da chaleira —- , o afetado Timóteo (ótimo Paulo Betti), o já citado Bafo de Bode, o bonachão Jairo (querido Elias Gleizer) e o malicioso Osnar (José Mayer) foram outros perfis que agradaram.
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E, claro, vale uma menção especial a Tonha, a personagem mais doce da história. Quase uma Cinderela do Nordeste. Maltratada pela vida e sempre com um olhar melancólico, a madrasta de Tieta protagonizou uma das melhores cenas da novela, quando voltou a Santana do Agreste toda elegante, semanas depois de finalmente ter se livrado dos resquícios de Zé Esteves, aconselhada pela enteada e amiga. Ela retornando triunfante e linda, desfilando pelos lençóis maranhenses ao som de “Uma Nova Mulher”, cantada por Simone, foi de uma sensibilidade ímpar.
Outro boa lembrança da trama era o enigma em torno da Mulher de Branco. A figura feminina só aparecia em noites de lua cheia e sempre escolhia os homens ‘indefesos’ para atacar sexualmente. Ela era Laura (Cláudia Alencar), a esposa do Comandante Dário (Flávio Galvão). Lídia Brondi (Leonora), Françoise Fourton (Helena), Tássia Camargo (Elisa), Bete Mendes (Aída), Roberto Bonfim (Amintas), Cláudio Corrêa e Castro (Padre Mariano), Renato Consorte (Seu Chalita), Marcos Paulo (Arthuzinho), Liana Durval (Rafaella), Paulo José (Gladstone), Ana Lucia Torre (Juracy), Otávio Augusto (Marcolino) e Luiza Tomé (Carol) eram mais alguns nomes do ótimo elenco.
Tieta foi uma das grandes novelas da história da teledramaturgia e o imenso sucesso no Globoplay é fruto do reconhecimento do público, reforçando todas as qualidade desse clássico. A história é querida por todos os fãs de um bom folhetim e há tempos merecia ser revista novamente, sem cortes.
SOBRE O AUTOR
SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook.